segunda-feira, 30 de outubro de 2023

THe Steketon Dance - Hell's Bells - The Houted House

📺 História da animação


The Skeleton Dance (1929). De Walt Disney.

Hell’s Bells (1929). De Ub Iwerks.

The Haunted Dance (1929). De Walt Disney.

Walter Benjamin já escreveu sobre Mickey Mouse aludindo à dimensão surrealista das primeiras animações. O experimentalismo e a ausência de códigos de censura explícitos possibilitaram projeções com extrema criatividade, na qual utilizavam-se os meios técnicos ao limite de modo a testar todas as possibilidades.

As temáticas trabalhadas seriam consideradas inapropriadas para a atual sensibilidade bem comportada, moralista e politicamente correta. As alusões à figura da morte e aos demônios incomodariam a audiência cristã, da mesma forma que os estereótipos raciais seriam tomados como de mal gosto. Mutatis mutandis, hoje precisamos ter cuidado com qualquer abordagem autoral – a polícia da polarização ideológica não dá descanso...

Em Skeleton Dance e Hell’s Bells a sincronia entre som e imagem reforça a prevalência da música instrumental como um referencial compreendido pela audiência geral. As notas musicais escapam da tessitura da música a fim de simbolizar acontecimentos específicos: quedas, quebras etc. O encadeamento entre música e imagem contorna as limitações técnicas e preenche as animações com uma vivacidade na qual a todo som corresponde uma ação.

A temática é dark e remete à sensibilidade norte-americana do Halloween. Os esqueletos despertam em um cemitério para dança, seus ossos se desfazem e se reintegram em estruturas e colunas. Gatos, corujas e morcegos são os vizinhos daquela cidadela na qual o pós-morte parece ser divertido. A referência mais previsível é a Dança Macabra de Saint-Saëns. A história é simples, os esqueletos passam a noite brincando até a chegada do sol.

Já Hell’s Bell acompanha uma diversão de demônios no inferno. Criaturas espectrais (leia-se demoníacas) fazem seus folguedos com chamas. Nesta animação há uma narrativa mais estruturada já que o Diabo mor persegue um demoniozinho para dar-lhe de comida ao Cérbero. A técnica é a mesma que a animação anterior, a temática, no entanto, é um pouco mais obscura. Não imagino o atual público padrão dos produtos Disney assistindo confortavelmente essa inofensiva animação. Uff, o século XXI está pesado...

Hell’s Bell e The Skeleton Dance fazem parte da coleção Silly Symphonies, já The Hauted House tem como personagem o Mickey, constituindo a face principal do universo de Walt Disney. Mas tudo se repete, inclusive o aproveitamento de sequências das bandas anteriores, como a movimentação dos esqueletos e o voo dos morcegos, por exemplo. Em Haunted House a narrativa se impõe ao experimentalismo – o rato fugindo da tempestade entra em uma casa habitada por caveiras e outros sustos. Tudo muito repetitivo, mas fazia sentido no contexto geral da época – o intuito era explorar o fantástico.

A parceira Walt Disney e Ub Iwerks

De fato, o maior mérito dessas primeiras animações, conforme já havia notado o filósofo alemão, é a poética construída em torno do absurdo. O universo cultural das assombrações e das monstruosidades era conhecido pelas crianças – não eram poupadas de sentir medo. Os norte-americanos são, afinal, bastante supersticiosos e gostam dos arrepios. Por isso, o terror era parte de uma organização mental que embaralhava as fronteiras entre o racional e o maravilhoso.

É justamente essa poética que foi perdida em fins do século XX, a fricção entre o abstrato e o narrativo rasgam a recepção e absorção fáceis que hoje se espera das animações comerciais. Walt Disney e Ub Werks, sempre afinados, compõem poemas visuais e orquestrais que vieram a se tornar um dos pilares da indústria da animação e um testemunho do inconsciente coletivo do século XX.

domingo, 15 de outubro de 2023

30 dias de noite

Crítica a jato✈


30 dias de noite (30 Days of Night), 2007. De David Slade

Antes de Eclipse (2010) David Slade nos brindou com essa história vampirosa de sanguessugas...

Vampiros que tendo a vantagem de atacar por 30 dias seguidos conseguem, ainda, deixar uma pá de humaninhos escaparem...

E vejam, não estou aqui sendo o chato de garrocha ao falar que NEM todo mundo morre no final. Só estou ressaltando o absurdo de que em uma cidade no Alasca no qual o inverno resulta em 30 dias sem a luz do sol os vampiros não dão conta de fazer o dever de casa. E não estamos falando de caçadores como aqueles cowboys do asfalto de John Carpenter, tampouco de um Blade da vida.

Não meus caros, os humanos que se safam são uns patetões que correm a esmo pela cidade, trombam uns nos outros, gritam quando é para fazer silêncio, fogem se prendendo em lugares apertados e se mostram incapazes de qualquer comunicação minimamente inteligente. É claro que esses humanos devem ter lá seus superpoderes para enxergar normalmente no escuro polar, mesmo com toda iluminação natural e artificial suprimida. Mas não vamos pedir coerência de um filme no qual os personagens são rasos, as sequências de ação absolutamente artificiais e o carisma dos heróis e vilões inexistente.

Se vocês querem relembrar aquela boa época que íamos às locadoras e voltávamos com uma batata quente na sacola está aí uma ótima oportunidade de revival.

