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sábado, 5 de outubro de 2024

A Haunting We Will Go

📺 História da animação

A Haunting We Will Go, 1939. De Burt Gillet. 7 minutos

A primeira vez que assisti essa animação foi em um DVD com vários episódios do Walter Lantz. Fiquei surpreso com os estereótipos raciais e escrevi minha primeira resenha sobre o assunto. Tentei buscar maiores informações, mas não consegui. Em meados dos anos 2000 não havia tanta informação, livros sobre a história dos desenhos animados eram pouco acessível.

Recentemente revi essa animação reiterando as minhas impressões sobre a historieta de um garoto negro sulista careca chamado de Lil’ Eightball. Ele alega não ter medo de fantasmas e acaba arrastado para um velho moinho, no qual uma horda de assombrações perseguem-no até quebrar sua resistência e deixá-lo amedrontado.

[O garoto negro x os lençois brancos. Tudo inofensivo. Confia.]

Eightball tem uma aparência peculiar, veste um tipo de camisola sem nada por baixo, ele é um sulista pobre vivendo em uma casa rural. Tem jeito de sabichão e gosta de bancar o esperto. Expressão do imaginário coletivo, o personagem evoca a visão negativa sobre os afro-americanos, sua primeira aparição na animação é com um fade-in, no qual ele sai da escuridão abrindo seus olhos. A cor da sua pele mescla-se, em um primeiro momento, à escuridão do ambiente.

Mas há, também, a denúncia quanto à perseguição e ao barbarismo impetrado contra os que na época eram chamados de “pessoas de cor”. Uma de suas frases – que pode variar a depender da tradução – é: “Não tenho medo de lençóis velhos”. Tal sentença constitui uma alusão (inconsciente) ao movimento Klu Klux Klan, pois os fantasmas agem como uma turba motivada em aterrorizar e expulsar o garoto do velho moinho. Os integrantes do movimento extremista vestem-se com roupas e capuzes brancos, nesse sentido a associação com fantasmas decorre com naturalidade. A própria paisagem da animação remete ao cenário das cidades racistas sulistas.

Na The encyclopedia of animated cartoons (LENBURG, 1999, p.89) encontramos a seguinte referência sobre personagem:

Lil’ Eightball

Former Disney protégé Burt Gillett was responsible for creating this stereotyped black youngster who, after a brifef opportunity at movie stardom, resurfaced in Walter Lantz comic books of the 1940s. Directed by Burg Gillet. Black-and-white. Voice credits unknown. A Waler Lantz Production released through Universal Pictures.

1939: “Stubborn Mule (July 3); and “Silly Superstition” (Aug. 28).

Curiosamente, o fragmento acima suprime a menção ao episódio colorizado A Haunting We Will Go (Sep. 4, 1939). De qualquer forma, não obstante os aspectos controversos do personagem a animação tem interesse diegético devido as suas ambivalências. Detém uma paleta de cores em tons esmaecidos e uma construção narrativa com aspectos surrealistas. A ontologia da imagem construída em tal animação comporta um incômodo e uma possibilidade de maravilhamento. Por fim, o tom infantil não elimina de todo o aspecto de terror da narrativa.

Cotação: ☕☕

Referências

LENBURG, Jeff. The encyclopedia of animated cartoons. 2. Ed. New York: Facts on File, 1999.

domingo, 15 de setembro de 2024

Teenage Mutant Ninja Turtles/Tartarugas Ninjas

📺 História da animação
Tartarugas Ninjas: Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem), 2023. De Jeff Rowe

Animação engraçadinha dando uma roupagem nova e orgânica ao desenho animado que fez sucesso em começos dos anos 90 – por sua vez uma adaptação em tons mais infantilizados dos quadrinhos.

Tartarugas, rato, insetos, rinoceronte e javali contaminados por um composto radioativo tornam-se humanoides. Historieta que já assistimos várias vezes nos diversos reboots e versões da franquia. Mas Caos Mutante merece o destaque pela animação estilizada em cores fortes e vibrantes, inspirando-se em um estilo urbano. As paletas do grafite reconstroem uma Nova York vívida e frenética, cidade agitada e até repulsvia em alguns aspectos, mas de bem consigo mesma.

As adolescentes tartaruguinhas estão lá, como sempre, buscando pedaços de pizzas, autocompreensão e diversão descompromissada. Dessa vez wi-fi conected onde o mundo pode ser conhecido sem sair do lugar. No entanto, mais do que nunca elas são representadas como frágeis e inseguras; smartphone em demasia dá nisso, certo? A tecnologia gera solidão e as tartarugas estão mais sós do que nunca. Não são os heróis cartunescos e sim jovens mutantes complexados com a intolerância do humanos - uma interessante alegoria da pertinência das minorias nos discursos contemporâneos.

