quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Denominador comum: Criador X Criatura

Capote(Capote), 2005. EUA. De Bennett Miller
Conceição – autor bom é autor morto, 2007. Brasil. De André Sampaio, Cynthia Sims, Daniel Caetano, Guilherme Sarmiento e Samantha Ribeiro
Mais Estranho do que a Ficção (Stranger than Fiction), 2006. EUA. De Marc Foster

Em Conceição - autor bom é autor morto (2007), uma das pusilanimidades que assisti no Festival de Tiradentes de 2007, ficou patente o interesse dos aspirantes a diretores em discutir acerca da relação estabelecida entre o autor e o personagem. De que modo a criação literária ou cinematográfica afeta aquele que a originou?

Se formos pensar seriamente nessa matéria, teremos que reconhecer que, em alguns casos, escrever um romance ou um poema é um processo interno de modificação e confrontação – um embate psicológico e íntimo. É reconhecido que, ter redigido A sangue frio, afetou decisiva e sombriamente a personalidade de Truman Capote.

No filme Capote, de Bennett Miller, as relações estabelecidas entre esse escritor e os assassinos do massacre de Kansas City salientam o confronto existente entre o narrador e a figura envolta na narrativa. Nesse caso, Truman Capote procurou os criminosos, estabelecendo um contato com eles, na tentativa de compreender os elementos que os condicionaram a realizarem tal chacina. Verifica-se, de um lado, a ação do esteta/documentarista ao criar uma composição, na qual são suas próprias explicações que emergem, estruturando os eventos, uma forma de ter o controle do real vivido. Do outro lado, vemos o interesse dos envolvidos em fazer suas próprias interpretações sobressaírem nos escritos de um terceiro. A derradeira estratégia para a sobrevivência, perpetuação da memória pela canção de um aedos.

Com efeito, em Capote, os personagens, retratados como reais, não podem escapar das grades que lhes foram impostas. Já em Conceição, os personagens, existentes em uma realidade fílmica (como o galante ator que foge das telas do cinema em A Rosa Púrpura do Cairo) são capazes de promover uma insurreição, desprendendo-se do seu universo de origem e vindo confrontar diretamente seus inventores. Trata-se, de forma pouco elaborada, é verdade, da vingança da criatura (inconsequentemente criada) contra seu criador. Porém, inexiste uma possibilidade de diálogo, a metalinguagem é feita em mão única, um exercício de reflexão de estudantes de cinema, não se ramificando em uma trama adulta, na qual seria necessário um maior conhecimento sobre a razão de ser de cada ficção.

Sem dúvida que, em Conceição, a estrutura narrativa falha na tentativa de construir uma trama inteligível ao telespectador, capaz de mesclar a auto-citação e auto-referenciação com o desenvolvimento de um enredo coerente e significante.

Longe dessas debilidades também se encontra Mais Estranho do que a Ficção, na qual um homem comum se descobre personagem, envolto numa trama, parcialmente orientado por uma narradora onisciente. Assim, ele também se encontra preso e indefeso, já que não detém as informações suficientes para salvaguardar sua existência. A qualquer momento a narrativa pode ser encerrada, com a morte do objeto da narração.

Vemos um duplo confronto, em primeiro lugar há que se descobrir em qual narrativa Hardold, que se transformou em uma figura dramática, está inserido. Em seguida, criar caminhos para interação e negociação com a voz da narrativa, poderosa, colocada em uma posição de deus.

Nesse caso, vemos o confronto do homem comum com o universo hegemônico – mesmo que esse universo seja literário. Um simples auditor da receita federal pode ter sido alçado à categoria de herói, se dramático ou cômico ainda não se sabe.

Enfim, nos três casos vemos uma imbricação entre as esferas dos fictícios e a dos demiurgos. Situação mais evidente em Conceição, na qual personagens são paridos para serem abandonados a própria sorte. Por isso mesmo, eles retornam aos seus “pais”, questionando a razão da existência. Uma ação que não seria muito diferente se o homem tivesse a oportunidade de indagar seu criador.

Em Capote, os delinqüentes pertencem ao mesmo nível de realidade do escritor, mas ainda assim não deixam de ser personagens, querendo, de idêntica maneira, que Truman Capote interfira sobre suas vidas, ao menos de forma literária – já que não querem ser eternizados como assassinos.

Em Mais Estranho do que a Ficção, não há distinção entre o personagem, aprisionado em uma trama literária, e sua autora. Há a perspectiva de que eles acabem se encontrando, podendo um interferir na esfera do outro – ainda que as relações de força não sejam iguais. Mas, de qualquer maneira, o embate é franco e sincero.

O que toda essa discussão traz a tona é que os personagens têm vida própria, não são escravos dos seus criadores. Cada unidade tem sua carga dramática, suas especificidade, seria uma trapaça incorrer a qualquer elemento que pudesse contrariar as premissas básicas, sob o risco da incoerência e da inverossimilhança. Conan Doyle não conseguiu matar Sherolck Holmes, isso já nos diz muita coisa. O escritor jaz, mas seu personagem continua vivo, persistindo de diversas maneiras.

De fato, para um escritor, a prova maior de sua perenidade é ser convertido em personagem. Shakespeare virou personagem da história da literatura inglesa, Lima Barreto faz parte da tragédia dos mulatos cariocas, vítimas do preconceito e desdém do governo brasileiro - algo tematizado em seus próprios escritos.

