domingo, 30 de dezembro de 2007

Happy Feet

Happy Feet – o Pingüim (Happy Feet), 2006. EUA. De George Miller

Um filme sobre os pingüins imperadores, exímios cantadores. Para o acasalamento, eles formam seus pares a partir de cantos. Porém, um deles, chamado Mano, tem uma peculiaridade: é incapaz de cantar, ele só consegue expressar seus sentimentos através da dança.

Essa sua habilidade o indispôs perante seu grupo, sobretudo os mais velhos. Mano é um desolado, inapto a seguir os antigos rituais de corte e acasalamento da espécie. A impressão inicial é estarmos diante de mais uma das tantas atualizações do patinho feio. Um novo exemplar das fábulas de aceitação social, bem ao gosto da Disney ou da DreanWork. O exemplo mais recente que me vem a mente é sobre um ogro que se diz misantropo, mas cujo anseio mais íntimo é justamente a inclusão nos padrões da maioria.

Na verdade, um dos paradoxos das sociedades ocidentais contemporâneas é o culto ao individualismo ser complementar às medidas de massificação e homogeneização dos gostos e sensibilidades. O cinema americano tem uma predileção por aquele modelo de herói que se diz diferente, mas que, ao final, mesmo que implementando alguma mudança, acabará por aceitar uma reordenação conservadora do sistema (lembrem-se do desfecho de FormiguinhaZ). Aula de sociologia funcionalista no mais elementar grau... Sem dúvida que esses problemas perpassam Happy Feet do início ao fim, e durante os primeiros atos eu tinha a convicção de que estava a desperdiçar uns 90 minutos do meu tempo.

Contudo, na metade da projeção o enredo adquire uma nova conotação, a meta do personagem (de conquistar a amada e ser aceito pelo seu bando) é substituída por uma nova missão, a de compreender a razão do desaparecimento dos peixes. Esta atípica ave decide realizar uma jornada em direção a seres desconhecidos (os ETs) que, supostamente seriam responsáveis pela carestia dos víveres.

Com esse incremento, a narrativa acaba por tomar um fôlego, trazendo um sutil pensamento ecológico que é até inofensivo, mas, ao menos, não se resvalando na pieguice.

O jovem Mano descobre nos ETs criaturas indiferentes, incapazes de perceber o sofrimento dos demais. Gigantescos e poderosos, eles eliminam todas as formas de vida, dos peixes às baleias, não há criatura capaz de fazer frente à voracidade desses insaciáveis alienígenas. Caberá ao pingüim encontrar meios para se comunicar com tais seres, dissuadindo-os da predação irracional dos peixes.

No Pólo Sul há muitos animais que ameaçam a vida dos pingüins, como as gaivotas, os leões marinhos e as baleias. Porém, no desenvolvimento do filme, evidencia-se que o maior perigo reside nas inexplicáveis ações daqueles estranhos alíens que, por onde passam, deixam um rastro de destruição e sujeira. Sem dúvida, o perigo vem do espaço.

Cotação: Bom

Pantera Cor-de-Rosa

Pantera Cor-de-Rosa (The Pink Panther). Eua. DE Sawn Levy, 2006.

Para de pressioná-la, não vê que ela é sexy!"

Assino embaixo essa frase pronunciada pelo inspetor Jacques Clouseau, interpretado por Steve Martin, ao se referir a cantora Xania (Beyoncé Knowles).

Começo esse texto por um caminho pouco usual ao destacar a beleza de Beyoncé, certamente uma das mulheres mais bonitas dos Estados Unidos, representante da pop e world music. A presença da figura da “mulher fatal” é indispensável para o desenvolvimento dessas histórias detetivescas. Basta lembrar o cinema noir e suas paródias, das quais a franquia Pantera Cor-de-Rosa é um exemplo indireto.

A beleza singular de Konwles é uma estratégia para nos levarmos a um esquema de cinema glamour onde a aparência do ator é um elemento essencial da trama. Assim Beyoncé é a mulher misteriosa e sedutora, Jean Reno é a objetividade, humildade e força e Steve Martin é a própria incompetência não admitida e encarnada em forma de homem.

Steve Martin é um ator competente, pois conseguiu substituir satisfatoriamente Peter Sellers, embora o Clouseau deste último fosse bem mais blasé. Faltou um pouco de alheamento na interpretação de Martin, não podemos nos esquecer que o inspetor francês é quase um altista, com uma percepção mínima da realidade ao seu redor.

Há algumas vulgaridades no filme, plenamente dispensáveis, um indício da queda da comédia cinematográfica contemporânea, que, cada vez mais, tende a ser escatológica. De qualquer forma as piadas básicas e as situações cômicas típicas permanecem, mas não trata-se simplesmente de um remake.

Há várias reinvenções, pois temos um Clouseau que convive com celular, viagra, internet e e-mail, todas as cenas que envolvem essas tecnologias são hilárias. A referência aos filmes de James Bond é legítima na medida em que ela tem uma funcionalidade na trama, não soando gratuita.

O desfecho é a parte mais insatisfatória do filme. A forma como se deu a “redenção” de Clouseau foi forçada, ele é um policial altamente incompetente, não há uma razão para tentar nos convencer do contrário.

Cotação: Regular

O homem que não estava lá

O homem que não estava lá (The Man Who Wasn’T There), 2001. EUA. De Joel Coen

Está claro que o diálogo é com o cinema Noir. A fumaça, os cigarros e a fotografia em preto e branco nos sugerem o universo ao qual os irmãos Coen pretende nos conduzir.

Porém, o cinema feito em 2001 nunca será o cinema dos anos trinta ou quarenta. O amoralismo do movimento Noir não pode ser recriado com tanta facilidade, e embora o personagem principal, Ed Crane (interpretado por Billy Bob Thorton), não tenha remorso por suas ações, ele está condenado, de alguma forma, a pagar por seus crimes. Assim, uma referência plausível é Crime e Castigo, pois cabe ao desajustado purgar pelo seus erros.

Entretanto o roteiro é bem construído e, embora a trama esteja em constante mudança, não nos deixa de surpreender que, em um filme sobre assassinatos, haja momentos em que discos voadores, de uma forma um tanto inusitada, entrem na história.

O filme é sobre um homem que, embora com uma vida insípida, não deixa de experimentar arroubos de otimismos, justamente o que o conduz a situações catastróficas. Dentro do universo dos irmãos Coen, ele seria uma outra versão daquele incompetente vendedor de carros, que trama o seqüestro da própria esposa em Fargo.

A narrativa é um tanto “esticada”, o que acaba por provocar uma impaciência, principalmente no ato final, quando o remate se torna previsível. Assim como em Fargo a situação inicial é simples, mas aos poucos as complicações aparecem, com amplitudes imprevisíveis.

Eu um momento do filme, alguém fala que Ed Crane é um homem moderno: solitário, sem um lugar definido no mundo, um tipo comum e inofensivo. Dificilmente ele poderia ser tomado como um homem comum, pois seu estoicismo é admirável, não o vemos sorrindo ou chorando, sua feição é sempre a mesma.

Em O homem que não estava lá não existe espaço para o livre arbítrio, pois uma ação longínqua pode o afetar sem que você perceba. A possibilidade de felicidade está vedada. Um carro na contramão, uma nave alienígena, a lavagem a seco, tudo está interligado, denunciando o absurdo da vida e a confirmação do Princípio de Incerteza: quanto mais se procura menos se acha.

Assim, a mentira é preferível, pois ela simplifica a realidade, assim, a morte é preferível, pois ela simplifica a vida.

Cotação: Bom

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

MeninaMá.com

MeninaMá.com (Hard Candy), 2005. EUA. De David Slade

Em um dos clipes que a tornariam conhecida, aquela garota de uns 15 anos, apareceria dançando em uma escola, com um uniforme escolar bem sui generis, saia acima do joelho, posições insinuantes e requebrados profissionais. Falo de Britney Spears e sua precoce aparição na mídia televisiva, realimentando o imaginário da Lolita.

Uma constatação interessante é observar como nossa sociedade preza a juventude e a beleza noviça, em outras palavras, não há como negar o potencial pedófilo de nossa cultura. A todo momentos lindas jovens são mostradas na televisão, a sexualização das adolescentes é recorrente e não requer que citemos maiores exemplos.

Se adoramos a pedofilia, por outro lado, odiamos o pedófilo. Aquele ser asqueroso e viscoso, que contraria as leis de Deus, da Sociedade e da Sacrossanta família. Trata-se de um verme que age sorrateiramente, corrompendo nossos filhos e filhas. A grande questão é entender a contradição entre nosso desejo pela juventude ilimitada e a condenação daqueles que, de fato, a procuram. O pedófilo nada mais faz do que seguir a risca os conselhos disseminados pela poderosa publicidade de cosmético: lindas jovens que comparecem perante o público vendendo produtos contra envelhecimento.

Seguindo as tendências sádicas da nossa sociedade, o que temos é a promessa do super-orgasmo nunca atingido. A relação entre a juventude e o prazer pode ser utilizada para vender uma gama de supérfluos, mas jamais deve ser buscada verdadeiramente.

Todas essas reflexões me conduzem a apreciação do moralista MeninaMá.com, um filme sobre o qual, definitivamente, devemos desejar o mais rápido esquecimento. A narrativa se estrutura no embate entre uma misteriosa garota que surge na vida de um homem solitário, supostamente um pedófilo. Hayley, de 14 anos, decide punir Jeff, 32 anos, para isso ela o submete a condições degradantes, se valendo de drogas e torturas físicas e psicológicas.

Jeff supostamente é um agressor sexual, mas eis que surge, como um anjo justiceiro, uma menina de 14 anos, disposta a vingar todas as mulheres feridas. Em um mundo no qual crianças estão aptas a torturar um ser humano (independente dos crimes cometidos), o pedófilo será o menor dos nossos problemas.

O que percebemos é o impulso do puritanismo sexual. Uma criminalização absurda dos desvios sexuais, inserida em uma perspectiva moralista, na qual possuir uma patologia (ou desvio social) equivale a possibilidade de sujeição à tortura ou à pena de morte. Não se acredita na possibilidade da regeneração, da recuperação. O intento é eliminar o dissonante, em proveito da unidade, da totalidade.

Sabemos que estupradores ou, em alguns casos mais isolados, homossexuais quando caem nas mãos da população terminam linchados, é assim que se resolve o problema dos desviantes, com intolerância e violência extrema. O Estado de Direito e a direito a ampla defesa soam como fábulas...

Para avaliar a controvérsia da repercussão desse filme no universo dos críticos sugiro duas leituras, a primeira é a inteligente apreciação de Luiz Fernando Gallego que, reconhecendo os méritos técnicos da produção, escancara o potencial totalitário do enredo. A outra sugestão é de um crítico, cujos textos têm grande apreciação entre os internautas, divulgados no pop-site Cinema em Cena.

Em última instância, permanece a questão da adesão a escalas de valores. Moral de aldeia (fascista e hipócrita) ou crença no Estado como mediador de conflitos e na necessidade de compreensão (e correção) do comportamento humano?

Enquanto isso Britney, que agora já é adulta, rebola, rebola sem parar.

Cotação: Fraco

sábado, 15 de dezembro de 2007

Golpe Baixo

Golpe Baixo (The Longest Yard), 2005. EUA. De Peter Segal.

Criticar alguns filmes é muito fácil, quase como chutar um cachorro morto. Na verdade, seria ociosidade da minha parte resenhar esse filme. Portanto, como exercício didático, deixarei essa tarefa para vocês.

Sim leitores! Desta vez vocês são os críticos. Não se preocupem, não é necessário assistir esse filme. Aliás, nem recomendo, seria golpe baixo da minha parte. Vossa tarefa se resumirá em escolher as alternativas mais apropriadas, copiá-las e colá-las no word. Depois é só ler. Crítica pronto, crítica instantânea.

