quarta-feira, 30 de julho de 2008

Arquivo X – Eu quero acreditar


Arquivo X – Eu quero acreditar (The X-Files: I Want to Believe), 2002. EUA. 20h Century Fox Film Corporation / Ten Thirteen Productions / Crying Box Productions. De Chris Carter

Esse filme é a picaretagem do ano. Merece toda a galeria de troféus framboesas, o roteiro não tem um pingo de seriedade, desrespeita por completo a inteligência do leitor. E eu que achei que o pior filme visto essa semana fosse Batman... Hollywood sempre me surpreende.

Na série Arquivo X havia dois padrões para os episódios, aqueles mais elaborados e relacionados ao enredo principal – envolvendo uma conspiração alienígena – e os capítulos independentes. Estes últimos eram bastante desiguais, havia os bons, os ótimos e os péssimos, infelizmente este filme se encaixa nessa última categoria.

Fox Mulder está à margem do mundo (supostamente se escondendo do FBI) e Dana Scully trabalha em um hospital filantrópico, até serem contatados pela agência federal, da qual faziam parte, para resolver o desaparecimento de uma agente – o que, aliás, é só um pretexto para colocar esse casalzinho junto novamente.

Scully decepciona, e decepciona muito. Logo no começo, somos introduzido a sua sub-trama, a tentativa da médica em salvar um garoto de uma doença incurável. O padre dirigente do hospital parece ter uma incomum vocação em “deixar o garoto morrer em paz” (sim, ele diz isso), dificultando o máximo o trabalho da ex-funcionária do FBI. No entanto, a racionalista e pragmática doutora se recusa a largar o caso; de forma resoluta ela se posiciona diante da junta médica e argumenta ter encontrado uma solução.

Na cena seguinte ela está digitando no Google “terapia células troncos”. É... pelo jeito ficou muito fácil ser um pesquisador de ponta... E ainda a médica se ressente com os embargos apresentados pela família para continuar o tratamento... depois de tanta pesquisa...

E não é só isso, sua postura é completamente démodé. Scully se revela uma daquelas médicas cujo objetivo consiste em vencer, a qualquer custo, a doença, mesmo que o tratamento seja doloroso. Eu sou leigo no assunto, mas me parece que a tanatologia e a própria eutanásia trouxeram um novo entendimento para a medicina sobre a morte. O profissional da saúde não é um paladino em luta constante contra a finitude, sua função consistiria em permitir um bom viver ou um bom morrer. Claro que essa reflexão é muito específica, mas serve para enfatizar o retrato simplista feito da Scully.

Já Mulder está mais interessante, de um modo geral convincente. Quando eu era estudante secundarista, costumava falar (para causar frisson na comunidade máscula) que David Duchovny (o ator) era o homem mais bonito do mundo. Dez anos depois, acho que perdi minha habilidade de avaliar a beleza masculina, mas estou disposto a insinuar que ele está na lista dos mais decadentes de Hollywood. Com mestrado e quase doutorado em Literatura, Duchovny esnobou seu personagem, dizendo que havia abandonado a série para não ficar estigmatizado por esse papel (a síndrome do Capitão Kirk), mas vejam só o retorno do filho pródigo...

Após abandonar a série participou de excelentes produçoes como Feitiços do Coração (eca), Evolução (eca!!) e Zoolander (eca!!!). Enfim, sempre haverá um lugar para Fox em nossos corações, isto é, se você for um fã... Mas não vamos tocar no assunto dos atores, ou teremos que lembrar a atuação de Xzibit (que faz um programa na MTV americana), com um personagem completamente descartável e unilateral – sua função é ficar mal humorado, e só.

Arquivo X – eu quero acreditar é uma grande gafe, história completamente inverossímil, mesmo para uma ficção científica. Quando você se intera da trama não há como não ficar constrangido. Uma lógica aplicável a desenhos animados; a propósito, tem um episódio de halloween dos Simpsons que aborda justamente esse tema. O desenvolvimento do enredo se mostra tão capenga que os eventos vão se sucedendo sem muito nexo, mas com as convencionais pitadas de xenofobia (malditos russos!!). Além de frustrante, o desfecho nada elucida, mas escancara a fraqueza deste projeto.