A realização do ficcional pressupõe que o autor pertença aos dois mundos, portanto ele pode ser vítima dos seus escritos. Seus personagens se convertem em algozes, às vezes alcançando um sucesso inaudito e obscurecendo seus criadores.

No cinema isso também é verdade, quando alguém se põe a dirigir um filme em que ele mesmo atua, a sua pretensão é assegurar um controle total sobre os dois universos. Ser pai e ser filho de si mesmo. Uma façanha que, a despeito de todo avanço biotecnológico, só pode ser atingida por intermédio da arte. O aedos também tem sua parcela de divindade.

Cotação:

Capote: Bom
Conceição: Fraco
Mais estranho que a ficção: Regular

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Planeta Terror

Planeta Terror (Planet Terror), 2007. EUA. De Robert Rodriguez

O principal mérito desse filme é o interesse de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino em promoverem uma homenagem ao cinema de terror B.

Entre aspas, entre aspas. Porque, ao bem da verdade, cumpre lembrar a artificialidade dessa produção, uma vez que seu financiamento é de primeira linha. Há uma diferença entre o brega cabotino e o genuíno.

Esses dois diretores estão brincando com o universo do cinema, revisitando as mitologias e os estereótipos, criando releituras divertidas e bem articuladas, mas, carecendo de alguma originalidade e sofisticação. Mulheres nuas, carros envenenados, armas e cenas de mutilação estão longe de ser garantia de uma produção trash, já que são facilmente captáveis por qualquer produção de primeira linha.

Alguns elementos insistem em se repetir nos filmes de Robert Rodriguez. A figura da stripper (ou dançarina go go) é um deles, seja em Um Drink no Inferno (1996) ou em seu curta metragem contido em Grande Hotel (1995). Outro ponto que também já se repetiu é a fusão entre o homem e as armas, como aquele personagem de Um Drink no Inferno que acoplava uma pistola abaixo da sua linha do abdome... Algo também insinuado em A Balada do Pistoleiro (1995).

Justamente, em Planeta Terror, uma dançarina tem sua perna arrancada por zumbis, no lugar, como prótese, é colocada uma metralhadora automática. A garota se converte, portanto, em uma arma, se colocando em posições muito sugestivas para poder disparar conta seus agressores. Aliás, o filme começa com uma de suas apresentações no palco, quando ela exibe suas duas pernas, em uma dança sensual. Armas e sexo, uma representação corriqueira no imaginário adolescente, mas que, convenhamos, soa muito paspalhona para qualquer telespectador médio.

Não adianta a alegação de que o diretor pretendia realizar um filme despretensioso, com uma anti-estética, e, por isso, liberar todas as suas projeções juvenis, como as previsíveis sugestões ao lesbianismo. É um filme de zumbis, próximo A volta dos mortos vivos (1985), que, por sua vez, é uma releitura limitada dos clássicos do gênero.

Em termos de fotografia, o filme também simula uma precariedade da película, o que, obviamente, é outro artifício. Na verdade é de se questionar qual o interesse cinematográfico em realizar produções dispendiosas para mimetizar o trabalho de diretores, independentes ou não, que com poucos recursos fazem o melhor que pode. É como se fosse uma festa à fantasia, na qual todos os ricos fossem fantasiados de mendigos.

Divertido? Sim. Limitado? Com certeza. Isto é, desde que você não tenha mais 16 anos, o que não parece ser o caso de Quentin Tarantino e seu fiel escudeiro Robert Rodriguez.

Cotação: Regular

O Rei e Eu

O Rei e Eu (The King and I), 1956. EUA. De Walter Lang

Muito já foi dito sobre a representação da Ásia e da África colonial no cinema ocidental. Esses filmes, comprometidos ideologicamente com a política imperialista, justificaram e legitimaram o domínio dos países europeus sobre suas colônias.

Filme que faz parte dessa galeria é o clássico O Rei e Eu, produzido no ano de 1956. A história é sobre uma professora inglesa, Anna Leonowen, que em meados de 1860 é contratada pelo rei de Sião para ensinar seus filhos.

Os primeiros planos do filme nos ajudam a dimensionar o exotismo de Sião, pessoas com trajes exóticos, elefantes trafegando pelas ruas e monumentais palácios. Depois, a partir do olhar de Anna, conheceremos o rei, suas esposas e seus filhos (este um dos momentos famosos da história do cinema).

O filme é estruturado na relação entre a professora (representação da cultura e domínio ocidental) e o rei de Sião (representação do exotismo e atraso do oriente). Na verdade, o rei é sagaz e inteligente, embora seja desprovido do saber europeu. Caprichoso e orgulhoso como “devem ser” os soberanos do oriente ele recorre à professora para tornar seu país “mais científico”.

O clímax do filme está ligado exatamente ao desejo e necessidade do rei em mostrar a Inglaterra que seu país havia se tornado científico. A rainha Vitória, informada de que Sião era um país bárbaro decide enviar uma comitiva para averiguar essas informações, caso as denúncias fossem confirmadas seria instalado no país um protetorado militar.

Para evitar a intervenção inglesa, Sião deve se mostrar suficientemente civilizada e para isso o rei necessitará da ajuda de Anna. Uma recepção é preparada para receber a comitiva inglesa, enquanto as esposas do rei aprendem a usar talheres e vestidos do Ocidente. Percebemos que a Inglaterra coube o direito de decidir quais são os povos bárbaros e civilizados, tendo como padrão de referência sua própria cultura.