Premissa: Andam Sandler é Paul Crewe um ex-jogador de futebol americano. Completamente decadente, foi processado sob acusação de extorsão, ao “facilitar” um jogo para equipe adversária. Um dia, enchendo a cara e dirigindo em alta velocidade na contramão, Crewe é enviado para uma prisão.

A partir daqui vocês continuem, escolham a melhor resposta!

Ele é bem recebido pelos guardas?

I. Os guardas, como bons funcionários públicos que são, o tratam com devido respeito.
II. Os guardas são uns sacanas, que sem nenhuma razão aparente, o espancam.
III. Os guardas ficam felizes com o ex-jogador de futebol (iupi), e o convidam para bater uma bolinha!

Ele é bem recebido pelos prisioneiros?

I. Um playboy corrupto sempre é um cara popular na prisão. Certo?
II. Os prisioneiros o odeiam e o matam. Seu corpo é escondido no vestiário, o filme, que era uma comédia, vira um suspense a la Hitchcoock.
III. No início ninguém gosta dele, mas depois ele vira líder, ganhando a simpatia da galera.

Qual é o principal perfil dos prisioneiros?

I. São homens brancos ricos, exploradores, fraudadores, políticos, que desviaram recursos e por isso estão na cadeia.
II. São negões, índios, latinos, italianos. Eta gente feia, eta gente perigosa.

Que confusão Paul Crewe vai caçar na prisão?

I. Nenhuma, ele fica quietinho na dele.
II. Ele vai caçar inimizade com os guardas e com o diretor da penitenciária (que, claro, é corrupto e tem ambições políticas). Crewe organizará um time de futebol, composto por detentos, que, em um futuro próximo, enfrentará o time dos policiais.
III. Por acidente, ele assistirá um VHS, no qual aparece estranhas imagens. Esse fita tem relação com uma estranha garotinha chamada Samara, que, em 7 dias, irá buscá-lo.

Crewe terá facilidade para organizar o time?

I. Claro, ele é um cara popular, todo mundo vai querer participar.
II. No início não haverá jogadores, mas graças ao empenho de Sandler, os bonzões, acabarão engajados no projeto de Detentos X Homens da lei.

Os dois times terão as mesmas facilidades para o treinamento?

I. Enquanto os policiais usam equipamentos, esteróides e um campo perfeito, os detentos não terão recursos, salvo as chuteiras rasgadas, a bola e o campo no deserto... sim, no deserto.
II. Sim, pois o filme não é maniqueísta. Ele retrata os esforços dos desportistas. Rá, desconsiderem essa opção...
III. O poderoso jedi mestre Ioda decide auxiliar o time de Crowe, portanto, são os policiais não têm chances. Essa é a única maneira de explicar as inexplicáveis manobras do time Maquina Infernal.

Além do jogo propriamente dito, os detentos enfrentarão algum outro desafio no jogo?

I. Eles serão chantageados, os juízes serão parciais, e os policiais usarão golpes sujos.
II. Que isso! É um jogo. É esporte, o que importa é a diversão. Yesssss, 100% entretenimento.

E o público, o que ele fará nos momentos finais?

I. Torcerá para os policiais, pois afinal, eles representam a lei e o Estado de Direito!
II. Fugirão, assustados com a invasão dos macacos voadores.
III. Inicialmente hostis ao time dos detentos, nos derradeiros minutos passarão a torcer para esses azarões.

O time Máquina Infernal (dos presidiários) conseguirá vencer?
I. Obvio. Poupe-me né?
II. Obvio. Poupe-me né?

Como a maioria dos filmes de Andam Sandler, o que encontraremos em Golpe Baixo?

I. Piadas racistas e homofóbicas, que resvalam na escatologia, além da participação da entidade denominada Rob Schneider.
II. Uma crítica ao capitalismo, bem fundamentada, dialogando com atores díspares, tais como Marcuse e Maurice Dobb.
III. Uma inteligente e ousada interpretação da sexualidade, colocando homens e mulheres em um patamar de igualdade e tematizando acerca de suas projeções e receios.

Pois é, viram como o exercício da crítica é fácil? Nem é necessário assistir ao filme para saber seu enredo, somos muito inteligentes ou Hollywood que é muito previsível? Ora, mas essa é outra pergunta para a qual vocês também sabem a resposta...

Cotação:

I. Ótimo
II. Bom
III. Regular
IV. Fraco
V. Péssimo

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Denominador comum: Criador X Criatura

Capote(Capote), 2005. EUA. De Bennett Miller
Conceição – autor bom é autor morto, 2007. Brasil. De André Sampaio, Cynthia Sims, Daniel Caetano, Guilherme Sarmiento e Samantha Ribeiro
Mais Estranho do que a Ficção (Stranger than Fiction), 2006. EUA. De Marc Foster

Em Conceição - autor bom é autor morto (2007), uma das pusilanimidades que assisti no Festival de Tiradentes de 2007, ficou patente o interesse dos aspirantes a diretores em discutir acerca da relação estabelecida entre o autor e o personagem. De que modo a criação literária ou cinematográfica afeta aquele que a originou?

Se formos pensar seriamente nessa matéria, teremos que reconhecer que, em alguns casos, escrever um romance ou um poema é um processo interno de modificação e confrontação – um embate psicológico e íntimo. É reconhecido que, ter redigido A sangue frio, afetou decisiva e sombriamente a personalidade de Truman Capote.

No filme Capote, de Bennett Miller, as relações estabelecidas entre esse escritor e os assassinos do massacre de Kansas City salientam o confronto existente entre o narrador e a figura envolta na narrativa. Nesse caso, Truman Capote procurou os criminosos, estabelecendo um contato com eles, na tentativa de compreender os elementos que os condicionaram a realizarem tal chacina. Verifica-se, de um lado, a ação do esteta/documentarista ao criar uma composição, na qual são suas próprias explicações que emergem, estruturando os eventos, uma forma de ter o controle do real vivido. Do outro lado, vemos o interesse dos envolvidos em fazer suas próprias interpretações sobressaírem nos escritos de um terceiro. A derradeira estratégia para a sobrevivência, perpetuação da memória pela canção de um aedos.

Com efeito, em Capote, os personagens, retratados como reais, não podem escapar das grades que lhes foram impostas. Já em Conceição, os personagens, existentes em uma realidade fílmica (como o galante ator que foge das telas do cinema em A Rosa Púrpura do Cairo) são capazes de promover uma insurreição, desprendendo-se do seu universo de origem e vindo confrontar diretamente seus inventores. Trata-se, de forma pouco elaborada, é verdade, da vingança da criatura (inconsequentemente criada) contra seu criador. Porém, inexiste uma possibilidade de diálogo, a metalinguagem é feita em mão única, um exercício de reflexão de estudantes de cinema, não se ramificando em uma trama adulta, na qual seria necessário um maior conhecimento sobre a razão de ser de cada ficção.

Sem dúvida que, em Conceição, a estrutura narrativa falha na tentativa de construir uma trama inteligível ao telespectador, capaz de mesclar a auto-citação e auto-referenciação com o desenvolvimento de um enredo coerente e significante.

Longe dessas debilidades também se encontra Mais Estranho do que a Ficção, na qual um homem comum se descobre personagem, envolto numa trama, parcialmente orientado por uma narradora onisciente. Assim, ele também se encontra preso e indefeso, já que não detém as informações suficientes para salvaguardar sua existência. A qualquer momento a narrativa pode ser encerrada, com a morte do objeto da narração.

Vemos um duplo confronto, em primeiro lugar há que se descobrir em qual narrativa Hardold, que se transformou em uma figura dramática, está inserido. Em seguida, criar caminhos para interação e negociação com a voz da narrativa, poderosa, colocada em uma posição de deus.

Nesse caso, vemos o confronto do homem comum com o universo hegemônico – mesmo que esse universo seja literário. Um simples auditor da receita federal pode ter sido alçado à categoria de herói, se dramático ou cômico ainda não se sabe.

Enfim, nos três casos vemos uma imbricação entre as esferas dos fictícios e a dos demiurgos. Situação mais evidente em Conceição, na qual personagens são paridos para serem abandonados a própria sorte. Por isso mesmo, eles retornam aos seus “pais”, questionando a razão da existência. Uma ação que não seria muito diferente se o homem tivesse a oportunidade de indagar seu criador.

Em Capote, os delinqüentes pertencem ao mesmo nível de realidade do escritor, mas ainda assim não deixam de ser personagens, querendo, de idêntica maneira, que Truman Capote interfira sobre suas vidas, ao menos de forma literária – já que não querem ser eternizados como assassinos.

Em Mais Estranho do que a Ficção, não há distinção entre o personagem, aprisionado em uma trama literária, e sua autora. Há a perspectiva de que eles acabem se encontrando, podendo um interferir na esfera do outro – ainda que as relações de força não sejam iguais. Mas, de qualquer maneira, o embate é franco e sincero.

O que toda essa discussão traz a tona é que os personagens têm vida própria, não são escravos dos seus criadores. Cada unidade tem sua carga dramática, suas especificidade, seria uma trapaça incorrer a qualquer elemento que pudesse contrariar as premissas básicas, sob o risco da incoerência e da inverossimilhança. Conan Doyle não conseguiu matar Sherolck Holmes, isso já nos diz muita coisa. O escritor jaz, mas seu personagem continua vivo, persistindo de diversas maneiras.

De fato, para um escritor, a prova maior de sua perenidade é ser convertido em personagem. Shakespeare virou personagem da história da literatura inglesa, Lima Barreto faz parte da tragédia dos mulatos cariocas, vítimas do preconceito e desdém do governo brasileiro - algo tematizado em seus próprios escritos.

A realização do ficcional pressupõe que o autor pertença aos dois mundos, portanto ele pode ser vítima dos seus escritos. Seus personagens se convertem em algozes, às vezes alcançando um sucesso inaudito e obscurecendo seus criadores.

No cinema isso também é verdade, quando alguém se põe a dirigir um filme em que ele mesmo atua, a sua pretensão é assegurar um controle total sobre os dois universos. Ser pai e ser filho de si mesmo. Uma façanha que, a despeito de todo avanço biotecnológico, só pode ser atingida por intermédio da arte. O aedos também tem sua parcela de divindade.

Cotação:

Capote: Bom
Conceição: Fraco
Mais estranho que a ficção: Regular

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Planeta Terror

Planeta Terror (Planet Terror), 2007. EUA. De Robert Rodriguez

O principal mérito desse filme é o interesse de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino em promoverem uma homenagem ao cinema de terror B.

Entre aspas, entre aspas. Porque, ao bem da verdade, cumpre lembrar a artificialidade dessa produção, uma vez que seu financiamento é de primeira linha. Há uma diferença entre o brega cabotino e o genuíno.

Esses dois diretores estão brincando com o universo do cinema, revisitando as mitologias e os estereótipos, criando releituras divertidas e bem articuladas, mas, carecendo de alguma originalidade e sofisticação. Mulheres nuas, carros envenenados, armas e cenas de mutilação estão longe de ser garantia de uma produção trash, já que são facilmente captáveis por qualquer produção de primeira linha.

Alguns elementos insistem em se repetir nos filmes de Robert Rodriguez. A figura da stripper (ou dançarina go go) é um deles, seja em Um Drink no Inferno (1996) ou em seu curta metragem contido em Grande Hotel (1995). Outro ponto que também já se repetiu é a fusão entre o homem e as armas, como aquele personagem de Um Drink no Inferno que acoplava uma pistola abaixo da sua linha do abdome... Algo também insinuado em A Balada do Pistoleiro (1995).

Justamente, em Planeta Terror, uma dançarina tem sua perna arrancada por zumbis, no lugar, como prótese, é colocada uma metralhadora automática. A garota se converte, portanto, em uma arma, se colocando em posições muito sugestivas para poder disparar conta seus agressores. Aliás, o filme começa com uma de suas apresentações no palco, quando ela exibe suas duas pernas, em uma dança sensual. Armas e sexo, uma representação corriqueira no imaginário adolescente, mas que, convenhamos, soa muito paspalhona para qualquer telespectador médio.

