sexta-feira, 20 de junho de 2025

A chegada do outono

A chegada do outono. Aki tachinu. De Mikio Naruse, 1960.

Mikio Naruse (1906–1969) é um dos grandes nomes do cinema clássico japonês, cuja filmografia atravessa diferentes momentos da história do Japão contemporâneo. Em A chegada do outono, acompanhamos o processo de amadurecimento de Hideo, uma criança que, após ser abandonada pela mãe – que foge com um cliente da pousada onde trabalhava –, passa a viver com os tios em Tóquio.

O filme articula-se ao drama familiar, temática recorrente na obra de Naruse, mas também se aproxima de reflexões sobre a infância – uma preocupação presente tanto no Cinema clássico quanto na Nouvelle Vague japonesa. A narrativa busca representar como um menino de dez anos reelabora suas experiências ao se deslocar do interior para a capital. Hideo carrega o peso do estigma social da pobreza e da rejeição materna, sentindo-se um fardo para os tios. Apesar das dificuldades, tenta se adaptar à nova vida, desenvolvendo uma amizade com Junko, filha da proprietária da pensão onde sua mãe trabalhava.

O contexto social retratado no filme é o de um Japão em transformação, quase duas décadas após o fim da Segunda Guerra. A cidade de Tóquio surge como um espaço de descobertas, mas ainda atravessado por fortes moralismos. A família de Hideo reflete os conflitos geracionais de uma sociedade em mudança: seus primos mais velhos buscam se afastar do controle paterno, o que intensifica ainda mais as tensões dentro da casa.

O filme também revela as contradições de uma sociedade que se moderniza, mas preserva estruturas tradicionais. A figura da mulher fora dos modelos vigentes aparece como uma espécie de ameaça silenciosa às convenções. Prova disso é a situação da mãe de Junko, que vive como “segunda esposa”: uma relação extraconjugal marginalizada, mas que era mais comum na realidade do que os discursos conservadores admitiam.

A fantasia de Junko de que Hideo se tornasse seu irmão reforça o seu próprio sentimento de abandono da figura paterna. A amizade dos dois é o ponto alto do filme revelando o a dialética entre o desabrochar e o permanecer. Eles percorrem Tóquio descobrindo-se como amigos e como rejeitados. A cidade aparece como um substituto para as lacunas familiares.

A fotografia em preto e branco, marcada pela luminosidade dos dias de verão, privilegia espaços abertos, planos gerais e uma notável profundidade de campo. Embora trate de uma temática melancólica, o filme capta com sensibilidade o otimismo resiliente da infância, sem deixar de lado os momentos de tristeza e desconforto que marcam a trajetória de Hideo. O uso do cinemascope é particularmente eficaz: ao mesmo tempo em que estabelece uma certa distância confortável para o espectador, também permite uma imersão empática na vivência do garoto, reforçando sua condição de pequeno dentro da imensidão urbana.

Ao longo do filme, Hideo se empenha em capturar um besouro-rinoceronte para presentear Junko – um gesto que carrega o desejo de manter viva sua identidade e seus vínculos com o mundo rural de onde veio. No entanto, seus esforços se perdem no ritmo incessante da vida na cidade, produzindo um sentimento agridoce que perpassa toda a narrativa.

Assim, A chegada do outono não é apenas um retrato da infância, mas também uma delicada crônica sobre os afetos, as rupturas familiares e as contradições de um Japão em processo de transformação.

Cotação: ☕☕☕☕☕

Nenhum comentário: