quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O Rei e Eu

O Rei e Eu (The King and I), 1956. EUA. De Walter Lang

Muito já foi dito sobre a representação da Ásia e da África colonial no cinema ocidental. Esses filmes, comprometidos ideologicamente com a política imperialista, justificaram e legitimaram o domínio dos países europeus sobre suas colônias.

Filme que faz parte dessa galeria é o clássico O Rei e Eu, produzido no ano de 1956. A história é sobre uma professora inglesa, Anna Leonowen, que em meados de 1860 é contratada pelo rei de Sião para ensinar seus filhos.

Os primeiros planos do filme nos ajudam a dimensionar o exotismo de Sião, pessoas com trajes exóticos, elefantes trafegando pelas ruas e monumentais palácios. Depois, a partir do olhar de Anna, conheceremos o rei, suas esposas e seus filhos (este um dos momentos famosos da história do cinema).

O filme é estruturado na relação entre a professora (representação da cultura e domínio ocidental) e o rei de Sião (representação do exotismo e atraso do oriente). Na verdade, o rei é sagaz e inteligente, embora seja desprovido do saber europeu. Caprichoso e orgulhoso como “devem ser” os soberanos do oriente ele recorre à professora para tornar seu país “mais científico”.

O clímax do filme está ligado exatamente ao desejo e necessidade do rei em mostrar a Inglaterra que seu país havia se tornado científico. A rainha Vitória, informada de que Sião era um país bárbaro decide enviar uma comitiva para averiguar essas informações, caso as denúncias fossem confirmadas seria instalado no país um protetorado militar.

Para evitar a intervenção inglesa, Sião deve se mostrar suficientemente civilizada e para isso o rei necessitará da ajuda de Anna. Uma recepção é preparada para receber a comitiva inglesa, enquanto as esposas do rei aprendem a usar talheres e vestidos do Ocidente. Percebemos que a Inglaterra coube o direito de decidir quais são os povos bárbaros e civilizados, tendo como padrão de referência sua própria cultura.

Embora a mensagem seja eurocêntrica, o filme acaba, por um momento, se traindo. Anna convence o rei a ofertar um espetáculo durante o banquete, uma peça teatral para impressionar os ingleses. A idéia de Anne é apresentar a adaptação do livro A cabana de pai Tomás feita por Tuptim, a mais recente das esposas do rei – que é inconformada com sua situação de concubina.

Esse é o melhor momento do filme que, involuntariamente, desmonta todo o discurso colonial. A história encenada pela jovem esposa, não se passa no sul dos Estados Unidos, mas sim em Sião. Tuptim usou a obra de uma escritora norte americana para declamar a sua própria condição de escrava.

Cai por terra todo o discurso da necessidade de se civilizar, pois, no próprio ocidente – a suposta civilização – existia a barbárie, os Estados Unidos estava no auge da Guerra Civil. Um violento conflito para tentar por fim a escravidão.

Tuptim aproveitando das festividades foge para encontrar com seu verdadeiro amor, porém é capturada e colocada em presença do rei e de Anna. O rei incapaz de castigar sua concubina em presença de Anna – em presença dos olhos da civilização – cai em uma intensa depressão, adoecendo profundamente e confirmando os temores de seu primeiro ministro de que a professora o destruiria.

Anna rompe definitivamente com esse país, não suportando viver naquela barbárie. Porém, antes de sua partida, é informada de que o rei está morrendo o que a leva a retornar à presença do soberano.

Momentos antes de seu desfalecimento o rei passa o reino ao seu jovem filho, este possui a mesma impetuosidade paterna. Enquanto o príncipe faz seu primeiro pronunciamento ao pequeno grupo que rodeia seu pai moribundo, este confirma a continuidade do magistério de Anna.

O embate do rei com a civilização foi doloroso e esgotou toda sua energia. Ele deve morrer para que seus sucessores, uma geração revitalizada, distante das bárbaras tradições, se aproximem mais da Inglaterra.

Novamente o projeto colonizador se afirma, a civilização vence a barbárie, o preço é a morte do rei, isto é, dos antigos dirigentes que serão sucedidos por uma nova geração mais ocidentalizada. Anna continuará professora do jovem soberano, exercendo sua influencia sobre ele, mantendo a ocidentalização.

Rei morto, rei posto. Enquanto um falece o outro é coroado, repudiando a barbárie, mas não a submissão à Inglaterra. Ansioso pela ocidentalização, o jovem príncipe se diz rei em presença de sua professora, uma inglesa. Mais um país oriental que passa a ser tutelado pela Inglaterra.

Enfim a civilização...

Cotação: Bom

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