Não adianta a alegação de que o diretor pretendia realizar um filme despretensioso, com uma anti-estética, e, por isso, liberar todas as suas projeções juvenis, como as previsíveis sugestões ao lesbianismo. É um filme de zumbis, próximo A volta dos mortos vivos (1985), que, por sua vez, é uma releitura limitada dos clássicos do gênero.

Em termos de fotografia, o filme também simula uma precariedade da película, o que, obviamente, é outro artifício. Na verdade é de se questionar qual o interesse cinematográfico em realizar produções dispendiosas para mimetizar o trabalho de diretores, independentes ou não, que com poucos recursos fazem o melhor que pode. É como se fosse uma festa à fantasia, na qual todos os ricos fossem fantasiados de mendigos.

Divertido? Sim. Limitado? Com certeza. Isto é, desde que você não tenha mais 16 anos, o que não parece ser o caso de Quentin Tarantino e seu fiel escudeiro Robert Rodriguez.

Cotação: Regular

O Rei e Eu

O Rei e Eu (The King and I), 1956. EUA. De Walter Lang

Muito já foi dito sobre a representação da Ásia e da África colonial no cinema ocidental. Esses filmes, comprometidos ideologicamente com a política imperialista, justificaram e legitimaram o domínio dos países europeus sobre suas colônias.

Filme que faz parte dessa galeria é o clássico O Rei e Eu, produzido no ano de 1956. A história é sobre uma professora inglesa, Anna Leonowen, que em meados de 1860 é contratada pelo rei de Sião para ensinar seus filhos.

Os primeiros planos do filme nos ajudam a dimensionar o exotismo de Sião, pessoas com trajes exóticos, elefantes trafegando pelas ruas e monumentais palácios. Depois, a partir do olhar de Anna, conheceremos o rei, suas esposas e seus filhos (este um dos momentos famosos da história do cinema).

O filme é estruturado na relação entre a professora (representação da cultura e domínio ocidental) e o rei de Sião (representação do exotismo e atraso do oriente). Na verdade, o rei é sagaz e inteligente, embora seja desprovido do saber europeu. Caprichoso e orgulhoso como “devem ser” os soberanos do oriente ele recorre à professora para tornar seu país “mais científico”.

O clímax do filme está ligado exatamente ao desejo e necessidade do rei em mostrar a Inglaterra que seu país havia se tornado científico. A rainha Vitória, informada de que Sião era um país bárbaro decide enviar uma comitiva para averiguar essas informações, caso as denúncias fossem confirmadas seria instalado no país um protetorado militar.

Para evitar a intervenção inglesa, Sião deve se mostrar suficientemente civilizada e para isso o rei necessitará da ajuda de Anna. Uma recepção é preparada para receber a comitiva inglesa, enquanto as esposas do rei aprendem a usar talheres e vestidos do Ocidente. Percebemos que a Inglaterra coube o direito de decidir quais são os povos bárbaros e civilizados, tendo como padrão de referência sua própria cultura.

Embora a mensagem seja eurocêntrica, o filme acaba, por um momento, se traindo. Anna convence o rei a ofertar um espetáculo durante o banquete, uma peça teatral para impressionar os ingleses. A idéia de Anne é apresentar a adaptação do livro A cabana de pai Tomás feita por Tuptim, a mais recente das esposas do rei – que é inconformada com sua situação de concubina.

Esse é o melhor momento do filme que, involuntariamente, desmonta todo o discurso colonial. A história encenada pela jovem esposa, não se passa no sul dos Estados Unidos, mas sim em Sião. Tuptim usou a obra de uma escritora norte americana para declamar a sua própria condição de escrava.

Cai por terra todo o discurso da necessidade de se civilizar, pois, no próprio ocidente – a suposta civilização – existia a barbárie, os Estados Unidos estava no auge da Guerra Civil. Um violento conflito para tentar por fim a escravidão.

Tuptim aproveitando das festividades foge para encontrar com seu verdadeiro amor, porém é capturada e colocada em presença do rei e de Anna. O rei incapaz de castigar sua concubina em presença de Anna – em presença dos olhos da civilização – cai em uma intensa depressão, adoecendo profundamente e confirmando os temores de seu primeiro ministro de que a professora o destruiria.

Anna rompe definitivamente com esse país, não suportando viver naquela barbárie. Porém, antes de sua partida, é informada de que o rei está morrendo o que a leva a retornar à presença do soberano.

Momentos antes de seu desfalecimento o rei passa o reino ao seu jovem filho, este possui a mesma impetuosidade paterna. Enquanto o príncipe faz seu primeiro pronunciamento ao pequeno grupo que rodeia seu pai moribundo, este confirma a continuidade do magistério de Anna.

O embate do rei com a civilização foi doloroso e esgotou toda sua energia. Ele deve morrer para que seus sucessores, uma geração revitalizada, distante das bárbaras tradições, se aproximem mais da Inglaterra.

Novamente o projeto colonizador se afirma, a civilização vence a barbárie, o preço é a morte do rei, isto é, dos antigos dirigentes que serão sucedidos por uma nova geração mais ocidentalizada. Anna continuará professora do jovem soberano, exercendo sua influencia sobre ele, mantendo a ocidentalização.

Rei morto, rei posto. Enquanto um falece o outro é coroado, repudiando a barbárie, mas não a submissão à Inglaterra. Ansioso pela ocidentalização, o jovem príncipe se diz rei em presença de sua professora, uma inglesa. Mais um país oriental que passa a ser tutelado pela Inglaterra.

Enfim a civilização...

Cotação: Bom

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

1408

1408 (1408), 2007. EUA. De Mikael Hafström.

1408 = 1+4+0+8 = 13

Um filme feito a partir de um livro de Stephen King é um filme feito a partir de um livro de Stephen King. Se considerarmos essa premissa válida, podemos seguir em frente.

Na maior parte do tempo é um filme mediano, o que se deve mais ao roteiro, bem didático, do que ao enredo abordado. Temos um caçador de fantasmas, chamado Mike Enslin (interpretado por John Cusack) que, devido a problemas não resolvidos no passado, decidiu-se tornar um pesquisador (sic) de evidências sobrenaturais.

Geralmente ele se hospeda em lugares com fama de mal assombrados, na tentativa de estabelecer contatos com ecos de outro mundo. Mike Enslin recebe um estranho convite para se hospedar no quarto 1408 do Hotel Dolphin, mas o gerente (Samuel L. Jackson) tenta dissuadi-lo desse intento. Tal quarto tem um longo histórico, com o falecimento (por mortes naturais ou não) de vários hóspedes. Cético e arrogante, o personagem de Cusack decide arriscar, para finalmente ser confrontado por eventos contrastantes a sua racionalidade.

Não vou buscar furos e incongruências nessa história (quem era a estranha mulher com o sinistro carrinho de bebê? quem souber favor me responder), afinal, Stephen King é S. King, já devíamos estar acostumados. Mas, para os apreciadores do gênero de terror/horror, essa produção não decepciona, até porque realmente ela é bem feita. Logo na introdução já entendemos que tipo de pessoa é Mike Enslin, em seguida vemos o rápido (porém importantíssimo) embate entre ele e o gerente do Dolphin. Tudo feito de forma eficiente, sem excessos e picaretagens.

A própria maneira como o diretor constrói a cidade de Nova York é eficiente, trazendo a tona o lado sinistro da metrópole, com suas luzes desfocadas e a impessoalidade dos arranha-céus.

A ascensão do horror no quarto se dá de forma gradual, partindo, a princípio, de pequenos indícios (aparentes coincidências) para progressivamente ganhar forma, com a inconteste presença do sobrenatural. Sabe-se que o quarto é maléfico, mas não há um conteúdo específico relacionado a ele, isto é, sua natureza não é necessariamente fantasmagórica. Trata-se de um espaço anômalo, capaz de exercer uma pressão sobre seus hóspedes, ao diluir as fronteiras entre o real e a alucinação.

E é justamente nesse ponto que eu quero me reter. A maneira que o horror emerge no filme é a justaposição entre a percepção real e o delírio, pois, gradualmente, para o personagem e o próprio expectador, torna-se impossível distinguir a realidade do desvairo. Algo que também pode ser percebido em outros filmes roteirizados a partir das histórias de S. King. Mas que aqui é radicalizado a ponto de confundir definitivamente o espectador.

O desfecho sem dúvida é sem-vergonha e eclipsa os poucos méritos do filme. Uma vez no quarto 1408 torna-se impossível manter a consciência, a mente se abre, introduzindo as lembranças, os receios e as fraquezas – mas permanece a dúvida sobre qual dessas visões estão intricadas no universo real e concreto. Ao quebrar definitivamente a distinção entre a percepção factual e a alucinação, tudo se torna válido, ficando fácil demais confundir o público. Torna-se possível, inclusive, brincar com o tempo e o espaço, jogando o personagem em acontecimentos que nunca ocorreram e os dotando de uma coerência desnecessária.

Enfim, é um logro, ainda que bem apresentado. Na suposta abordagem investigativa, vemos um esquema desgastado do gênero de terror. Por detrás do 1408 se esconde o previsível 13. Bu! Um susto atrás do outro. Bem concatenados, suspense na dose certa. Mas só.

Recepção, fecha a conta. Estou partindo.

Cotação: Fraco

Hairspray (notas gerais)

Hairspray – em busca da fama (Hairspray), 2007. EUA. De Andan Shankman

Hairspray – em busca da fama pode ser resumido como um filme politicamente correto, ainda que salpicado por um humor um pouco mais ácido. Originalmente um musical da Broadway, cujo título era certamente um trocadilho com Hair, outra famosa produção.

Michelle Pfeiffer roubou a cena, interpretando uma mulher egoísta, convencida e preconceituosa, se valendo de todos os recursos para garantir a vitória de sua filha em um concurso de danças exibido por um programa de televisão direcionado para adolescentes.

A estreante Nikki Blonsky fez uma boa apresentação, ao encenar Tracy Turnblad, uma garota obesa apaixonada pela dança e pelo galã da escola. John Travolta faz o papel da mãe de Tracy, boa atuação, mas sem maiores destaques (e também oportunidades para se destacar).

O filme se alonga demais em algumas questões, acabando por se tornar tedioso e obscurecendo seus poucos momentos de humor. A questão dos problemas étnicos, ainda que atual, é abordada de uma forma um tanto descontextualizada. As trilhas musicais, de um modo geral, são divertidas.

Uma boa opção para sessão da tarde e nada mais...

Cotação: Fraco

sábado, 17 de novembro de 2007

A loja mágica de brinquedos

A loja mágica de brinquedos (Mr. Magorium’s Wonder Emporium ), 2007. E.U.A. De Zach helm

Assistir um filme como este nos impõem vários desafios. A começar pelo problema das dublagens, pois, supõe-se, que nossas crianças não sabem ler. O primeiro filme com legendas que assisti foi Lua-de-mel assombrada (com Gene Wilder, lembram?) e eu só tinha sete anos. Claro, eu não era prodígio nenhum, a indústria cultural é que não havia desenvolvido essas novas táticas de massificação.

Eu aprecio muito os filmes (e a (boa) literatura) direcionada para o público infanto-juvenil, pois é importante fornecê-los experiências estéticas válidas e compatíveis com seus níveis cognitivos. Porém, as crianças estão mais preocupadas com a pipoca, comendo porções cada vez maiores (regadas a coca-cola) e não raro engasgando. É difícil se concentrar no filme, pois, além da dublagem há o problema dos mastigados dos garotos. Contudo, o silêncio dura enquanto durar a pipoca, terminado o consumo, eles começam a se remexer nos bancos, a conversar com as mães, a andar pelos corredores. Enfim, é um inferno. Deveriam fazer um balde de pipoca que durasse durante toda a projeção. Um pote gigantesco, no qual as crianças cairiam e se afogariam.