Com uma habilidade acima da média para metaforizar os problemas e os interesses da atual juventude, Caos Mutante nos entrega uns quelônios preocupados com a representatividade da causa em um subtexto repleto de referências à cultura Lgbtxyz. Os heróis em formação também precisam dividir espaço de tela com a jornalista April, caracterizada nessa versão como uma patinha feia. Sim, agora as protagonistas precisam ser inseguras e esteticamente destituídas de qualquer traço do belo. Por isso, April virou uma adolescente gordinha tribufu que vomita diante das telas, mas com muita atitude para salvar o dia mutante.

Compensa essa cantilena uma animação boa o suficiente para representar a vida urbana como o palco dos grandes acontecimentos. Os atos de heroísmo aos quais as tartarugas performam no arco final vão ao encontro da mítica da cidade de Nova York na história do cinema. Além disso, a relação desenvolvida entre as tartarugas e os novaiorquinos lembra a franquia do Homem-Aranha produzida por Sam Raimi: cidade e heróis acabam tendo que dar as mãos!

Bastante inofensivo para o filme merecer maiores considerações, temos uma narrativa voltada ao público infanto-juvenil entregando muita estética e pouca história. Mas tudo na medida certa, não compensa o bilhete do cinema, mas enfim, estamos em tempos de ver streaming na tela do celular.

E ainda nos perguntamos porque as tartaruguinhas estão deprimidas...

Cotação: ☕☕

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Popeye the Sailor Man: Blow me down

📺 História da animação

Blow me down, 1933. De Dave Fleischer.

Excelente animação para resgatar um período de maior liberdade criativa dos desenhos animados nos Estados Unidos – porém menos anárquico do que as produções de anos anteriores. Lançado no cinema pela Paramount como parte de uma série de animações curtas, “Blow me down” traz um Popeye brigão, barra pesada aportando com seu barco baleia em uma cidade mexicana. Derrota facilmente os mexicanos com seus chapéus característicos que insistem em entrar no seu caminho. Chegando a um bar do tipo saloon sai no braço com o chefão-mor, o Blutos, o chefe dos bandoleiros.

O personagem mantém proximidade com sua origem cartunesca, mais caçador de confusões do que herói. Olívia faz as vezes de uma dançarina e não é poupada pelo Popeye que ri de suas atrapalhadas. As caricatas representações dos mexicanos nos informam a generalização do estereótipo dos faroeste. A influência do cinema também é perceptível na simulação de um ângulo de câmera alto, quando Popeye sobre as escadas para salvar Olívia, uma solução narrativa bem original.

O estilo dos irmãos Fleischer (1933-1942) é mais seco e objetivo do que a tradição rival inaugurada por Walt Disney. A paleta em preto e branco produzida pela técnica do desenho a mão revela um traço livre da emulação do belo e fiel ao antigo formato de cartoon impresso. Com presença de elementos non-sense (algo comum no período), utiliza as gags visuais como fonte de comicidade. O foco, no entanto, está dado na sucessão de conflitos entre Popeye e o mundo. Torna canônico este episódio a famosa música “I'm Popeye the Sailor Man”, além da bublagem do marinheiro realizada por Willian Costelo.

A força do marinheiro encrenqueiro aparece em várias metonímias e metáforas, enfatizando sua força física: símbolo de outra época e mentalidade. O uso do cachimbo para consumir fumo (algo minorado em períodos posteriores) e de bebida alcóolica revelam outras concepções do adequado à audiência infantil. Nesse momento o personagem estava mais para o bad boy do que para o nice guy.

De fato, esta curta animação (6m19s) pertence a uma das fases mais criativas da franquia Popeye. Rever o episódio é um estímulo para o resgate de uma história do desenho animado.

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

THe Steketon Dance - Hell's Bells - The Haunted House

📺 História da animação


The Skeleton Dance (1929). De Walt Disney.

Hell’s Bells (1929). De Ub Iwerks.

The Haunted Dance (1929). De Walt Disney.

Walter Benjamin já escreveu sobre Mickey Mouse aludindo à dimensão surrealista das primeiras animações. O experimentalismo e a ausência de códigos de censura explícitos possibilitaram projeções com extrema criatividade, na qual utilizavam-se os meios técnicos ao limite de modo a testar todas as possibilidades.

As temáticas trabalhadas seriam consideradas inapropriadas para a atual sensibilidade bem comportada, moralista e politicamente correta. As alusões à figura da morte e aos demônios incomodariam a audiência cristã, da mesma forma que os estereótipos raciais seriam tomados como de mal gosto. Mutatis mutandis, hoje precisamos ter cuidado com qualquer abordagem autoral – a polícia da polarização ideológica não dá descanso...