Embora a mensagem seja eurocêntrica, o filme acaba, por um momento, se traindo. Anna convence o rei a ofertar um espetáculo durante o banquete, uma peça teatral para impressionar os ingleses. A idéia de Anne é apresentar a adaptação do livro A cabana de pai Tomás feita por Tuptim, a mais recente das esposas do rei – que é inconformada com sua situação de concubina.

Esse é o melhor momento do filme que, involuntariamente, desmonta todo o discurso colonial. A história encenada pela jovem esposa, não se passa no sul dos Estados Unidos, mas sim em Sião. Tuptim usou a obra de uma escritora norte americana para declamar a sua própria condição de escrava.

Cai por terra todo o discurso da necessidade de se civilizar, pois, no próprio ocidente – a suposta civilização – existia a barbárie, os Estados Unidos estava no auge da Guerra Civil. Um violento conflito para tentar por fim a escravidão.

Tuptim aproveitando das festividades foge para encontrar com seu verdadeiro amor, porém é capturada e colocada em presença do rei e de Anna. O rei incapaz de castigar sua concubina em presença de Anna – em presença dos olhos da civilização – cai em uma intensa depressão, adoecendo profundamente e confirmando os temores de seu primeiro ministro de que a professora o destruiria.

Anna rompe definitivamente com esse país, não suportando viver naquela barbárie. Porém, antes de sua partida, é informada de que o rei está morrendo o que a leva a retornar à presença do soberano.

Momentos antes de seu desfalecimento o rei passa o reino ao seu jovem filho, este possui a mesma impetuosidade paterna. Enquanto o príncipe faz seu primeiro pronunciamento ao pequeno grupo que rodeia seu pai moribundo, este confirma a continuidade do magistério de Anna.

O embate do rei com a civilização foi doloroso e esgotou toda sua energia. Ele deve morrer para que seus sucessores, uma geração revitalizada, distante das bárbaras tradições, se aproximem mais da Inglaterra.

Novamente o projeto colonizador se afirma, a civilização vence a barbárie, o preço é a morte do rei, isto é, dos antigos dirigentes que serão sucedidos por uma nova geração mais ocidentalizada. Anna continuará professora do jovem soberano, exercendo sua influencia sobre ele, mantendo a ocidentalização.

Rei morto, rei posto. Enquanto um falece o outro é coroado, repudiando a barbárie, mas não a submissão à Inglaterra. Ansioso pela ocidentalização, o jovem príncipe se diz rei em presença de sua professora, uma inglesa. Mais um país oriental que passa a ser tutelado pela Inglaterra.

Enfim a civilização...

Cotação: Bom

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

1408

1408 (1408), 2007. EUA. De Mikael Hafström.

1408 = 1+4+0+8 = 13

Um filme feito a partir de um livro de Stephen King é um filme feito a partir de um livro de Stephen King. Se considerarmos essa premissa válida, podemos seguir em frente.

Na maior parte do tempo é um filme mediano, o que se deve mais ao roteiro, bem didático, do que ao enredo abordado. Temos um caçador de fantasmas, chamado Mike Enslin (interpretado por John Cusack) que, devido a problemas não resolvidos no passado, decidiu-se tornar um pesquisador (sic) de evidências sobrenaturais.

Geralmente ele se hospeda em lugares com fama de mal assombrados, na tentativa de estabelecer contatos com ecos de outro mundo. Mike Enslin recebe um estranho convite para se hospedar no quarto 1408 do Hotel Dolphin, mas o gerente (Samuel L. Jackson) tenta dissuadi-lo desse intento. Tal quarto tem um longo histórico, com o falecimento (por mortes naturais ou não) de vários hóspedes. Cético e arrogante, o personagem de Cusack decide arriscar, para finalmente ser confrontado por eventos contrastantes a sua racionalidade.

Não vou buscar furos e incongruências nessa história (quem era a estranha mulher com o sinistro carrinho de bebê? quem souber favor me responder), afinal, Stephen King é S. King, já devíamos estar acostumados. Mas, para os apreciadores do gênero de terror/horror, essa produção não decepciona, até porque realmente ela é bem feita. Logo na introdução já entendemos que tipo de pessoa é Mike Enslin, em seguida vemos o rápido (porém importantíssimo) embate entre ele e o gerente do Dolphin. Tudo feito de forma eficiente, sem excessos e picaretagens.

A própria maneira como o diretor constrói a cidade de Nova York é eficiente, trazendo a tona o lado sinistro da metrópole, com suas luzes desfocadas e a impessoalidade dos arranha-céus.

A ascensão do horror no quarto se dá de forma gradual, partindo, a princípio, de pequenos indícios (aparentes coincidências) para progressivamente ganhar forma, com a inconteste presença do sobrenatural. Sabe-se que o quarto é maléfico, mas não há um conteúdo específico relacionado a ele, isto é, sua natureza não é necessariamente fantasmagórica. Trata-se de um espaço anômalo, capaz de exercer uma pressão sobre seus hóspedes, ao diluir as fronteiras entre o real e a alucinação.

E é justamente nesse ponto que eu quero me reter. A maneira que o horror emerge no filme é a justaposição entre a percepção real e o delírio, pois, gradualmente, para o personagem e o próprio expectador, torna-se impossível distinguir a realidade do desvairo. Algo que também pode ser percebido em outros filmes roteirizados a partir das histórias de S. King. Mas que aqui é radicalizado a ponto de confundir definitivamente o espectador.

O desfecho sem dúvida é sem-vergonha e eclipsa os poucos méritos do filme. Uma vez no quarto 1408 torna-se impossível manter a consciência, a mente se abre, introduzindo as lembranças, os receios e as fraquezas – mas permanece a dúvida sobre qual dessas visões estão intricadas no universo real e concreto. Ao quebrar definitivamente a distinção entre a percepção factual e a alucinação, tudo se torna válido, ficando fácil demais confundir o público. Torna-se possível, inclusive, brincar com o tempo e o espaço, jogando o personagem em acontecimentos que nunca ocorreram e os dotando de uma coerência desnecessária.

Enfim, é um logro, ainda que bem apresentado. Na suposta abordagem investigativa, vemos um esquema desgastado do gênero de terror. Por detrás do 1408 se esconde o previsível 13. Bu! Um susto atrás do outro. Bem concatenados, suspense na dose certa. Mas só.

Recepção, fecha a conta. Estou partindo.

Cotação: Fraco

Hairspray (notas gerais)

Hairspray – em busca da fama (Hairspray), 2007. EUA. De Andan Shankman

Hairspray – em busca da fama pode ser resumido como um filme politicamente correto, ainda que salpicado por um humor um pouco mais ácido. Originalmente um musical da Broadway, cujo título era certamente um trocadilho com Hair, outra famosa produção.

Michelle Pfeiffer roubou a cena, interpretando uma mulher egoísta, convencida e preconceituosa, se valendo de todos os recursos para garantir a vitória de sua filha em um concurso de danças exibido por um programa de televisão direcionado para adolescentes.

A estreante Nikki Blonsky fez uma boa apresentação, ao encenar Tracy Turnblad, uma garota obesa apaixonada pela dança e pelo galã da escola. John Travolta faz o papel da mãe de Tracy, boa atuação, mas sem maiores destaques (e também oportunidades para se destacar).

O filme se alonga demais em algumas questões, acabando por se tornar tedioso e obscurecendo seus poucos momentos de humor. A questão dos problemas étnicos, ainda que atual, é abordada de uma forma um tanto descontextualizada. As trilhas musicais, de um modo geral, são divertidas.

Uma boa opção para sessão da tarde e nada mais...

Cotação: Fraco

sábado, 17 de novembro de 2007

A loja mágica de brinquedos

A loja mágica de brinquedos (Mr. Magorium’s Wonder Emporium ), 2007. E.U.A. De Zach helm

Assistir um filme como este nos impõem vários desafios. A começar pelo problema das dublagens, pois, supõe-se, que nossas crianças não sabem ler. O primeiro filme com legendas que assisti foi Lua-de-mel assombrada (com Gene Wilder, lembram?) e eu só tinha sete anos. Claro, eu não era prodígio nenhum, a indústria cultural é que não havia desenvolvido essas novas táticas de massificação.

Eu aprecio muito os filmes (e a (boa) literatura) direcionada para o público infanto-juvenil, pois é importante fornecê-los experiências estéticas válidas e compatíveis com seus níveis cognitivos. Porém, as crianças estão mais preocupadas com a pipoca, comendo porções cada vez maiores (regadas a coca-cola) e não raro engasgando. É difícil se concentrar no filme, pois, além da dublagem há o problema dos mastigados dos garotos. Contudo, o silêncio dura enquanto durar a pipoca, terminado o consumo, eles começam a se remexer nos bancos, a conversar com as mães, a andar pelos corredores. Enfim, é um inferno. Deveriam fazer um balde de pipoca que durasse durante toda a projeção. Um pote gigantesco, no qual as crianças cairiam e se afogariam.

Mas, em parte, a culpa também é do filme, que não consegue desenvolver um bom diálogo com seu público alvo. Não que Natalie Portman não tente, já que sua atuação é completamente infantilizada (e não é a personagem, mas a atuação da atriz). Até confesso que ela está uma gracinha, mesmo num papel tão limitado. Porém, há algumas cenas constrangedoras, na qual a bonitinha Molly Mahoney (sacaram as sutilezas do nome?) demonstra uma dificuldade de escapar do mundo infantil e se integrar ao universo dos adultos. Um erro em que nem o próprio Magorium (Dustin Hoffman), o mágico criador da loja, resvala, já que, apesar de sua excentricidade ele parece ter uma percepção bem definida dos elementos da vida. Suas frases, ainda que piegas, denunciam uma sincera interpretação da realidade, abordando questões complexas, como a morte, por exemplo.

Uma das principais deficiências do filme é que a questão da mágica tem um papel diminuto, optando por enfatizar os dilemas e as dificuldades dos personagens. Questões desinteressantes como o garoto que não conseguia fazer amigos, o contador incapaz de usar a imaginação e as dificuldades de Mahoney em “encontrar seu caminho” é que dão o tom da história. O próprio cenário da loja, com seus brinquedos sui generis, raramente desperta o espanto e a admiração do expectador, acostumados a composições mais grandiosas, a exemplo da franquia Harry Potter.