Mas, em parte, a culpa também é do filme, que não consegue desenvolver um bom diálogo com seu público alvo. Não que Natalie Portman não tente, já que sua atuação é completamente infantilizada (e não é a personagem, mas a atuação da atriz). Até confesso que ela está uma gracinha, mesmo num papel tão limitado. Porém, há algumas cenas constrangedoras, na qual a bonitinha Molly Mahoney (sacaram as sutilezas do nome?) demonstra uma dificuldade de escapar do mundo infantil e se integrar ao universo dos adultos. Um erro em que nem o próprio Magorium (Dustin Hoffman), o mágico criador da loja, resvala, já que, apesar de sua excentricidade ele parece ter uma percepção bem definida dos elementos da vida. Suas frases, ainda que piegas, denunciam uma sincera interpretação da realidade, abordando questões complexas, como a morte, por exemplo.

Uma das principais deficiências do filme é que a questão da mágica tem um papel diminuto, optando por enfatizar os dilemas e as dificuldades dos personagens. Questões desinteressantes como o garoto que não conseguia fazer amigos, o contador incapaz de usar a imaginação e as dificuldades de Mahoney em “encontrar seu caminho” é que dão o tom da história. O próprio cenário da loja, com seus brinquedos sui generis, raramente desperta o espanto e a admiração do expectador, acostumados a composições mais grandiosas, a exemplo da franquia Harry Potter.

O mais destacável é a sinceridade do roteiro, não extrapolando seus objetivos ao abordar a dicotomia loja mágica-mundo real de forma convincente. Só vêem o maravilhoso aqueles que querem, o resto, os adultos, desapercebem as coisas ao redor. Nas cenas em que Mahoney e Magorium dançam na rua ou pulam nos colchões de uma loja de estofados, vemos o desinteresses dos demais, que andam eretos e rápidos, incapazes de se integrar àquele universo mágico.

A trama se encerra didaticamente, cada personagem aprende uma lição, o que não equivale, necessariamente, ao crescimento. O desfecho também é limitado, não gerando um deslumbramento final no público.

Aliás, um público difícil. Que fala demais, que come demais, que conversa demais. Poucos conseguem se integrar plenamente na dinâmica mágica do enredo. Ainda há que se discutir a necessidade de um cinema próprio para as crianças, a sala escura talvez não seja a melhor estratégia. Nesse sentido, não é que as crianças são travessas e nem que o filme falhe completamente. É muito mais o mal humor do crítico perante o risco de massificação do público jovem. Os meninos até querem o cinema, porém é crucial que as narrativas fílmicas, o espaço físico da exibição e o posicionamento dos pais ensinem – sem ser pedagógicos – as formas mais proveitosas de interagir com a sétima arte.

Porque correr no cinema e se engasgar com a pipoca não dá. Simplesmente não dá.

Cotação: Fraco

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Extermínio 2

Extermínio 2 (28 weeks later), 2007. Inglaterra. De Juan Carlos Fresnadillo


Da ordem ao caos, do caos a ordem e, da ordem, novamente ao caos.

A frase acima ilustra muito bem o sentido de Extermínio 2, uma excelente continuação do trabalho inicial de Danny Boyle. Nesse filme são abordadas as tentativas da reconstrução de Londres, 28 semanas após o incidente inicial da propagação do vírus.

O exército americano invadiu a Inglaterra, cabendo a si a responsabilidade de reconstrução. Os nossos bons ianques dão como certo a extirpação da doença e a eliminação dos infectados. Portanto são criadas zonas de segurança para o retorno dos refugiados.

Infelizmente, para os sobreviventes ingleses, os americanos são uma péssima tropa de ocupação (vide Vietnã, Afeganistão e Iraque). Como metáfora sócio-política, o filme alcançou seus objetivos, ao mostrar a inépcia dos americanos em administrarem uma zona pós-guera e como seu descuido e truculência atingiram resultados inversos aos esperados.

Quando a reinfestação começa, vemos a disposição do exército em eliminar todos, os infectados e os sãos (em uma atitude que seria congratulada pelo secretário de segurança do Rio...). Mas, é importante frisar que o filme não é maniqueísta, os americanos são bem intencionados, mas, ao se deparem com o caos, o desespero é inevitável.

Inclusive, é curioso pensarmos que neste filme temos uma novidade: o deflagrar de uma nova onda de contaminações era uma possibilidade prevista, daí a existência do esquema de segurança “Código Vermelho” – nos filmes tradicionais, a irrupção dos zumbis era uma imprevisibilidade, dificultando a organização de sistemas defensivos. Caberia entendermos como militares com armas e em prontidão puderam ser derrotados, mesmo com um planejamento prévio. O que temos é uma representação da falência do estado e de sua incapacidade para gerir o conflito civil.

Extermínio 2: uma continuação ou um recomeço?

De fato eu não esperava que a segunda versão tivessem muitas relações com o trabalho original, sobretudo ao saber que os atores e o diretor seriam trocados. Eu já estava esperando a carnificina sem sentido, ao ritmo de Resident Evil. Mas há uma unidade muito grande entre esses dois filmes: os planos gerais da cidade (revelando a desolação ou o recomeço), a fotografia azulada e melancólica (lembrando uma triste manhã de inverno) e o enfoque no desespero dos personagens. Além disso, como um eixo transversal, nos dois casos, teríamos uma trilha sonora similar, alucinada, mas não frenética.

Há algumas falhas no roteiro, entretanto, no próprio Extermínio 1 (28 days later), também existiam problemas, sobretudo na segunda metade, a ponto de alguns falarem em cada metade ser um filme diferente. Já na continuação, a coesão entre os capítulos é bem maior, ainda que o clímax deixe a desejar, resultando em um desfecho abrupto, que quase trai a premissa original. O confronto final, se é que podemos usar esse termo, não é marcado pela proliferação dos “zumbis”, mas sim por um único infectado que é a peça chave da trama.

Personagens: vítimas do caos

Além da crítica a ineficácia militar, a reflexão mais evidente se relaciona a sacralidade da família: ela é uma instância capaz de resistir às pressões da barbárie? Mais de uma leitura pode ser detectada. O enredo se desenvolve justamente a partir de uma cena em que um marido não hesita em abandonar sua esposa a horda de canibais. Arrependido e torturado por sua fraqueza, mais completamente ciente de que no momento do caos e horror a auto-preservação prevalece. Sua consciência é outra peça chave para o desenvolvimento do argumento central.

A principal falha de 28 weeks later reside na quantidade de personagens que dividem os atos. Inicialmente, é difícil sabermos quais serão os eleitos para a sobrevivência e só no meio da narrativa entendemos qual é a escolha feita. Chega a ser decepcionante vermos personagens mais interessantes serem abandonados em proveito de dois adolescentes. Talvez a última tentativa de defender a possibilidade de uma inocência e regeneração.

A globalização do desespero

O final de Extermínio 2 é o encontro com o prólogo de Madrugada dos Mortos. O que é uma pena, pois a singularidade desse trabalho era justamente enfocar na univocidade da experiência inglesa. A possibilidade do vírus sair da ilha, abre um novo caminho a ser explorado, derrubando as certezas de um porto seguro para a civilização. Mas é esperar para ver, por hora, cabe refletir porque as temáticas dos zumbi retornaram com força no cinema hegemônico e mesmo em produções semi-independentes.

Interesse pela crítica social? Ou simplesmente um sentimento de desolação e abandono causado pelas perversidades da globalização?

Cotação: Bom

Velozes e furiosos 2

Velozes e furiosos – desafio em Tókio (The Fast and the Furious: Tokyo Drift), 2006. EUA. De Justin Lin

Quando entrei na sala do cinema senti cheiro de pipoca, ouvi o barulho das latas de refrigerantes sendo abertas. A maior parte do público era casais de namorados; havia também grupinhos de amigos. Só eu não fazia parte daquele cenário. Procurei o assento mais distanciado e me preparei para as tolices de sempre.

Me surpreendi. Era bem pior do que eu pensava. Banal e ultrajante.

Uma moça propõe a dois competidores que o vencedor ficaria com ela; se coisificando de tão bom grado... Durante o racha: batidas, destruições e acidentes, mas parece que ninguém está preocupado com as conseqüências. Sean Boswell, o mocinho do filme – um jovem com menos de 18 anos –, ao capotar seu carro, sorri.

É esse o espírito do filme: inconseqüência perante tudo.

A própria narrativa é inconseqüente, pois em poucos minutos o garoto problema já está no Japão, estudando em uma escola japonesa, mesmo sem saber falar o idioma local. O garoto saiu dos E.U para evitar problemas, para isso foi morar com seu pai. Este pede que ele fique longe de carros e confusões. Na cena em seguida Sean Boswell já está atrás de um volante, flertando a namorada do bad boy local.

Corre-se. Assim é o filme, uma correria sem fim, carros e mulhres-objetos sendo exibidos. Uma musica dançante ao fundo e frases de efeito que não deveriam ser expressas nem nos para-choque dos caminhões.

Pasmem: o filme é anti-americano. Não há família no filme, apenas genitores relapsos, que não sabem cuidar dos seus rebentos. Não há comunidade, não há país, não há nada. Os carros correm, e isso é tudo. Nem o clássico conflito entre bem e mal está presente. Pois todas as personagens fazem parte do mesmo mundinho ridículo, você pode torcer pelo mocinho, mas sua causa não é melhor que a do “vilão”.

O desconforto que o filme me causou só não foi maior do que meu desprezo pelo público do cinema. Mastigava-se pipoca, dava-se beijos, urros, gritinhos, aplausos e comentários ridículos. Parecia que o filme só incomodava a mim.

Carros correm pelas ruas da cidade, passando por automóveis de motoristas “normais”, os carros batem, as vezes explodem, e as pessoas aplaudem. É inconseqüente, é anti-iluminista. A preocupação com o humano foi perdida, a relação de causa-efeito esquecida. O que importa é aprender a dar a manobra drift, o que vale a pena é faturar a garota.

No cinema, o público delira. Comenta-se a beleza dos carros, elogia o desempenho das manobras. Só eles não perceberam que é um racha. Só eles não perceberam que o filme é um elogio ao banal, (corre-se para ver quem é o melhor).

Quando o filme acaba, os casais se levantam abraçados, os rapazes comentam os carros. As moças arrumam o cabelo. O grupo de amigos brincam entre si, satisfeitos com o entretenimento. As latas de refrigerante estão vazias, assim como o saco de pipocas.

Eu continuo sentado, insatisfeito, perplexo. Filme e público me cansaram, levanto desanimado e vou para o ponto de ônibus. Final do espetáculo e eu estou infeliz:

... quero meu dinheiro de volta.

Cotação: Péssimo

Amantes constantes

Amantes constantes (Les Amants réguliers), 2004. França. De Philippe Garrel.

O cinema francês costuma ser ingrato com seu público, obrigando-o a acompanhar uma narrativa lenta e introspectiva, capaz de cansar até o espectador mais experimentado. Entretanto se essa dificuldade for transposta, muitas vezes temos a oportunidade de depararmo-nos com excelentes filmes.

Esse é o caso de Amantes Constantes, que consegue mostrar-se como um filme maduro e consistente. A autoconfiança do diretor é clara, pois ele faz um preâmbulo de uma hora, praticamente uma outra história dentro do enredo principal – mas de maneira alguma isolada.

Em um primeiro momento vemos o confronto entre estudantes parisienses e as forças policiais nas barricadas de 1968 – as esperanças, o medo e as expectativas com essa mobilização dos jovens e dos proletários. Em seguida (a maior parte do filme) acompanhamos o desfecho e o significado dessa experiência para os seus participantes.

Os protagonistas tiveram uma vivência fascinante durante as manifestações, contudo, ao serem política e taticamente derrotados, acabaram se voltando para uma atitude auto-contemplativa, sem força para criar novas estratégias de confrontação. Essa apatia dos personagens é bem expressa no vício pelo ópio, naquelas reuniões silenciosas, nas quais não há mais nada para ser discutido.