A discussão fé versus religião fica solta, sobretudo nos momentos finais com a irreversível a crise da identidade da Scully. A própria dinâmica entre os dois personagens fica aquém do esperado, ainda que vez ou outra possa resultar bons momentos. Como o retorno dos dois ao FBI, eles param diante de um quadro do presidente americano George. W. Bush, fixam em sua foto e depois olham um para o outro. O semblante deles anuncia a distância de tempo entre os dois momentos (a época em que eram investigadores e a atual), sugere inclusive um constrangimento de Fox e Dana.

Incômodo dos ex-agentes com as mudanças ocorridas no FBI (o novo olho panóptico do governo) ou talvez constrangimento de Gillian Anderson e David Duchovny, por terem sido convencidos a entrar nessa furada.

Cotação: péssimo

terça-feira, 29 de julho de 2008

Batman – o cavaleiro das trevas


Batman – o cavaleiro das trevas (The Dark Knight), 2008. EUA. Warner Bros. Pictures / Legendary Pictures / DC Comics / Syncopy. De Christopher Nolan

Homem de preto, qual é sua missão? Encher a sala do cinema, arrecadar mais de milhão!”

Um filme bruto, parece ter sido roteirizado, dirigido e produzido por uma cúpula militar, não há qualquer sutileza, inteligência ou meias palavras. Tudo tem que ser explícito. A mais pura pirotecnia.

Documento importantíssimo para entendermos o pensamento reacionário contemporâneo, pois Batman nada mais é do que o Capitão Nascimento com um cartão de crédito ilimitado. Um genuíno cidadão americano (típico, diria), isso com certeza. Como todo os mocinhos deste filme, o homem morcego se acha no direito de quebrar as leis, seja buscando criminosos em outros países, torturando suspeitos ou disseminando escutas telefônicas.


[Imagens acima: O sagrado direito de tortura. Em Gothan, o insano agride o insano | Em Abughribnv o terrorista tortura o “terrorista”]

Alguns espertinhos ainda podem tentar justificar através do argumento de que Batman representa o “lado negro da América”. Mentira, representa só o lado patético, autoritário e medíocre. Não há qualquer dimensão humana no filme, os dois principais personagens – o menino de capa preta e o menino de maquiagem – não são humanos, mas simplesmente máquinas de destruição, a diferença é que um acredita na lei e na ordem (pela segurança tudo vale a pena!) e outro ama o caos (esse pelo menos resvala em certa sinceridade do militarismo americano).

Uma cidade que precisa de um justiceiro com roupas de estilo duvidoso não merece ser levada a sério – convenhamos Sr. Bruce Wayne, nos anos 80 o modelito preto era cool, agora só cai bem se você tiver 16 anos e uma tendência suicida. A armadura que esconde o milionário é quase alegórica, pois ela cria uma nova estética, que protege e defende, mas desumaniza e elimina a flexibilidade e capacidade de interagir com o mundo. Conserta-se a sociedade com repressão extrema a criminalidade e é só – o fato dos trânsfugas serem estrangeiros auxilia muito, diga-se de passagem...

A república romana nos legou o direito e a convicção de que não se é sensato torturar um prisioneiro. Mas parece que a nova (que na verdade é bem velha) geração de Rambos não foi informada sobre esses protocolos legalistas. O discurso gira em torno das balelas usuais, o bem coletivo se sobrepõe aos individuais, e quem decide isso é um mega-magnata que nas horas livres brinca de consertar o mundo através de sopapos.

A estética do filme tende para um realismo doentio, um esforço para nos persuadir de que a ficção e a realidade se equiparam. Nesse sentido a fotografia é eficiente, as explosões, as feridas no rosto do promotor (aliás, nosso Cícero contemporâneo) são convincentes e geram uma tensão permanente no público.


[Imagens acima: Qual imagem é real? Qual é ficcional? O nascimento do Duas Caras e a vitima dos Batmen contemporâneos]

Infelizmente Heath Ledger será lembrado por sua última atuação como o Coringa, e por causa da sua morte alguns querem ver genialidade em sua atuação. Que os mortos descansem em paz, mas histrionismo não é razão para destaque notório, e da representação pura da maldade o cinema americano está cheio. Aliás, o Coringa de Ledger é bem menos elegante que o de Jack Nicholson, pois este último ainda tinha uns arroubos poéticos.

Mas entre Tim Burton e Christopher Nolan há um mundo de diferenças. Enquanto um tende para o film o outro tende para o movie – embora, em última instância, ambos tenham sido bem acolhidos nos cinemas da América e do restante do mundo.

Enquanto Batman (des) protege Gothan, incentivando o aparecimento de uma variada fauna de insanos, o restante do globo ressente o excesso de justiceiros, que estão por aí a solta, levando uma ordem bem sui generis para rincões do mundo não branco...

Pois que Capitão Nascimento pode subir a favela e matar os crioulos.

Pois que Batman pode flanar pelos ares em busca dos chinas criminosos.

Pois que the american civilization white pode capturar o Coringa Hussein ou sair às caças do Duas Caras Laden.

Há uma coerência... cabe decidir se ela é implícita ou tácita.


Observação: imagens de torturas a prisioneiros retiradas de http://antidireitaportuguesa.blogspot.com/

Cotação: péssimo

10


10 (Ten), 2002. Irã/França. Abbas Kiarostami Productions. De Abbas Kiarostami

1ª Observação

Um dia, os americanos descobrirão o cinema iraniano. Esse será um bom dia para nós ocidentais, que teremos um novo fluxo de originalidade no cinema comercial. Claro que será uma adaptação, algo similar com o que vem ocorrendo com o cinema japonês. Mas indubitavelmente as produções iranianas possuem uma vitalidade que nos fazem falta.

2ª Observação

Ver filmes de países pouco conhecidos por nós, é uma oportunidade para confrontar nossos preconceitos e estereótipos com as auto-representações contidas nessas produções.

Em 10, percebemos que o cotidiano da sociedade iraniana não é muita diferente da nossa. Claro que eu não estou considerando esse filme como a revelação de uma verdade até então desconhecida. Mas não deixa de ser surpreendente vemos uma mulher iraniana falando de adultério, direito das mulheres, vida afetiva e problemas com os filhos.

A questão não é se estamos tendo acesso a uma verdade, mas sim que esse filme permite reconhecer em povos – que julgamos distantes – vidas e cotidianos muito próximos ao nosso. O cinema criando identidades culturais que transcende ao local.

3ª Observação

O filme se passa dentro de um carro, acompanhamos uma motorista que, ao longo da projeção, dá carona para várias pessoas. A partir do diálogo entabulado entre elas, vamos conhecendo algumas práticas e aspectos da sociedade iraniana.

Essa estrutura, embora original e bem trabalhada, é cansativa e acaba dispersando a atenção do espectador. A ausência de uma trama definida impede que o “efeito de realidade” seja maior, isto é, não embarcamos completamente na história.

Um filme dirigido não para a emoção ou o alheamento da realidade, mas sim para a reflexão e a ponderação.

Sem cotação

Um toque de rosa


Um toque de rosa, (Touch of Pink), 2004. Canadá. Sienna Films Inc. / Martin Pope Productions. De Ian Iqbal Rachid

Filme inteligente, embora resvale nos lugares comuns de filmes sobre homossexuais e casamentos “arranjados”.

Nesse filme temos a história do indiano Alim, um homossexual que tem como amigo imaginário ninguém menos que o espírito de Cary Crant. Alim, embora criado no Canadá, vive na Inglaterra, com seu namorado, Giles

A mãe de Alim, interpretada pela bela Suleka Mathew, sem saber da opção sexual do filho, quer que ele se case a qualquer custo. É dentro desse contexto para lá de batido que a história se desenvolve. Lembrei inclusive de Banquete de Casamento, dirigido por Ang Lee, que tem uma temática similar.

Um toque de rosa não é uma produção americana, mas sim canadense e inglesa, o que talvez tenha contribuído para umas cenas mais ousadas (se usarmos como parâmetros as produções hollywoodianas).

Os clichês estão presentes. Alguns estereótipos (não ofensivos, é importante frisar) sobre os gays, porém o que chega a ser incômodo é o lugar comum de contrapor culturas tradicionalistas (no caso os indianos) versus mundo moderno (ocidente, Inglaterra etc). A família de Alim se preocupa muito com as tradições, esquecendo o que seus membros realmente desejam. Solidariedade orgânica? Talvez.

Mas o filme é agradável, pouco humor, interpretações simples mais comedidas. Noru, mãe de Alim, é sem dúvida o segundo maior atrativo do filme.

O primeiro atrativo fica, sem pestanejar, para o fantasma de Cary Grant (interpretado por Kyle MacLachlan), vaidoso, convencido, levemente arrogante, seguro de si. Na verdade Alim projeta tudo o que deseja ser em seu amigo imaginário.

Alim é inseguro, sendo inclusive um pouco chato com suas indecisões. Falta a ele o arrojo de seu mentor imaginário, que vai a uma festa indiana vestido de Livingstone.

Sem cotação

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Kung Fu Panda


Kung Fu Panda, 2008. EUA. DreamWorks Animation / Pacific Data Images. De Mark Osborne e John Stevenson

Dizia-se, antigamente, das normalistas de 16 anos que, quando introduzidas na arte da culinária, faziam uma comida bem feitinha, mas sem sal, sem sabor. Faltava a elas o segredo daquelas cozinheiras que passaram a vida toda no fogão.

Isso é o que pode ser dito sobre Kung Fu Panda, filme tecnicamente bem feitinho, mas sem sabor. Tudo nele parecer ser resultado de técnicas computacionais, não só as imagens, mas também o roteiro e a direção. Talvez já haja um software capaz criar um filme, do argumento ao produto final, você digita as palavras chaves, tais como:

urso | kung fu | aceitação social | superar desafios | derrotar vilão

E o resultado seria Kung Fu Panda...

O urso gordo que sonha ser um grande lutador, por um acaso ele é selecionado para um rigoroso treinamento, sendo recusado por todos e tido como alvo preferencial de deboches. Porém ele acaba por descobrir seu valor e suas supostas fraquezas se revelam o grande trunfo, o único capaz de derrotar o vilão arrogante em busca do poder supremo, mas desabilitado a perceber as pequenas belezas e sutilezas da vida.

No decorrer do filme todos nós aprendemos uma lição, tal como “seja você mesmo” ou “não desista dos seus sonhos”. Porém, tal qual o urso do filme eu sou preguiçoso e sempre esqueço esses brilhantes ensinamentos; aliás, por isso mesmo eu retorno às salas de projeção para assistir essas animações.

Uma historinha engraçada, mas sem ousadia, as próprias cenas de combate são reduzidas, isso porque a censura tem que ser livre. Quanto aos personagens, o destaque fica para a tartaruga, guerreiro supremo e detentor de segredos milenares, mas que, como em todo filme de kung fu que se preze, por alguma razão não toma partido na luta final.

Assim como no filme há um ensinamento secreto para se tornar um grande mestre ou o ingrediente secreto para se tornar o grande cozinheiro, talvez haja o macete secreto para se fazer um grande filme. Aliás, não é nem tão secreto assim, todas aquelas animações insanas dos anos 30 e 40 o conheciam.

É só não acreditar que o software resolve tudo, que a animação 3D é a resposta infalível. A subjetividade e a inteligência ainda têm um papel no cinema, pequenino, mas existente. As cozinheiras velhas sabem disso.