O mais destacável é a sinceridade do roteiro, não extrapolando seus objetivos ao abordar a dicotomia loja mágica-mundo real de forma convincente. Só vêem o maravilhoso aqueles que querem, o resto, os adultos, desapercebem as coisas ao redor. Nas cenas em que Mahoney e Magorium dançam na rua ou pulam nos colchões de uma loja de estofados, vemos o desinteresses dos demais, que andam eretos e rápidos, incapazes de se integrar àquele universo mágico.

A trama se encerra didaticamente, cada personagem aprende uma lição, o que não equivale, necessariamente, ao crescimento. O desfecho também é limitado, não gerando um deslumbramento final no público.

Aliás, um público difícil. Que fala demais, que come demais, que conversa demais. Poucos conseguem se integrar plenamente na dinâmica mágica do enredo. Ainda há que se discutir a necessidade de um cinema próprio para as crianças, a sala escura talvez não seja a melhor estratégia. Nesse sentido, não é que as crianças são travessas e nem que o filme falhe completamente. É muito mais o mal humor do crítico perante o risco de massificação do público jovem. Os meninos até querem o cinema, porém é crucial que as narrativas fílmicas, o espaço físico da exibição e o posicionamento dos pais ensinem – sem ser pedagógicos – as formas mais proveitosas de interagir com a sétima arte.

Porque correr no cinema e se engasgar com a pipoca não dá. Simplesmente não dá.

Cotação: Fraco

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Extermínio 2

Extermínio 2 (28 weeks later), 2007. Inglaterra. De Juan Carlos Fresnadillo


Da ordem ao caos, do caos a ordem e, da ordem, novamente ao caos.

A frase acima ilustra muito bem o sentido de Extermínio 2, uma excelente continuação do trabalho inicial de Danny Boyle. Nesse filme são abordadas as tentativas da reconstrução de Londres, 28 semanas após o incidente inicial da propagação do vírus.

O exército americano invadiu a Inglaterra, cabendo a si a responsabilidade de reconstrução. Os nossos bons ianques dão como certo a extirpação da doença e a eliminação dos infectados. Portanto são criadas zonas de segurança para o retorno dos refugiados.

Infelizmente, para os sobreviventes ingleses, os americanos são uma péssima tropa de ocupação (vide Vietnã, Afeganistão e Iraque). Como metáfora sócio-política, o filme alcançou seus objetivos, ao mostrar a inépcia dos americanos em administrarem uma zona pós-guera e como seu descuido e truculência atingiram resultados inversos aos esperados.

Quando a reinfestação começa, vemos a disposição do exército em eliminar todos, os infectados e os sãos (em uma atitude que seria congratulada pelo secretário de segurança do Rio...). Mas, é importante frisar que o filme não é maniqueísta, os americanos são bem intencionados, mas, ao se deparem com o caos, o desespero é inevitável.

Inclusive, é curioso pensarmos que neste filme temos uma novidade: o deflagrar de uma nova onda de contaminações era uma possibilidade prevista, daí a existência do esquema de segurança “Código Vermelho” – nos filmes tradicionais, a irrupção dos zumbis era uma imprevisibilidade, dificultando a organização de sistemas defensivos. Caberia entendermos como militares com armas e em prontidão puderam ser derrotados, mesmo com um planejamento prévio. O que temos é uma representação da falência do estado e de sua incapacidade para gerir o conflito civil.

Extermínio 2: uma continuação ou um recomeço?

De fato eu não esperava que a segunda versão tivessem muitas relações com o trabalho original, sobretudo ao saber que os atores e o diretor seriam trocados. Eu já estava esperando a carnificina sem sentido, ao ritmo de Resident Evil. Mas há uma unidade muito grande entre esses dois filmes: os planos gerais da cidade (revelando a desolação ou o recomeço), a fotografia azulada e melancólica (lembrando uma triste manhã de inverno) e o enfoque no desespero dos personagens. Além disso, como um eixo transversal, nos dois casos, teríamos uma trilha sonora similar, alucinada, mas não frenética.

Há algumas falhas no roteiro, entretanto, no próprio Extermínio 1 (28 days later), também existiam problemas, sobretudo na segunda metade, a ponto de alguns falarem em cada metade ser um filme diferente. Já na continuação, a coesão entre os capítulos é bem maior, ainda que o clímax deixe a desejar, resultando em um desfecho abrupto, que quase trai a premissa original. O confronto final, se é que podemos usar esse termo, não é marcado pela proliferação dos “zumbis”, mas sim por um único infectado que é a peça chave da trama.

Personagens: vítimas do caos

Além da crítica a ineficácia militar, a reflexão mais evidente se relaciona a sacralidade da família: ela é uma instância capaz de resistir às pressões da barbárie? Mais de uma leitura pode ser detectada. O enredo se desenvolve justamente a partir de uma cena em que um marido não hesita em abandonar sua esposa a horda de canibais. Arrependido e torturado por sua fraqueza, mais completamente ciente de que no momento do caos e horror a auto-preservação prevalece. Sua consciência é outra peça chave para o desenvolvimento do argumento central.

A principal falha de 28 weeks later reside na quantidade de personagens que dividem os atos. Inicialmente, é difícil sabermos quais serão os eleitos para a sobrevivência e só no meio da narrativa entendemos qual é a escolha feita. Chega a ser decepcionante vermos personagens mais interessantes serem abandonados em proveito de dois adolescentes. Talvez a última tentativa de defender a possibilidade de uma inocência e regeneração.