Essa ausência da ação política é refletida na própria fluidez do filme. A narrativa é arrastada, ela não se encaminha de evento a evento, é mais uma descrição: dos percursos pela cidade, dos encontros, dos amores. Só mais ao final “pescamos” a trama que orienta o filme. Dá até para ver um pouco de Godard em Amantes constantes, nos momentos em que os atores fixam diretamente a câmera e desafiam a verossimilhança cinematográfica, chegando ao ponto de citar Bertolucci...

Um cinema introspectivo, que para a câmera no rosto do personagem e deixa o tempo correr, cabendo ao expectador encontrar um sentido naquela expressão. O que fazer depois que o sonho da revolução não logrou? Como por o proletariado no poder se ele não quer estar lá? Talvez sejam essas as perguntas colocadas em rostos jovens mais distantes

Enquanto os operários retornam às fábricas, os jovens devem encontrar uma nova razão de ser. Esvaído o sonho revolucionário só cabe voltar para si mesmo, encontrando nos amores ou nas drogas uma sensação próxima ao que sentiram naquela estação de flores e contestação. Os personagens principais, um casal de amantes, são também um resultado da experiência de 1968. É através desse relacionamento que vislumbramos com maior clareza o que ficou e o que foi perdido dessa transformação política e cultural.

Trata-se de um filme denso, seus 171 minutos de duração, combinado com uma contrastante fotografia preto e branco certamente é um convite a manter as salas de projeção esvaziadas. Com uma temática que provavelmente interessará somente aos espectadores mais intelectualizados (e olha lá) Amantes constantes é um filme bem destoante do que estamos acostumados a ver nos cinemas – mesmo naqueles circuitos menos comerciais.

Um belo e forte filme, mas, quem é que vai vê-lo? Quem?

Cotação: Ótimo

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Editorial - fim do Cine Brasil

Muito além dos neo-pentecostais.

Na década de 1990, Belo Horizonte foi arrastada para o círculo de especulação imobiliária. No afã de se produzir milhões, picaretas foram encomendadas para por edifícios ao chão ou, ao menos, reestruturá-los completamente.

Vítima preferencial dessa horda comandada por engravatados foram os antigos cinemas da capital belorizontina. Eminentemente populares, eles representavam o acesso da população as salas de exibição, pagando um preço diminuto. Inseridos no coração das metrópoles, eram uma fonte de entretenimento bem localizada e inclusora, tratava-se da diversão para as massas, no melhor sentido da palavra.

Pois bem, tais espaços foram arrasados, fossem para ser convertidos a templos dos neo-pentecostais ou a shoppings-centers, os templos da classe média. Houve, na época, quem protestasse, mas o fizeram com tanta cautela que não foram ouvidos suficientemente.

O cinema ficou aos encargos dos shoppings, que perverteram sua idéia original. As salas foram reduzidas, os preços dos ingressos aumentaram (o da pipoca então, nem se fale), criou-se toda uma estrutura de consumismo, para prender o incauto público. Dos estacionamentos subterrâneos às salas de exibição (com baldão de pipoca a 10 reais), do cinema à praça de alimentação e, dali, para as lojas, para, finalmente, retornar ao subterrâneo, retirar o carro, e voltar para o sweet home, sem observar a cidade, o mundo ao redor – suas pobrezas e suas grandezas. Enfim, o cinema caiu numinvólucro asséptico.

Claro que houve alguns cinemas que, para o bem ou para o mal, resistiram, entretanto se tornaram demasiadamente elegantes, nostálgicos e auto-centrados. Porém, bem ao centro de B.H, um grande edifício se tornou remanescente, escapando dos neo-pentecostais e dos neo-consumistaa. O Cine Brasil permaneceu, ao menos, como um esqueleto, uma ruína do que um dia foi o cinema na capital mineira. Essa estrutura era coerente com a atual fisiognomia da metrópole, uma perfeita representação do nosso abandono.

Mas eis que a camarilha de Pimental percebem o potencial político de tal edificação e, como já haviam feito com outros espaços públicos, decidiram capitalizar essa construção em proveito próprio.

Ratos. Bando de ratos.

Não satisfeitos com essa calhordagem, entregaram esse patrimônio coletivo a gestão privada de um cartel multinacional de siderúrgicas, as empresas Vallourec e Mannesmann, formando a V&M.

Resultado, o antigo Cine Brasil será transformado na V&M Brasil. Entenderam a sutileza do nome? Sacaram o deboche? Viram como eles estão rindo de nós? De fato, é engraçado, o que era público agora é a V&M.

Estou equivocado, dirão alguns. A V&M somente está a patrocinar esse projeto cultural, que difundirá a cultura para todos, o bom gosto, os altos padrões estéticos. Balela. É outro espaço de B.H que se aristocratiza, pois sabemos que a população, de um modo geral, não freqüenta esses espaços culturais “requintados”, vide o caso do Humberto Mauro.

São sempre as mesmas gentinhas, a classe média e os estudantes de ciências humanas que fazem daquela localidade um ponto de encontro para o happy hour. O povão, raramente adentra nesses espaços, e quanto isso ocorre são tratados com uma condescendência horrorosa. Caridade, isso é o que as elites julgam fazer.

Por mim, que ponham fogo no Cine Brasil, pois esse fim é mais glorioso ao futuro que o espera: o cinema do povão vai virar casa de culturinha para os maconheiros da Savassi. Isso é difícil de engolir.

Quem viabilizou esse assassinato foram os intelecutalóides de Pimentel e quem o perpetrará será uma siderúrgica, que se preocupa com o ambiente e a cultural. Claro, alguns verão incoerência em um conglomerado industrial e empresaria que vilipendia o meio ambiente e explora a força de trabalho nacional e, ao mesmo tempo, afirma seu interesse com a natureza e a arte.

De fato, se almejasse uma obra para o público, o caminho seria outro, bem diferente, jamais passando pela concepção da V&M Brasil. Mas estamos falando de auto-promoção. É a globalização: a corja belorizontina e a corja gringa sentadas na mesma mesa, se deleitando com a ingenuidade dos parvos e com o cinismo da realpolitik contemporânea.

sábado, 3 de novembro de 2007

E Deus disse a Caim

E Deus disse a Caim (E Dio disse a Caino), 1969. Itália. De Anthony Dawnson (Antonio Margheriti)

Dá trabalho redigir esses textos. Além disso, não é nem um pouco gratificante, pois ninguém ler. Sempre estou às vias de desistir desse blog. Mas felizmente ou infelizmente sempre surge um filme que me faz escrever mais uma crítica.

Gary Hamilton (interpretado por Klaus Kinski) é um homem que foi injustamente acusado, depois de 10 anos de prisão ele volta querendo vingança. É dentro dessa premissa clássica (para não dizer batida) que o roteiro se desenvolve. O filme tem uma direção competente, com movimentos de câmeras típicos do western italiano do período.

Quando o protagonista visualiza seus inimigos, a câmera faz um zoom e para no seu olhar, fixo, inexpressivo e cheio de ódio – sim, as fontes de Tarantino passam por aqui. A propósito, a câmera se movimenta muito bem, fazendo interessantes trajetórias, indo do plano geral, o cenário, para um primeiríssimo plano, centrado no rosto dos personagens.

Via de regra, eu não gosto de filmes do gênero: a cenografia repetitiva, os argumentos eternamente reciclados, a péssima maquiagem, o excesso de luz me desmotivam. Além disso, a estrutura básica – diplomacia a base de chumbo – nunca me convenceu completamente. Mas que existem inúmeros bons exemplares, isso há!

E Deus disse a Caim é um exemplo. A história é levemente inspirada em O conde de Monte Cristo, tanto que há uma referência explícita a um dos livros de Alexandre Dumas. Por mais que a estrutura seja previsível –, dezenas de homem tentam capturar o vingador esquivo – ela funciona. Gary Hamilton é um justiceiro implacável, ele não esboça felicidade ou tristeza, mas só a determinação de eliminar eu algoz. O aparecimento desse justiceiro coincide com a chegada de um tornado à cidade, o que amplia a sensação de caos no povoado.

Embora seja um western, suas tramas paralelas são melodramáticas, com revelações de segredos, prantos e até os tão esperados incêndios. É interessante que os vilões, talvez com exceção do líder do grupo, são muito humanos, eles se preocupam com seus comparsas, resgatam seus corpos e choram sobre eles.

Outro dado a ser destacado no filme é a cenografia, influenciada pela direção de arte européia, que pode ser percebido no cômodo espelhado (bem afrancesado) ou nos quadros dependurados (também muito europeus). Já o penteado de Marcella Michelangeli, que interpreta a mulher que traiu Hamilton, denúncia que é um filme dos anos sessenta.

Produzido em techinocolor para ser exibido em cinemoscope, o filme apresenta uma fotografia e composição interessantes quando são mostrados os espaços abertos e desertos, principalmente no início da projeção, quando é cantada uma canção de escravos americanos falando de liberdade.

Em suma, trata-se de um bom filme, nesse caso o melodrama e o western deram um feliz resultado. Nos dez primeiros minutos do filmes você já é capaz de decupá-lo de antemão, dado sua previsibilidade. No entanto, a direção competente, que sabe trabalhar bem as nuances, acaba conferindo uma densidade ao filme, ainda meio que involuntária.

E o blog continua.

Cotação: Bom

Superbad

Superbad - é hoje (Superbad), 2007. EUA. De Greg Motolla

Embora seja um filme sobre adolescentes e para adolescente, Superbad se revela uma produção interessante e inteligente, ainda que comprometido por algumas falhas imperdoáveis.

O ponto de partida é conhecido, dois jovens estão se formando na high-school e, antes de entrar na faculdade, querem ter a primeira relação sexual. Como é de praxe, os dois não são populares, são meio esquisitos e pouco atraentes – mas nem por isso se assemelham aos personagens “nerds” ou “losers”, também comum nesse tipo de filme.

O que ocorre é que eles são garotos, quase rapazes, mas ainda distantes de uma identidade adulta. O cômico no filme é justamente a interação entre o tímido Evan e o ativo, inusitado e egoísta Seth (que é quase uma encarnação do personagem Cartman do South Park). Para além desses dois, há outro jovem que, por vezes, rouba a sena, Fogell (mas conhecido como Fogay...). Este sim, um nerd de primeira linha, que acaba ganhando amizade de dois policiais que são mais irresponsáveis, e divertidos, do que toda a galerinha de seven-teen e six-teen years.

O filme mostra, de forma bem apropriada, como os adolescentes interpretam a vida adulta, considerando como se ela se restringisse somente a possibilidade do sexo e a liberdade de comprar a bebida onde bem entender.

O plano de Seth é simples, embriagar-se com sua amiga e tentar converter sua primeira transa. Sua objetividade só é contrariada pela inépcia de seus amigos e, claro, pela dificuldade de conseguir a bebida, que ele havia prometido a todos.

Contudo, os tempos de Porks e O Último americano virgem se foram. De modo que, no decorrer da história, vai se evidenciando os valores da virgindade, do amor, da necessidade de se conhecer melhor seu parceiro e de todo aquele chauvinismo contemporâneo.

Felizmente, o desfecho é melancólico, conseguindo capturar, como poucos filmes desse gênero foram capazes, a fugacidade desse momento de crescimento. Os rapazes percebem que suas amizades se desfarão, pois um rabo de saia é um rabo de saia. Contido e quase auto-reflexivo, Superbad é cinema para adolescentes, divertido e descontraído, mas sem resvalar nas escatologias.

Cotação: Regular

domingo, 21 de outubro de 2007

Fido - o mascote

Fido – o mascote (Fido), 2006. Canadá. De Andrew Currie.