Cotação: fraco

As Damas de Ferro


As Damas de Ferro (Satree lek), 2000. Tailândia. Tai Entertainment. De Youngyooth Thongkonthun

Definitivamente torcemos pelos mais fracos, pelas minorias. Por isso Jerry sempre ganha, enquanto Tom leva a breca. Frajola coitado, já cansou de perder para Piu-piu e Ligeirinho. Assim por diante...

Por isso um filme que fala sobre jogadores de vôlei talentosos que não podem entrar em times pelo fato de serem homossexuais tem tudo para conquistar nossa simpatia. Falo do filme tailandês As Damas de Ferro, que inclusive é baseado em "fatos reais".

A história narra a trajetória de um time de homossexuais e travestis no campeonato nacional da Tailândia. Possuem vários personagens interessantes, como "búfalo gay", um integrante do exército e Pia, uma belíssima drag queen, que consegue chamar atenção até mesmo dos homens. Porém o destaque são para os personagens Mong e Jung, dois talentosos jogadores. Também há a treinadora Bee (lésbica) e um único jogador hetero do time, que se por um lado tenta aceitar os outros integrantes, sente-se incomodado com as suas futilidades (como o excesso de maquiagem nos jogos).

O filme até que é engraçadinho, sem falar que, em termos éticos, é um filme sobre tolerância. Em outras palavras, até que gostei, embora haja uma série de problemas. O que eu vou falar agora dói... mas esse é um filme que deveria ser produzido por Hollywood (como sou vendido!).

Faltou um roteiro e uma trilha musical hollywoodiana para uma maior empatia com os personagens. Pois esse é o principal problema do filme, é espontâneo demais. Vejam bem, há um momento, mais do que previsível, que um dos dirigentes do campeonato nacional - um machista homófobo que folheia revistas com fotos de mulheres nuas - tenta impedir o time de jogar. Sua afirmação de que o time era composto de doentes é ouvido pela platéia inteira (na qual se encontravam presentes vários homossexuais e drag queens). O público incomodado com a declaração começa a gritar o nome do time. Se fosse um filme americano ouviríamos uma música lacrimejante, enquanto a câmera focalizaria o rosto enternecido dos jogadores e o apoio incondicional do público. Não resistiríamos e diríamos: "deixem as garotas em paz, elas só querem jogar".

Mas nada disso acontece... que pena...

O roteiro é muito simples, assim como a trilha sonora e a fotografia. Há algumas referências ao cinema americano mais do que gratuitas.

Cinema é manipulação. Ao assistir um filme nossos sentimentos devem ser manipulados (vide a última produção de Michael Moore), devemos ser conduzidos ao choro ou ao riso. Isso As Damas de Ferro não consegue. Naturalmente resultado de uma cinematografia incipiente, porém promissora.

Sem cotação

Observação: com esse texto começo a republicar as minhas mais antigas críticas, na medida do possível assistirei novamente aos filmes para ver se minha opinião mudou.

domingo, 13 de julho de 2008

Hancock


Hancock (Hancock), 2008. EUA. De Peter Berg.

Sexta-feira, região metropolitana de Belo Horizonte, estou em um Grande Shopping, na fila eu e mais uns tantos gatos pingados.

- Esqueci minha carterinha de estudante dona, digo temerosamente.

- Não tem problema, entra aí...

De fato, pensa a funcionária, antes meia-entrada do que nada... parece que o risco de falência flexibilizou critérios antes severamente cobrados. Há até uma poesia em um cinema que passa cópias dubladas de Hancock e cujas cadeiras são ocupadas por pequenos grupinhos de adolescentes em burburinhos que, no ápice dramático da projeção, pronunciam emocionadamente: “Pô véi, ele tá pedindo disculpa na humildade”...

Sim, John Hancock, interpretado por Will Smith, é alguém para os six-teen years se identificarem. Um herói bêbado que ameaça seus antagonistas com a frase: “Vou enfiar sua cabeça na bunda dele”; para o delírio do público, é claro.