Filme que caiu no esquecimento, mas que vez ou outra é bom dar uma revisada só para não perdemos o costume da crítica mal humorada.

Cotação:☕


domingo, 27 de agosto de 2023

Doutor Sono


Crítica a jato✈

Doutor Sono (Doctor Sleep), 2019. De Mike Flanagan

Por se tratar da continuação de O iluminado seria muito despropositado tecer grandes expectativas. No entanto a adaptação do novo filme de Stephen King falha miseravelmente. O terror é atenuado, sobretudo, porque Abra Stone a sucessora de Dan Torrance, a garotinha afro-americana (yep!) é muito overpower.

Em momento nenhum Abra fica realmente em perigo, quem tateia em busca de ajuda é Dan, o outrora iluminado só manteve uma pequena parcela do seu brilho. Vagueando pelos Estados Unidos ele tenta lidar com sua depressão e alcoolismo. O encontro dele com Abra é forçado e muito mal explicado, resultado de uma narrativa fílmica absolutamente sem sal.

Esse, aliás, é o principal problema do filme, uma tentativa de adaptar uma extensa obra literária em duas horas de projeção e ainda com a obrigação de fazer conexão com a história anterior.

Para além do hotel amaldiçoado, os antagonistas são um grupo de vampiros psíquicos liderados por uma bela e perigosa assassina. Uma criatura maligna, poderosíssima, mas que é feita de gato e sapato por Abra Stone.

Seja como desfecho ou como obra independente, o filme Doutor Sono é limitado. Os arcos são até interessantes, mas explorados com excessiva pressa a fim de dar liga aos vários capítulos. Priorizar Abra em detrimento de Dan prejudica a temática do iluminado ao substituí-la por uma versão dark de Matilda (1996).

Cotação: ☕☕☕

Que horas eu te pego?


Que horas eu te pego?
(No hard feelings), 2023. De Gene Stupnitsky

Os tempos mudaram para melhor? Não sei dizer, mas tenho inclinação pessimista para todas as coisas do mundo. Desse modo não esperem de mim grandes loiros para as vocações contemporâneas. E é nesse espírito que apresenta a reviravolta das comédias picantes juvenis com um tempero e um caldo da década de 2020.

Que horas eu te pego?” segue as novas riscas da contemporaneidade. Homens fracos e mulheres fortes. Aqui não temos mais o rapaz querendo perder sua virgindade a todo custo, pelo contrário: eis o meninão de 19 anos resignado com sua fobia social e sem maiores interesses por incursões nessa terra de ninguém chamada corpo feminino. Caberá a trintona Maddie (interpretada por Jennifer Lawrence) a tarefa de introduzir o rapaz neste novo continente. Ela faz um acordo com os pais do garoto em troca de um carro, pois precisa do motor para trabalhar de Uber e assim manter sua casa em um bairro assolado pela especulação imobiliária. Por ser herança da mãe (e de um pai ausente) ela não quer perder a propriedade.

É tão triste que sinto vontade de chorar, vontade de chorar pela inação do menino Percy (19 anos minha gente) incapaz de receber as dádivas que secretamente seus pais controladores atiraram em seu colo. E eles atiraram foi a Lawrence que já chega chegando querendo liberar geral. Mas o garoto se assusta: teme o rapto (quando a esmola é demais...), busca previamente uma ligação sentimental e, pasmem, tem reação alérgica à xo... digo, a chocha brincadeira de Adão e Eva.

Os rapazes (igualmente imbecis) de America Pie mandam lembranças: vocês ralavam, oh guerreiros, por uma coisa que hoje os pais encomendam pelos filhos em aplicativos de celular...

Minha má vontade se justifica também pelas premissas absurdas. Um dos amigos de Maddie questiona esse plano de tirar a virgindade do rapaz em troca do carro prometido pelos pais good vibes, sugere alugar alguns quartos da casa pelo Airbnb. Mas ela responde que não se sentia bem em deixar estranhos em sua casa. Ele retorque “não aluga a casa, mas aluga a xereca?”. A mesa feminina o cala imediatamente. Ele ainda sugere “Não seria melhor o OnlyFãs”. A mesa de “apoiadoras de apoiadoras” retumba: “maridinho meu, o que você entende de OnlyFãs?”. Ali é prudente se calar.

Não estou aqui para criticar personagens secundários caricatos, faz parte do gênero. Se bem que quando a única frase sensata sai do clássico bufão é de fato o mundo de pontas às cabeças. Me surpreende o neoplatonismo vendido: o rapaz apto a perder a virgindade só após uma ligação sentimental – enquanto Percy se apaixona, Maddie descobre o valor de manter alguns valores afora os valores (materiais) que pretende receber...

Não há verborragia no parágrafo acima. Realço que em meio a aparência libertina esconde uma vontade insuportável de castração do masculino. Trata-se de uma nova abordagem de educação sexual: a personagem feminina aparece como disposta ao sexo casual, eventualmente até remunerado. Já o rapaz é constrangido a perder a virgindade, mas para isso deve descobrir algo além de um prazer carnal.

E essa dialética cripto-cristã dará a toada até o final. A sexualidade exuberante feminina não é tão resolvida assim – e haverá algum ponto de inflexão que jogará o rapaz nos braços de uma menina anódina (conclusão com extrapolação). Porque as beldades "10 de 10" não são “consumo” mas para admiração.

Afinal, é o capitalismo, nem tudo que desejamos podemos ter.

Cotação: ☕☕