Enquanto os intelectuosos ficam a discutir se Tropa de Elite é a reinvenção do fascismo ou a profissionalização das baboseiras nacionais, o verdadeiro cinema passa despercebido pelas salas de exibição do circuito belorizontino.

Entretanto, cabe acrescentar, que para chegar ao cinema – que fica no Buritis, a favela rica de B.H – tive que pegar um ônibus, metrô, outro ônibus, e para voltar foram necessários um táxi, metrô e finalmente um último ônibus. E olha que o filme terminou às nove horas... Ou seja, o verdadeiro e pululante cinema está escondido nas medíocres salas dos bairros classe média.

Mas, não nos alonguemos nessas divagações. Porque eu assisti Fido, e tudo está bem.

O filme é ambientado nos anos cinqüenta, abordando o American Way of Life: waffles no café da manhã, família nuclear reduzida, mamãe com um inocente vestidinho (pero, muy sexy), papai que chega cansado do trabalho e... zumbis.

Essa produção, praticamente desconhecida, aborda uma temática pouco usual, o Dark American Way of life, com um enfoque que, senão brilhante, ao menos é muito eficiente.

O filme parte de premissas conhecidas sobre o gênero dos zumbis. As referências mais evidentes são aos trabalhos de George Romero, sobretudo O dia dos mortos (1985) e Terra dos Mortos (2005), outro título que também perfaz o diálogo é Shaun of the dead (2004), além, claro, de Plano nove do espaço sideral (1959).

Uma poeira cósmica (yes!) cobre a terra, animando os cadáveres, é quando ocorre a Zoombie War, que cronologicamente, eu presumo, estaria no lugar da Segunda Guerra Mundial. Nesse conflito entre vivos e quase vivos, os primeiros levam a melhor, conseguindo fortificar suas cidades e criar uma coleira que, quando colocadas nos zumbis, os domesticam. Entre as cidades fortificadas existiriam zonas livres, habitadas pelos mortos selvagens.

No interior das cidades, os zumbis se tornaram escravos, executando tarefas de jardineiros, entregadores de jornais, leiteiros, etc. Porém, quando as pessoas morrem (indendente da causa mortis), são reanimadas automaticamente como zumbis;já em outras situações os prisioneiros conseguem se libertar, ocasionando novo ciclo de mortes. É nesse momento que entra em ação a Zomcom, uma empresa voltada para a segurança contra os mortos vivos.

É dentro desse painel complexo e fascinante que conhecemos a família dos Robinsons, encabeçada por um pai que tem pavor de zumbis. Ele sofre uma dupla pressão, por viver no American Way of Life e também por está à mercê dos canibais. O personagem mais interessante do filme, seu olhar é angustiado, mal consegue saudar seu filho, pois ele não quer se apegar a ninguém, pois qualquer um pode se transformar em um zoombie. Seu maior divertimento é ir ao funeral, para ver as cabeças dos mortos serem enterradas. Tal personagem é obcecado pela morte, ele anseia deixar de existir definitivamente, seu maior receio é a morte em vida.

A esposa adaptou-se àquele desumano mundo, ela almeja os valores de uma sociedade consumista e exibicionista (ter muitos escravos é sinal de status), muito embora ressinta o fato do seu marido viver afastado, por temer tanto a vida quanto a morte. Essa senhora, uma excelente releitura de algumas heroínas da cinematografia clássica (vide suas frases inspiradas ao longo da projeção), comprou um zumbi (chamado de Fido) para lhe auxiliar nas tarefas do lar.

Não nos esqueçamos do protagonista, Timmy, o filho do casal. Um isolado, que, se não teme aos mortos vivos, também não aprecia o mundo em que vive. É esse jovem americano – abençoado por Deus – que irá travar amizades com Fido e colocar toda a cidade a beira do holocausto zoombie.

O filme desenvolve muito bem a premissa de uma sociedade sádica construída sobre a exploração dos mortos – que pode ser entendida como uma metáfora da opressão sobre os pobres, os trabalhadores, os imigrantes etc. Em um universo como esse, a morte recebe outro redimensionamento, há várias cenas em que pessoas são assassinadas, afetando muito pouco as sensibilidades dos personagens. Outro ponto de destaque é a insinuação do potencial necrófilo daqueles que optaram por controlar seus mortos – afetos para com os zumbis são menos incomuns do que se pensam.

A própria esposa dedicada, não deixa de trocar uns olhares (e que olhares) com o bom Fido – o zumbi quase bonzinho do filme. Uma relação quase adúltera, Beleza Americana, mas com defuntos...

Nos filmes clássicos de zumbis, o sentimento que impera é o do caos e do retorno a um estado de barbárie. Nessa produção, os humanos conseguem por ordem ao apocalipse, transformando os inimigos em, digamos, aparelhos celulares: dão problemas, mas, ainda sim, não ficamos sem eles. É o reflexo do cinismo atual, da crença de que as mega-corporações são indestrutíveis, suas mentiras são convertidas, por meio de manipulação de informações, em verdades.

O desfecho é um happy-end, se não nos importarmos com o individualismo em voga. Esse filme, tão modesto em suas intenções, é uma sutil alfinetada nessa vidinha da class media. E quando eu penso no Buritis, nos cinemas nos shoppings, nas linda famílias endinheiradas nas praças de alimentação, eu me convenço, cada vez mais, que há muita carne a disposição dos mortos vivos.

Fido, pega!

Cotação: Bom

Mares Violentos

Mares Violentos (The sea chase) 1955. EUA. De John Farrow

Através de um traveling vemos o navio cargueiro e seu capitão (John Wayne). No início do filme já é anunciado que ambos são um só. Força, resistência, coragem, homem e nave compartilham a mesma existência, o desfecho do filme, é uma conclusão coerente dessa premissa.

O enredo se centra na história do capitão alemão de um cargueiro chamado Ergenstrasse, ancorado em Sidney justamente no momento em que a Segunda Guerra foi declarada. Mesmo não sendo simpatizante do regime nazista, ele pretende conduzir seus homens e navio até à terra natal.

Como um exemplar do cinema clássico, o protagonista é um homem perfeito, sem qualquer falha moral. Suas ações são claras, ele sabe o que almeja e, para isso, traça um caminho legítimo até seu objetivo. Seus subordinados o respeitam e seus adversários o temem.

A marinha inglesa é sua antagonista, mas ela tem um motivo legítimo para persegui-lo, uma suposta chacina que ele cometeu em um porto para acolher náufragos. Inicia-se uma perseguição ao Ergenstrasse e, esse incidente isolado, acaba sendo motivo para propaganda de guerra tanto dos ingleses quanto dos alemães. Porém Capital Karl está pouco interessado na política – embora afirme seu não alinhamento com o regime nazista – sua pretensão é manter firme seus valores, mesmo que sejam incompatíveis em um mundo onde predomina a mentira e o ardil.

Ele é um herói clássico, incapaz de mentir ou se envolver em qualquer ação ambígua. Quando ele é confrontado, a câmera o mostra de perfil, para que possamos visualizar sua postura ereta perante seus oponentes. Quando ele discursa aos seus marinheiros, o vemos de frente, com rosto iluminado, pois ele é sincero e isso temos que perceber em suas próprias feições.

Talvez seu único erro seja ser alemão e ter que confrontar os ingleses, que também agem com justiça e destreza. Pois mesmo não sendo adepto dos nazistas, em momento algum pensa em trair seu país. A solução para esse impasse é resolvida de uma maneira bem hollywoodiana, heróica e trágica, mas nem por isso pessimista.

Estamos falando do cinema nos anos cinqüenta, a questão de fundo não é a política mas sim os valores. Nem Inglaterra e nem Alemanha ganham, a vitória cabe a um homem, que soube ser íntegro, mesmo em tempos de guerra, quando o próprio sentimento de humanidade é negligenciado.

Cinema clássico. A solução dos problemas não está no coletivo ou no público, pois é uma questão privada e íntima. Um herói fará a coisa certa, não importa sua origem ou a quem ele está submetido. Pois o que o herói aspira é a imortalidade, não da alma, mas de ter seus feitos relembrados por outros homens.

Navio e homem podem deixar de existir materialmente, mas a grandeza de seus feitos nunca será esquecida, pois sempre haverá homens de valor (os heróis de amanhã) dispostos a perpetuar essas lembranças.

Cotação: Regular

Seres Rastejantes

Seres Rastejantes (Slither), 2006. EUA. De James Gunn

Para assistir esse filme, em uma noite de domingo, tive que passar por vários percalços como enfrentar a parada gay de Contagem (com homossexuais e evangélicos se provocando), suportar um mega engarrafamento, aturar uma inoportuna garoinha de inverno e voltar em um ônibus cujo sinuoso percurso era quase um quadro de Kandinsky.

A pergunta é: valeu a pena?

Em parte sim, Seres Rastejantes escrito e dirigido por James Gunn é algo entre a ficção científica e o horror, no estilo de filmes como A coisa, A bolha assassina e Criaturas. O esquemão é o mesmo: algo vem do espaço e passa a se expandir; desta vez, trata-se de uma “lesma alienígena” que chega à terra e passa a dominar as mentes das pessoas, que viram zumbis telepaticamente conectados.

Não há muitas surpresas, tudo é previsível, em parte por isso mesmo a história é curta, 95 minutos. Uma opção interessante para quem quer reviver o “cinema B”.

Acho que James Gunn fez um trabalho satisfatório. Ele é conhecido como escritor de ficções científicas, autor de Os vendedores de felicidade, uma interessante história sobre uma sociedade condenada a ser feliz. Também é de sua autoria a adaptação do roteiro de Madrugada dos Mortos. Suas colaborações no cinema são freqüentes e, de um modo geral, adequadas.

Não sei se os “sustinhos” que tive compensaram minha Via Crucis para chegar ao cinema, mas de qualquer forma quando as luzes se ascenderam, saí com aquela agradável sensação de final feliz.

Escapismo? Por que não?

Cotação: Regular

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Stardust

Stardust – o enigma da estrela (Stardust), 2007. EUA/Inglaterra. Matthew Vaighn

Na melhor das hipóteses é uma péssima comédia romântica escondida em um clima de fantasia medieval.

Porém, a maneira apropriada de se referir a esse filme é como a mais constrangedora história na mais medíocre direção.

Como desancar um filme tão ruim como esse? Começamos dizendo que existe um muro em um povoado inglês cuja abertura dá passagem para um (oh!) outro mundo. Outro mundo? Outro mundo! Outro mundo com:

Reis? Sim.

Princesas? É claro.

Bruxas? Pois então.

Artefatos mágicos que devem ser encontrados? Óbvio.

Unicórnios? Evidente...

Donzelas a serem resgatadas? Yes, you can believe!

Jovem plebeu que descobre seu valor e se torna príncipe? Sim, sim, sim e sim!

Todos os estereótipos, os clichês, os plots convencionais, os motes batidos estão reunidos nessa produção pessimamente dirigida. Basta lembrar a tendência do diretor em fazer vários planos de poucos segundos, com cortes abruptos e recomeços desordenados de outras cenas. O único momento em que ele se alonga é na exibição dos planos gerais, ao apresentar os cenários criados pela computação gráfica. O verdadeiro cinema para espetáculo: e o pior é que o público embarca na picaretagem, batendo palminhas para o patético herói e dando suspiros românticos nos poucos momentos em que ele dá uns apertos na Claire Danes, vulgo miss canastrona. A propósito, houve um momento em que me confundi, achei que estava no cinema assistindo Titanic (só faltou a frase I’m the king of world).

É um filme abrangente, tem de tudo. Um pouco de humor negro, gags físicas (reparem o momento em que o herói, sob um fundo musical grandiloqüente, se atira sobre a carruagem em movimento, mas é arremessado para outra direção – rá rá rá, que engraçado), pitadinhas de lição de moral (algo do tipo: “seja você mesmo”) e a clássica dinâmica da screwball (um casal que briga o tempo todo, mas que no final descobrem que foram feitos um para o outro – que lindo!)