Em Skeleton Dance e Hell’s Bells a sincronia entre som e imagem reforça a prevalência da música instrumental como um referencial compreendido pela audiência geral. As notas musicais escapam da tessitura da música a fim de simbolizar acontecimentos específicos: quedas, quebras etc. O encadeamento entre música e imagem contorna as limitações técnicas e preenche as animações com uma vivacidade na qual a todo som corresponde uma ação.

A temática é dark e remete à sensibilidade norte-americana do Halloween. Os esqueletos despertam em um cemitério para dança, seus ossos se desfazem e se reintegram em estruturas e colunas. Gatos, corujas e morcegos são os vizinhos daquela cidadela na qual o pós-morte parece ser divertido. A referência mais previsível é a Dança Macabra de Saint-Saëns. A história é simples, os esqueletos passam a noite brincando até a chegada do sol.

Já Hell’s Bell acompanha uma diversão de demônios no inferno. Criaturas espectrais (leia-se demoníacas) fazem seus folguedos com chamas. Nesta animação há uma narrativa mais estruturada já que o Diabo mor persegue um demoniozinho para dar-lhe de comida ao Cérbero. A técnica é a mesma que a animação anterior, a temática, no entanto, é um pouco mais obscura. Não imagino o atual público padrão dos produtos Disney assistindo confortavelmente essa inofensiva animação. Uff, o século XXI está pesado...

Hell’s Bell e The Skeleton Dance fazem parte da coleção Silly Symphonies, já The Hauted House tem como personagem o Mickey, constituindo a face principal do universo de Walt Disney. Mas tudo se repete, inclusive o aproveitamento de sequências das bandas anteriores, como a movimentação dos esqueletos e o voo dos morcegos, por exemplo. Em Haunted House a narrativa se impõe ao experimentalismo – o rato fugindo da tempestade entra em uma casa habitada por caveiras e outros sustos. Tudo muito repetitivo, mas fazia sentido no contexto geral da época – o intuito era explorar o fantástico.

A parceira Walt Disney e Ub Iwerks

De fato, o maior mérito dessas primeiras animações, conforme já havia notado o filósofo alemão, é a poética construída em torno do absurdo. O universo cultural das assombrações e das monstruosidades era conhecido pelas crianças – não eram poupadas de sentir medo. Os norte-americanos são, afinal, bastante supersticiosos e gostam dos arrepios. Por isso, o terror era parte de uma organização mental que embaralhava as fronteiras entre o racional e o maravilhoso.

É justamente essa poética que foi perdida em fins do século XX, a fricção entre o abstrato e o narrativo rasgam a recepção e absorção fáceis que hoje se espera das animações comerciais. Walt Disney e Ub Werks, sempre afinados, compõem poemas visuais e orquestrais que vieram a se tornar um dos pilares da indústria da animação e um testemunho do inconsciente coletivo do século XX.

domingo, 9 de abril de 2017

Muppets 2





Muppets 2: Procurados e Amados, 2014. EUA. De James Bobi

A composição cênica resultante do uso de fantoches no “mundo real” assinala a tensão insolúvel dos Muppets. Trata-se de um universo ficcional no qual os humanos coexistem com fantoches de animais antropomórficos sem que tal irracionalidade seja percebida. Desse modo, a narrativa encontra-se tensionada pelo absurdo, até mesmo porque os recursos metalinguísticos exploram a natureza cômica de tais contrassensos.

O enredo não traz nada de novo: amontoados de clichês articulados de forma pretensamente divertida. Enquanto os Muppets encontram-se em uma turnê mundial (leia-se europeia), um audacioso roubo é planejado. O sapo bom, Kermit, é preso na Sibéria e substituído pelo sapo mau, Constantine, a fim de que a trama maligna seja colocada em movimento.

As temáticas banais e lacrimejantes sobre a amizade, a família e o amor verdadeiro são utilizadas mais uma vez. Tudo adoçado com poucos momentos cômico e números musicais irregulares – revelação de que os Muppets se tornaram um pastiche de si mesmos. Nem mesmo Ricky Gervais, interpretando um dos vilões, consegue se apropriar do potencial humor non sense da narrativa.

Na verdade, o valor do filme se baseia no tipo de subtexto construído a partir da irracionalidade já apontada. Isso nos leva a questionar nas causas da insistência em uma comédia de fantoches para adultos (ou pelo menos para “todas as idades”). A poética infatilóide de Muppets 2 denuncia as dificuldades de coexistência entre o saudosismo e o burlesco. O resultado é o enfraquecimento da comédia e o apelo à lembrança de que já houve um dia no qual todos podiam sorrir dar tiradas inteligentes de um sapo de pano.

Firma-se mais um monumento da crise da comédia hollywoodiana contemporânea.

Cotação: Fraco