A globalização do desespero

O final de Extermínio 2 é o encontro com o prólogo de Madrugada dos Mortos. O que é uma pena, pois a singularidade desse trabalho era justamente enfocar na univocidade da experiência inglesa. A possibilidade do vírus sair da ilha, abre um novo caminho a ser explorado, derrubando as certezas de um porto seguro para a civilização. Mas é esperar para ver, por hora, cabe refletir porque as temáticas dos zumbi retornaram com força no cinema hegemônico e mesmo em produções semi-independentes.

Interesse pela crítica social? Ou simplesmente um sentimento de desolação e abandono causado pelas perversidades da globalização?

Cotação: Bom

Velozes e furiosos 2

Velozes e furiosos – desafio em Tókio (The Fast and the Furious: Tokyo Drift), 2006. EUA. De Justin Lin

Quando entrei na sala do cinema senti cheiro de pipoca, ouvi o barulho das latas de refrigerantes sendo abertas. A maior parte do público era casais de namorados; havia também grupinhos de amigos. Só eu não fazia parte daquele cenário. Procurei o assento mais distanciado e me preparei para as tolices de sempre.

Me surpreendi. Era bem pior do que eu pensava. Banal e ultrajante.

Uma moça propõe a dois competidores que o vencedor ficaria com ela; se coisificando de tão bom grado... Durante o racha: batidas, destruições e acidentes, mas parece que ninguém está preocupado com as conseqüências. Sean Boswell, o mocinho do filme – um jovem com menos de 18 anos –, ao capotar seu carro, sorri.

É esse o espírito do filme: inconseqüência perante tudo.

A própria narrativa é inconseqüente, pois em poucos minutos o garoto problema já está no Japão, estudando em uma escola japonesa, mesmo sem saber falar o idioma local. O garoto saiu dos E.U para evitar problemas, para isso foi morar com seu pai. Este pede que ele fique longe de carros e confusões. Na cena em seguida Sean Boswell já está atrás de um volante, flertando a namorada do bad boy local.

Corre-se. Assim é o filme, uma correria sem fim, carros e mulhres-objetos sendo exibidos. Uma musica dançante ao fundo e frases de efeito que não deveriam ser expressas nem nos para-choque dos caminhões.

Pasmem: o filme é anti-americano. Não há família no filme, apenas genitores relapsos, que não sabem cuidar dos seus rebentos. Não há comunidade, não há país, não há nada. Os carros correm, e isso é tudo. Nem o clássico conflito entre bem e mal está presente. Pois todas as personagens fazem parte do mesmo mundinho ridículo, você pode torcer pelo mocinho, mas sua causa não é melhor que a do “vilão”.

O desconforto que o filme me causou só não foi maior do que meu desprezo pelo público do cinema. Mastigava-se pipoca, dava-se beijos, urros, gritinhos, aplausos e comentários ridículos. Parecia que o filme só incomodava a mim.

Carros correm pelas ruas da cidade, passando por automóveis de motoristas “normais”, os carros batem, as vezes explodem, e as pessoas aplaudem. É inconseqüente, é anti-iluminista. A preocupação com o humano foi perdida, a relação de causa-efeito esquecida. O que importa é aprender a dar a manobra drift, o que vale a pena é faturar a garota.

No cinema, o público delira. Comenta-se a beleza dos carros, elogia o desempenho das manobras. Só eles não perceberam que é um racha. Só eles não perceberam que o filme é um elogio ao banal, (corre-se para ver quem é o melhor).

Quando o filme acaba, os casais se levantam abraçados, os rapazes comentam os carros. As moças arrumam o cabelo. O grupo de amigos brincam entre si, satisfeitos com o entretenimento. As latas de refrigerante estão vazias, assim como o saco de pipocas.

Eu continuo sentado, insatisfeito, perplexo. Filme e público me cansaram, levanto desanimado e vou para o ponto de ônibus. Final do espetáculo e eu estou infeliz:

... quero meu dinheiro de volta.

Cotação: Péssimo

Amantes constantes

Amantes constantes (Les Amants réguliers), 2004. França. De Philippe Garrel.

O cinema francês costuma ser ingrato com seu público, obrigando-o a acompanhar uma narrativa lenta e introspectiva, capaz de cansar até o espectador mais experimentado. Entretanto se essa dificuldade for transposta, muitas vezes temos a oportunidade de depararmo-nos com excelentes filmes.

Esse é o caso de Amantes Constantes, que consegue mostrar-se como um filme maduro e consistente. A autoconfiança do diretor é clara, pois ele faz um preâmbulo de uma hora, praticamente uma outra história dentro do enredo principal – mas de maneira alguma isolada.

Em um primeiro momento vemos o confronto entre estudantes parisienses e as forças policiais nas barricadas de 1968 – as esperanças, o medo e as expectativas com essa mobilização dos jovens e dos proletários. Em seguida (a maior parte do filme) acompanhamos o desfecho e o significado dessa experiência para os seus participantes.

Os protagonistas tiveram uma vivência fascinante durante as manifestações, contudo, ao serem política e taticamente derrotados, acabaram se voltando para uma atitude auto-contemplativa, sem força para criar novas estratégias de confrontação. Essa apatia dos personagens é bem expressa no vício pelo ópio, naquelas reuniões silenciosas, nas quais não há mais nada para ser discutido.