Nada convence, as tramas são desinteressantes e previsíveis, basta lembrarmos que a motivação inicial do herói era buscar uma estrela cadente para provar seu amor para sua (suposta) amada. Isso sem falar que há bruxas em procura pelo rejuvenescimento, ou um príncipe em sua tentativa de ser rei.

Temos na verdade um Filme B, escondido em uma produção de primeira linha. Bons tempos aqueles de Ed Wood, quando a incompetência era explicitada no amadorismo e na ausência de uma composição cinematográfica. Hoje, ocorre é que o cinema da mediocridade é o mais badalado, enredos e narrativas que deveriam ser exibidas somente para crianças com dificuldades de aprendizagem recebem um verniz todo especial, posto a disposição de um público que adora ser ultrajado.

Piratas voadores, bruxas sensuais ou decrépitas, beldades das mais variadas, heróis bobalhões que redescobrem seu valor, furos no roteiro (por que o pai de Tristan nunca voltou ao outro mundo? Por que ele não tentou resgatar seu “amor”?). Enfim, o cinema elevado à enésima mediocridade, é como se fosse um falatório que não diz nada.

Espetáculo: barulhos, imagens. Soltem fogos de artifícios que o povão, esses morto-vivos, gosta!

Me desculpem se pareço desconexo, mas só agora percebo o valor de Terra dos Mortos de George Romero. Compreendo. É muito fácil distrair os zumbis com sinais luminosos, pois, afinal de contas, eles já não têm mais cérebros.

Cotação: Péssimo

sábado, 6 de outubro de 2007

Bled Bumber One

Bled Number One (Back Home), 2006. Argélia. De Rabah Ameur-Zaïmeche

[Festival Indie 2007]

Eis um dos melhores filmes que eu já assisti.

Um filme constituído em cima de paradoxos e ambigüidades.

Ainda no começo do filme uma cena forte, que expulsou 10 por cento do público para fora da sala de exibição. Uma maneira direta de proclamar: “esse não é um filme ocidental”.

Kamel retornou da França. Chegando a Argélia, sua terra natal, ele percebe que lá não pode ser seu lar. Ele não consegue se adaptar, pois o Ocidente já o contaminou. Muito embora ele tente reconstruir sua identidade de mulçumano, a sua recusa àqueles valores é evidente.

É uma sociedade ambígua, presa entre o desejo de emancipação e as constantes reafirmações de uma moralidade mulçumana – na maior parte das vezes opressiva para com as mulheres.

Os homens querem o direito de ingerir bebidas alcoólicas e praticar jogos de azar, entretanto não aceitam que suas mulheres cantem em público ou se divorciem. Em alguns momentos pedem o relaxamento das Leis do Islão, mas em outra situações elas as reforçam.

Perdido nesse contraditório universo está Kamel, o duplo exilado. Ele nunca será francês, mas também não se transformará em um argeliano. Há uma certa obstinação em seu rosto, mas também um cansaço, uma resignação, uma aceitação perante as intransigências da vida.

O cenário em que a história se desenvolve é fabuloso. Uma paisagem terceiro-mundista, que não impressiona os já acostumados com as favelas brasileiras. Algo que os participantes do Festival Indie , representantes da classe média brasileira, não vão entender [vide o Editorial do mês].

O mais fascinante, no entanto, é a presença do “Ocidente” no filme. As referências são, às vezes, sutis, mas se fazem existentes. A música cantada em inglês e a canção de rock é uma ligação com todo um legado de modernização cultural vivenciado pelo mundo ocidental – que vai desde a laicização do Estado até a Revolução sexual e o feminismo.

O cineasta, sem muita piedade, revela facetas do mundo argelino, que transforma as mulheres contestadoras do Status Quo em loucas de sanatório, enquanto seus agressores ficam impunes.

Bled Number One é um filme para os argelianos, mas também para o ocidente. É um convite à reflexão, é um pedido de ajuda, é uma lufada de otimismo. Uma genuína expressão da ânsia de alguns, para que o mundo mulçumano vivencie a tão benéfica modernidade.

Cotação: Ótimo

Editorial: Indie - Festival de Cinema

Zoológico.

Casais gays hardcores, casais heteros metaleiros, punks, hippies, aspirantes a modelos, playboys, black-boys, japan-girls. Em suma, toda a galeria de alternativos de B.H reunidos em um mesmo lugar, unidos por um mesmo evento.

Claro, e entre eles eu. O sujeito normal, o servente de pedreiro, aquele que gasta uma hora e meia para chegar até o cinema.

A fila para a retirada dos ingressos é quilométrica e suas chances de não assistir a sessão não são pequenas. Até mesmo porque os fura-filas são a espécie mais abundante do local.

Indie: Mostra Mundial de Cinema. Não entendo. Festivais como esse, ao invés de popularizarem o cinema, afastam o público normal, que se sentem constrangidos em dividir o mesmo espaço com essa fauna belorizontina.

Passei horas na fila, ouvindo todo um rol e besteiras pseudo-intelectualóides e proto-pretensiosas. Era o rapaz que dizia ter assistido Bertoulucci na França e que a tradução em português seria incapaz de transmitir a “essência última” do diretor. Então que diabos ele fazia naquela fila? Roubando meu ingresso, com certeza.

Era a menina loira do cursinho pré-vestibular, preocupada em assistir filmes que falem da globalização, ou então o aprendiz de Martin Luther King reclamando a pouca presença de filmes sobre o gueto (observação: a jaqueta dele alimentaria uma família do “gueto” inteirinha...).

Eu também tenho um sonho! E nele esse povo é mudo.

Esse festival só é freqüentado por aqueles que não precisam trabalhar, aqueles que têm tempo disponível para ficar uma hora fila da bilheteria e mais trinta minutos para entrar na sala de projeção.

Se isso é a democratização do cinema, que não se questione o império dos Shoppings centers!

Porém, ainda que o público seja sempre o mesmo é inquestionável a importância de oferecer um cardápio variado de filmes. Desse modo, o Indie é uma oportunidade para presenciarmos os cinemas de outros rincões do mundo – embora, por razões óbvias, eu ache excessiva a concentração de filmes norte-americanos e franceses.

Mesmo depois de anos, o Indie é somente uma promessa, e cada vez mais difícil de se realizar. Há de se modificar essa situação, redimensionando o uso desse espaço de exibições fílmicas. Que os falsos entendidos sejam enxotados do Usina Unibanco de Cinema e do Cine Humberto Mauro.

Xô falsos entendidos! Seus all-stars multicores, seus trejeitos artificiais, seus brincos escandalosos, suas tatuagens, suas camisas irreverentes não são bem vindos! Abram espaço que o povo quer entrar!!

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Quem bate à minha porta?

Quem bate à minha porta? (Who’s that knocking at my door), 1968. De Martin Scorsese.

Em vários sentidos Quem bate à minha porta? é datado. É quase uma monografia de fim de curso, quando o Jovem Martin Scorsese terminava sua graduação em Cinema pela Universidade de Nova Iorque. Esse filme usa e abusa da maioria dos recursos da linguagem cinematográfica. O plongée, o traveling, o primeiríssimo plano, a montagem paralela, o efeito slow, enfim, o cineasta parece aplicar todas as técnicas aprendidas na faculdade.

Não que isso seja um desmerecimento, pelo contrário, ainda que a narrativa seja embaçada pelo excesso de intervenções, o resultado final é bem inteligível ao telespectador. Fica evidente a presença do cinema experimental; a própria repetição de cenas (influência do cinema francês, com a Nouvelle Vague) é um exemplo.

Outro ponto de destaque são os diálogos, que se aproximam da linguagem banal do cotidiano, dando um certo frescor ao roteiro. Quando Keithel conversa com Zina Bethune sobre John Wayne, é quase um prelúdio do diálogo entre Christian Slater e Patrícia Arquette sobre Elvis Presley em Amor à queima-roupa. A propósito, os diálogos característicos de Quentin Tarantino são uma influência de Martin Scorcese.

A trilha sonora, por sua vez, fornece uma sincronia e uma unidade para as cenas, assumindo, às vezes, a velocidade de planos-relâmpagos. Aquelas músicas – que hoje diríamos: típica – dos anos sessenta constroem uma atmosfera que beira a psicodelia. A seqüência de sexo protagonizada pelo jovem Harvey Keitel expressa o olhar poético do diretor, que conjugou eficientemente som e imagem.

Outro ponto importante (que é um recorrente na filmografia de Scorsese) é desconstrução do cinema clássico. Não aquelas ousadias pueris de jovens videomakers, mas sim um diálogo inteligente com a “Era de Ouro” hollywoodiana. Rastros de ódio e O homem que matou o facínora – ambos de John Ford – são citados. O que é muito apropriado para um filme que fala sobre jovens pobres e desempregados que insistem em manter um código de conduta machista em plena década de revolução sexual.

O cineasta expressa a distância entre uma era mítica (de inocência perdida) e a realidade das ruas em toda sua crueldade. Keitel, interpretando J.R., é o primeiro personagem do diretor a ser dividido entre os valores religiosos e mundanos.

É um tolo rapaz, que dorme com prostitutas (ainda que contra sua vontade), mas repudia uma moça que foi estuprada. Aqui é o nascimento do personagem scorsesiano por excelência, invariavelmente contraditório e confuso.

Cotação: Bom

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Os Simpsons - o filme

Os Simpsons – o filme (The Simpsons movie), 2007. De David Silverman

Há muito pouco para falar sobre esse longa, salvo que você dificilmente sairá aborrecido do cinema. O roteiro é bem elaborado, as piadas são oportunas, as referências às “celebridades” são válidas e as críticas ao governo norte-americano bem-vindas.

Porém, esse filme não consegue se caracterizar como uma narrativa cinematográfica. Trata-se de um episódio da televisão, ampliado para a telona e um pouco mais caprichado. Homer Simpson parece ter pego o espírito da coisa, no começo da história, ele e sua família estão no cinema assistindo ao longa do Comichão e Coçadinha, quando ele comenta que não faz sentido pagar por uma coisa que se pode ver de graça.

Talvez. Mas a verdade é que Os Simpsons – o filme é uma historinha muito divertida. O enredo retoma as primeiras temporadas, quando as peripécias eram o forte da série; que, a propósito, é muito mais interessante do que o humor negro e a iconoclastia gratuita que prevaleceram nos últimos episódios.

Contudo, não deixa de ser um despropósito esperar que um projeto para a televisão funcione como cinema. As complexidades inerentes a Sétima Arte, praticamente impedem que um produto anódino como esse tenha alguma expressão mais destacada.

Se nos ativermos em animações como A bela e a fera (1991), O Castelo Animado (2004) e mesmo Shrek (2001) veremos que são essas as produções que se aproximam de uma narrativa fílmica. Não só quanto ao roteiro, mas a própria direção revela uma seriedade maior – a intenção de criar uma composição, uma obra detalhada e menos caricatural. Não que a questão seja desmerecer Os Simpsons, pois a sua proposta foi clara desde o início: fazer um episódio final para encerrar um dos seriados de maior longevidade da televisão americana.

Uma vez aceito esses pressupostos, o trabalho para o crítico e o espectador fica fácil. Aos que sempre apreciaram as aventuras de Bart e companhia é mais do que aconselhável que vejam esse episódio final. Mas, para quem nunca foi fã desses personagens amarelos, o conselho de Homer prevalece: “por que pagar por algo que se pode ver de graça?”

Cotação: Fraco

A máquina

A Máquina: o amor é o combustível, 2006. De João Falcão

É um filme polêmico, desenvolvido com maestria. Narra sobre uma cidade imaginária e seus singulares habitantes. Apesar de ser específica e localista, a história alcança, brilhantemente, o universal. O filme a que me refiro é Dogville e seu diretor é Lars Von Trier.