Hancock é o Casablanca dos tempos atuais. Imaginem se Humprhey Bogart, ao invés de possuir um bar, tivesse poderes e saísse pela França desocupada executando ações mal-direcionadas de heroísmo. Durão, mas no fundo um sentimental. Novamente um triângulo amoroso mal resolvido e no qual a mulher – não importando a sua intrepidez – deixa as derradeiras decisões nas mãos dos homens.

Em suma, filme indeciso quanto ao seu gênero, pois, na primeira metade se apresenta como uma comédia, e nesse propósito até que é eficiente, mas nos atos finais passa a se levar a sério ressaltando algumas nuances dramáticas na pretensão de reviver as trajetórias dos heróis gregos. Falhas de roteiro a parte, a dificuldade de optar pela fábula ou pelo realismo fantástico se revela como o grande empecilho para a efetivação da proposta inicial (seja lá qual for!). O trabalho até que tem bons momentos, com atuação satisfatória de Smith que consegue transitar entre o burlesco e o trágico.



[Imagem acima: Humprhey Bogart e Ingrid Bergman, Will Smith e Charlize Theron - amores impossíveis. Caberá à figura masculina a decisão correta, pautada por uma ética sui generis]

Com desfecho conformista e chauvinista – viva a decisão masculina, a contenção das paixões, e o modelo convencional de família – os momentos finais eliminam toda e qualquer analogia com o drama ou a tragédia. O que resta é um otimismo meio bobo.

Mas para um filme dublado em um Shopping vazio e repleto de adolescentes, Hancock cumpre sua função: provoca as risadas, umedece as pálpebras e desperta nas novas gerações o reconhecimento da supremacia masculina e as benesses da fidelidade conjugal. Will Smith ensina que os brutos também amam.

Pedagogia cristã, a preços módicos e ao alcance de todos.

Cotação: Fraco

Procura-se Amy


Procura-se Amy (Chasing Amy), 1997. EUA. De Kevin Smith

Os três filmes de Kevin Smith que assisti – Dogma, O Império (do Besteirol) Contra Ataca e Menina dos Olhos – não foram muito animadores. Tanto que nunca me interessei em conhecer outros trabalhos desse diretor.

Porém Procura-se Amy é uma comédia romântica consistente o suficiente para redimir todas as suas nulidades anteriores e posteriores.

Comecemos pelo final. Não há o happy end costumeiro, Smith encontra uma forma inteligente de quebrar os clichês do gênero. Não vale a pena contar o final, mas posso adiantar que as comédias românticas iludem o espectador com desfechos irrealistas. Paixões e suspiros correspondidos só funcionam na tela do cinema, A Rosa Púrpura do Cairo está aí, para não nos deixar esquecer essa lição de Woody Allen.

Porém, neste caso específico, o final é uma premissa coerente da história. O enredo consegue trabalhar muito bem com a tensão entre uma forma moralista e outra mais “esclarecida” de compreender os relacionamentos humanos.

Procura-se Amy não é um filme sobre declarações de amor, mas sim sobre o fracasso dessas declarações. Falar a verdade, confessar, explanar suas emoções, ao contrário da estrutura clássica do gênero, não conduz a uma situação de concórdia ou amor. A confissão implica em se expor ao trágico e ridículo, ao isolamento e a vergonha.

Um cinema muito pessoal, pois o diretor – que assim como Tarantino, não consegue ir muito além das referências pops – faz poesia a partir de motivos escatológicos. O tema é o esdrúxulo, uma desvinculação definitiva entre amor e sexo. Um ataque frontal a ideologia reacionária do gênero, com suas eternas Megs Ryans e Sandras Bullocks, renovadas a cada década.

Prefiro não comentar nada sobre o filme e deixar as surpresas – que aparecem de forma gradual – para o expectador desavisado. Mas que fique o lembrete de que não são pelas nossas expectativas que o filme se resolve. É um filme sobre procura, mas só sobre a procura.

Cotação: Bom