Essa ausência da ação política é refletida na própria fluidez do filme. A narrativa é arrastada, ela não se encaminha de evento a evento, é mais uma descrição: dos percursos pela cidade, dos encontros, dos amores. Só mais ao final “pescamos” a trama que orienta o filme. Dá até para ver um pouco de Godard em Amantes constantes, nos momentos em que os atores fixam diretamente a câmera e desafiam a verossimilhança cinematográfica, chegando ao ponto de citar Bertolucci...

Um cinema introspectivo, que para a câmera no rosto do personagem e deixa o tempo correr, cabendo ao expectador encontrar um sentido naquela expressão. O que fazer depois que o sonho da revolução não logrou? Como por o proletariado no poder se ele não quer estar lá? Talvez sejam essas as perguntas colocadas em rostos jovens mais distantes

Enquanto os operários retornam às fábricas, os jovens devem encontrar uma nova razão de ser. Esvaído o sonho revolucionário só cabe voltar para si mesmo, encontrando nos amores ou nas drogas uma sensação próxima ao que sentiram naquela estação de flores e contestação. Os personagens principais, um casal de amantes, são também um resultado da experiência de 1968. É através desse relacionamento que vislumbramos com maior clareza o que ficou e o que foi perdido dessa transformação política e cultural.

Trata-se de um filme denso, seus 171 minutos de duração, combinado com uma contrastante fotografia preto e branco certamente é um convite a manter as salas de projeção esvaziadas. Com uma temática que provavelmente interessará somente aos espectadores mais intelectualizados (e olha lá) Amantes constantes é um filme bem destoante do que estamos acostumados a ver nos cinemas – mesmo naqueles circuitos menos comerciais.

Um belo e forte filme, mas, quem é que vai vê-lo? Quem?

Cotação: Ótimo

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Editorial - fim do Cine Brasil

Muito além dos neo-pentecostais.

Na década de 1990, Belo Horizonte foi arrastada para o círculo de especulação imobiliária. No afã de se produzir milhões, picaretas foram encomendadas para por edifícios ao chão ou, ao menos, reestruturá-los completamente.

Vítima preferencial dessa horda comandada por engravatados foram os antigos cinemas da capital belorizontina. Eminentemente populares, eles representavam o acesso da população as salas de exibição, pagando um preço diminuto. Inseridos no coração das metrópoles, eram uma fonte de entretenimento bem localizada e inclusora, tratava-se da diversão para as massas, no melhor sentido da palavra.

Pois bem, tais espaços foram arrasados, fossem para ser convertidos a templos dos neo-pentecostais ou a shoppings-centers, os templos da classe média. Houve, na época, quem protestasse, mas o fizeram com tanta cautela que não foram ouvidos suficientemente.

O cinema ficou aos encargos dos shoppings, que perverteram sua idéia original. As salas foram reduzidas, os preços dos ingressos aumentaram (o da pipoca então, nem se fale), criou-se toda uma estrutura de consumismo, para prender o incauto público. Dos estacionamentos subterrâneos às salas de exibição (com baldão de pipoca a 10 reais), do cinema à praça de alimentação e, dali, para as lojas, para, finalmente, retornar ao subterrâneo, retirar o carro, e voltar para o sweet home, sem observar a cidade, o mundo ao redor – suas pobrezas e suas grandezas. Enfim, o cinema caiu numinvólucro asséptico.

Claro que houve alguns cinemas que, para o bem ou para o mal, resistiram, entretanto se tornaram demasiadamente elegantes, nostálgicos e auto-centrados. Porém, bem ao centro de B.H, um grande edifício se tornou remanescente, escapando dos neo-pentecostais e dos neo-consumistaa. O Cine Brasil permaneceu, ao menos, como um esqueleto, uma ruína do que um dia foi o cinema na capital mineira. Essa estrutura era coerente com a atual fisiognomia da metrópole, uma perfeita representação do nosso abandono.

Mas eis que a camarilha de Pimental percebem o potencial político de tal edificação e, como já haviam feito com outros espaços públicos, decidiram capitalizar essa construção em proveito próprio.

Ratos. Bando de ratos.

Não satisfeitos com essa calhordagem, entregaram esse patrimônio coletivo a gestão privada de um cartel multinacional de siderúrgicas, as empresas Vallourec e Mannesmann, formando a V&M.

Resultado, o antigo Cine Brasil será transformado na V&M Brasil. Entenderam a sutileza do nome? Sacaram o deboche? Viram como eles estão rindo de nós? De fato, é engraçado, o que era público agora é a V&M.

Estou equivocado, dirão alguns. A V&M somente está a patrocinar esse projeto cultural, que difundirá a cultura para todos, o bom gosto, os altos padrões estéticos. Balela. É outro espaço de B.H que se aristocratiza, pois sabemos que a população, de um modo geral, não freqüenta esses espaços culturais “requintados”, vide o caso do Humberto Mauro.

São sempre as mesmas gentinhas, a classe média e os estudantes de ciências humanas que fazem daquela localidade um ponto de encontro para o happy hour. O povão, raramente adentra nesses espaços, e quanto isso ocorre são tratados com uma condescendência horrorosa. Caridade, isso é o que as elites julgam fazer.

Por mim, que ponham fogo no Cine Brasil, pois esse fim é mais glorioso ao futuro que o espera: o cinema do povão vai virar casa de culturinha para os maconheiros da Savassi. Isso é difícil de engolir.