Mas, muito distante desse exemplar cinematográfico temos A Máquina, dirigido por nosso amigo Jonhy Falcon. É um dos filmes mais constrangedores que eu já vi nos últimos tempos e mereceria toda a galeria de Troféus Framboesas, se essa premiação se dignasse a distinguir as nulidades do anonimato semi-amadorístico.

O filme narra a história de Antônio (Gustavo Falcão), que decide colocar sua vida em cheque para chamar a atenção do mundo para a pequena cidade de Nordestina, tentando, dessa forma, arrebatar o amor da linda (?) Karina (Mariana Ximenes). Ao final, ele consegue atrair o interesse da mídia internacional, mas o preço é sua própria martirização, no tempo e no espaço.

Nordestina? Ai. Só pelo nome da town já fica patente o interesse em atingir a “essência” do nordeste... E, diga-se de passagem, essa é uma estratégia que nunca funciona. Na maior parte da trama, as falas e os trejeitos dos personagens revelam – não o cerne do nordeste – mas sim uma visão estereotipada; o olhar do litorâneo sobre o que, supostamente, seria o sertão.

O filme é uma falha completa, começando pelo argumento e o desenvolvimento afetado do roteiro. O que resultou, ao final, em uma direção excessivamente teatralizada, que não soube peneirar as interpretações exageradas dos atores.

Gustavo Falcão resvala na canastrice – enrolando-se para pronunciar aquelas falas mal escritas, redundantes e pretensiosas. Alguém deveria ter lhe avisado que ele não é Matheus Nachtergaele e que o personagem em questão não era o João Grilo. Mas justiça seja feita, nada pode superar o papelão (digo, papel) interpretado por Ximenes. O momento em que ela é introduzida na história, cantando uma musiquinha songa-monga em uma bicicleta, pode ser considerado como um dos mais tristes momentos do cinema brasileiro.

A comparação inicial com Dogville não foi gratuita, pois alguns planos gerais de Nordestina, sobretudo quando a vemos em visão aérea ou em plongée, é possível uma associação com a cidade título do filme de Lar Von Trier: uma cenografia que remete a não arquitetura.

Porém, no caso de A Máquina, a desconstrução da paisagem cenográfica, enquanto um simulacro do real, opera por outro sentido que aquele da remoção das paredes. Aqui, se faz questão de assinalar os exageros do cenário e da iluminação (uma forma de atingir a essência). Nordestina não tem uma arquitetura real, a própria igreja (centro de toda cidade tradicional) não possui paredes, mas só a fachada com uma torre, que encobre e, ao mesmo tempo, revela o vazio do sertão. Contudo, quando Antônio parte para o “mundo”, as locações aparecem mais realistas (o mar é, de fato, o mar). O cenário sai da narrativa mítica e entre no tempo histórico real. Tal escolha implicou na quebra da homogeneidade espacial do filme, colocando dificuldades em um trabalho mais do que problemático.

No final, em uma coisa A Máquina acerta, ela consegue atingir a condição de alegoria e fábula. Pois esse filme é uma perfeita metáfora do cinema brasileiro (a Nordestina): incompleto, incoerente, imaturo, mas que quer ser descoberto pelo mundo, chamar a atenção daquela gente grande que, lá na terra da Estátua da Liberdade, faz cinema de verdade.

Grace (Nicole Kidman) disse que algumas cidades nunca deveriam existir. Se referia a Dogville, mas ainda bem que ela não conheceu Nordestina.

Cotação: Péssimo

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O Mensageiro Trapalhão

O Mensageiro Trapalhão (The Bellboy), 1960. De Jerry Lewis

Se fosse feito um remake de O Mensageiro Trapalhão, ninguém seria mais perfeito para o papel do que Rowan Atkinson. Sim, porque os trejeitos de Mr. Bean não deixam de remeter ao personagem Stanley, interpretado por Jerry Lewis. Na verdade o silêncio desses dois personagens – e a opção por um humor calcado em gags físicas – é um legado do próprio cinema mudo.

The Bellboy foi a primeira direção de Jerry Lewis, um trabalho despretensioso, mas com uma visão acertada do que é a comédia, dos diferentes recursos para produzir o humor. O diálogo com o cinema mudo está mais do que presente nesse trabalho, tanto que algumas referências são tão óbvias que é melhor deixar o prazer de destacá-las para o leitor.

Lewis cria uma série de quadros, divertidas situações, encabeçadas por um personagem atrapalhado, ingênuo e simpático. Um tipo de figura que é recorrente em certo modo de fazer comédia e sempre encontrou a empatia e o riso do telespectador – Roberto Gomes Bolaños, inserido em um contexto bem diferenciado, seria outro exemplo que nos é próximo.

Talvez, de todos os gêneros cinematográficos, seja a comédia a que tem maior facilidade de conviver com o absurdo. E Lewis (comediante nato) sabe disso muito mais do que nós: o non sense, o imprevisto e, por vezes, o previsível são ferramentas essenciais para convencer o público da hilaridade da piada.

Esse filme foi muito bem reinterpretado em Grande Hotel (Four Roons, 1995), dirigido por oito mãos – incluindo Quentin Tarantino e Robert Rodriguez– é uma homenagem e uma interação direta com O Mensageiro Trapalhão. O protagonista, interpretado por Tin Roth, também vive um “bellboy”, com trejeitos a la Jerry Lewis.

Em Grande Hotel, Tarantino – que além da direção tem uma ponta – diz que a figura de um mensageiro era um claro evocativo ao personagem Stanley. Como cinéfilo que ele é, estava evidenciando o papel de Lewis na construção e recuperação de um humor inteligente – entre o ingênuo e o provocativo – capaz de despertar uma simpatia e uma cumplicidade no telespectador.

Enfim, O Mensageiro Trapalhão é mais um dos exemplos de que os recursos do cinema clássico estão longe de serem datados e ultrapassados. A inteligência do roteiro (ou do anti-roteiro, como é o caso) explicita que a comédia é um grande gênero do cinema. A mediocridade dos exemplares contemporâneos só revela que a maneira antiga de se fazer humor foi perdida, em proveito de escatologias, piadas politicamente incorretas ou o mais puro e desclassificado besteirol.

A solução para Hollywood está na própria Hollywood. É só olhar para o passado e aprender com os mestres. E, no que toca a comédia, Jerry Lewis é um desses professores absolutos.

Cotação: Ótimo

Denominador comum: o medo nos extremos

O chamado (The Ring), 2002. De Gore Verbinski
Madrugada dos mortos (Dawn of the Dead), 2004. De Zack Snyder

Os meus imaginários leitores devem estar pensando no quanto eu estou desatualizado. Um filme de 2002 e outro de 2004. O que eu posso argumentar é que nesses últimos anos esses dois foram os melhores filmes de terror/horror e suspense que eu assisti.

Mas, são dois filmes completamente diferentes. O Chamado é suspense e terror. É a história sobre uma fita de vídeo que trará, em sete dias, a morte àquele que assisti-la. As vítimas só percebem o que ocorrem no momento em que se confrontam com, o até então, desconhecido. Nesse meio termo as pessoas recebem indícios, mas para a maior parte delas essas pistas são insuficientes para se salvarem.

O assustador desse filme é a solidão da morte e o absurdo da situação. O mundo continua o mesmo, mas a pessoa que viu o filme começa a ter contato com uma misteriosa garota chamada Samara. Em uma cena, vemos a personagem principal, protagonizada por Naomi Watts, debruçada em seu apartamento ela olha o prédio ao lado. Ela está assustada, mas as pessoas nas outras residências vivem normalmente, sem saber que sua vizinha receberá a sinistra visita da garotinha que nunca dorme. Assustador porque absurdo. É o medo da multidão, porque nela você é anônimo, portanto seu sofrimento passa despercebido.

Em Madrugada dos mortos a situação é inversa, o medo não é anônimo, é coletivo. O dia amanhece e algumas pessoas simplesmente se tornaram zumbis. A civilização desmorona, as pessoas correm para se salvar, uns matam os outros, acabou-se a família, os vizinhos. Mais assustador, acabou-se o Estado. As forças policiais nada mais podem fazer, os exércitos são inúteis. Escolas, ruas, igrejas, bairros, tudo abandonado. O que resta é se esconder dos canibais.

Um grupo de pessoas tenta sobreviver em um Shopping Center, sob a ameaça constante da invasão zumbi. Além desses náufragos da civilização nada mais vive (em sua conotação antiga). Esse é um filme de horror, mais do que medo, o que ele causa é desolação, não há mais conforto em lugar algum. O assustador do filme é justamente a coletividade do caos, todos compartilham do mesmo pânico. É o medo da multidão, porque nela você é visto por todos, portanto você é vulnerável, qualquer um pode te ferir.

O que nos assusta mais? Uma morte anônima em frente a sua televisão ou morrer junto com a civilização? O fantasma da garotinha te machuca individualmente, mas a horda de zumbis ataca todos ao seu redor. Pior, as vezes as pessoas que você mais ama se tornam um deles.

Dois extremos, mas uma certeza permanece, em ambas as situações o medo te consumirá. Morre-se o indivíduo ou morre-se o coletivo, mas o padecimento é só seu. Em um determinado momento qualquer preocupação com o outro desaparece, você pensa em salvar só sua própria vida. Não importa qual das duas situações, mas, a morte nos isola, nos arrebata na segurança ou na incerteza, da individualidade ou do coletivo.

Cotação:

Chamado: Bom
Madrugada dos Mortos: Ótimo

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Bobby

Bobby (Bobby), 2006. De Emilio Estevez.

Enfim um filme que é tanto um posicionamento político quanto uma irrefutável obra cinematográfica. Uma produção que conseguiu reunir nomes importantes do estrelato hollywoodiano, porém mantendo um compromisso com o ideário progressista e democrático.

Bobby toma como ponto de partida – e eixo condutor de toda narrativa – a presença de Robert Kennedy no Hotel Ambassador, em meio às prévias para a disputa presidencial. A trama abarca distintas pessoas que tiveram alguma relação com o hotel no dia do assassinato desse político.

A história é feita de possibilidades, e o que essa produção tenta nos convencer é que “Bobby” representava a possibilidade de uns Estados Unidos não militarista, não segregacionista, preocupado com os interesses dos próprios cidadãos, intencionado na busca e ampliação dos direitos civis e sociais.

O contraponto é óbvio: uma América possível (Utópica) e uma América Realmente Existente. O desaparecimento precoce de Robert Kennedy implicou em um era belicosa vivenciada pelos Estados Unidos, que se estende até o presente, representada por um líder que muito se distancia dos pressupostos do liberalismo americano clássico. Com efeito, ao menos no nível imaginário, o atual presidente norte-americano seria o oposto do amigável “Bobby”.

A narrativa faz questão em mostrar a presença do candidato nas diferentes camadas sociais, abarcando os negros, os imigrantes em geral e até mesmo uma representante de um regime socialista. Esse filme segue a contramão da xenofobia e do patriotismo provinciano e chauvinista. A intenção é rememorar uma era quase mítica, na qual havia uns Estados Unidos que não discriminava as pessoas por sua origem racial, condição econômica ou crença política.

Contudo, para além desse imaginário democrata que impregna toda a tessitura do filme, há também de convir que estamos lidando com cinema. Um trabalho forte, sucinto – com alguns exageros dramáticos é verdade (um excesso descartável) –, mas ainda assim um filme bem dirigido e bem decidido.

O individual se liga ao público. O ato final, no qual presenciamos o desfecho da história de Robert Kennedy, percebemos como as historietas se ligam – diversos personagens cujas trajetórias se cruzam ao final. Uma das melhores cenas do filme é aquela em que a euforia da vitória é rapidamente substituída pelo pânico da notícia do atentado a vida de “Bobby”.

Bobby é um réquiem para uma América que não foi, mas que poderia ser. Aquele sonho um tanto ingênuo e pueril dos anos sessenta, mas que, se comparado com o cinismo da realpolitk contemporânea, parece coerente e consistente e, antes de tudo, desejável.

Cotação: Bom