Quem viabilizou esse assassinato foram os intelecutalóides de Pimentel e quem o perpetrará será uma siderúrgica, que se preocupa com o ambiente e a cultural. Claro, alguns verão incoerência em um conglomerado industrial e empresaria que vilipendia o meio ambiente e explora a força de trabalho nacional e, ao mesmo tempo, afirma seu interesse com a natureza e a arte.

De fato, se almejasse uma obra para o público, o caminho seria outro, bem diferente, jamais passando pela concepção da V&M Brasil. Mas estamos falando de auto-promoção. É a globalização: a corja belorizontina e a corja gringa sentadas na mesma mesa, se deleitando com a ingenuidade dos parvos e com o cinismo da realpolitik contemporânea.

sábado, 3 de novembro de 2007

E Deus disse a Caim

E Deus disse a Caim (E Dio disse a Caino), 1969. Itália. De Anthony Dawnson (Antonio Margheriti)

Dá trabalho redigir esses textos. Além disso, não é nem um pouco gratificante, pois ninguém ler. Sempre estou às vias de desistir desse blog. Mas felizmente ou infelizmente sempre surge um filme que me faz escrever mais uma crítica.

Gary Hamilton (interpretado por Klaus Kinski) é um homem que foi injustamente acusado, depois de 10 anos de prisão ele volta querendo vingança. É dentro dessa premissa clássica (para não dizer batida) que o roteiro se desenvolve. O filme tem uma direção competente, com movimentos de câmeras típicos do western italiano do período.

Quando o protagonista visualiza seus inimigos, a câmera faz um zoom e para no seu olhar, fixo, inexpressivo e cheio de ódio – sim, as fontes de Tarantino passam por aqui. A propósito, a câmera se movimenta muito bem, fazendo interessantes trajetórias, indo do plano geral, o cenário, para um primeiríssimo plano, centrado no rosto dos personagens.

Via de regra, eu não gosto de filmes do gênero: a cenografia repetitiva, os argumentos eternamente reciclados, a péssima maquiagem, o excesso de luz me desmotivam. Além disso, a estrutura básica – diplomacia a base de chumbo – nunca me convenceu completamente. Mas que existem inúmeros bons exemplares, isso há!

E Deus disse a Caim é um exemplo. A história é levemente inspirada em O conde de Monte Cristo, tanto que há uma referência explícita a um dos livros de Alexandre Dumas. Por mais que a estrutura seja previsível –, dezenas de homem tentam capturar o vingador esquivo – ela funciona. Gary Hamilton é um justiceiro implacável, ele não esboça felicidade ou tristeza, mas só a determinação de eliminar eu algoz. O aparecimento desse justiceiro coincide com a chegada de um tornado à cidade, o que amplia a sensação de caos no povoado.

Embora seja um western, suas tramas paralelas são melodramáticas, com revelações de segredos, prantos e até os tão esperados incêndios. É interessante que os vilões, talvez com exceção do líder do grupo, são muito humanos, eles se preocupam com seus comparsas, resgatam seus corpos e choram sobre eles.

Outro dado a ser destacado no filme é a cenografia, influenciada pela direção de arte européia, que pode ser percebido no cômodo espelhado (bem afrancesado) ou nos quadros dependurados (também muito europeus). Já o penteado de Marcella Michelangeli, que interpreta a mulher que traiu Hamilton, denúncia que é um filme dos anos sessenta.

Produzido em techinocolor para ser exibido em cinemoscope, o filme apresenta uma fotografia e composição interessantes quando são mostrados os espaços abertos e desertos, principalmente no início da projeção, quando é cantada uma canção de escravos americanos falando de liberdade.

Em suma, trata-se de um bom filme, nesse caso o melodrama e o western deram um feliz resultado. Nos dez primeiros minutos do filmes você já é capaz de decupá-lo de antemão, dado sua previsibilidade. No entanto, a direção competente, que sabe trabalhar bem as nuances, acaba conferindo uma densidade ao filme, ainda meio que involuntária.

E o blog continua.

Cotação: Bom

Superbad

Superbad - é hoje (Superbad), 2007. EUA. De Greg Motolla

Embora seja um filme sobre adolescentes e para adolescente, Superbad se revela uma produção interessante e inteligente, ainda que comprometido por algumas falhas imperdoáveis.

O ponto de partida é conhecido, dois jovens estão se formando na high-school e, antes de entrar na faculdade, querem ter a primeira relação sexual. Como é de praxe, os dois não são populares, são meio esquisitos e pouco atraentes – mas nem por isso se assemelham aos personagens “nerds” ou “losers”, também comum nesse tipo de filme.

O que ocorre é que eles são garotos, quase rapazes, mas ainda distantes de uma identidade adulta. O cômico no filme é justamente a interação entre o tímido Evan e o ativo, inusitado e egoísta Seth (que é quase uma encarnação do personagem Cartman do South Park). Para além desses dois, há outro jovem que, por vezes, rouba a sena, Fogell (mas conhecido como Fogay...). Este sim, um nerd de primeira linha, que acaba ganhando amizade de dois policiais que são mais irresponsáveis, e divertidos, do que toda a galerinha de seven-teen e six-teen years.

O filme mostra, de forma bem apropriada, como os adolescentes interpretam a vida adulta, considerando como se ela se restringisse somente a possibilidade do sexo e a liberdade de comprar a bebida onde bem entender.

O plano de Seth é simples, embriagar-se com sua amiga e tentar converter sua primeira transa. Sua objetividade só é contrariada pela inépcia de seus amigos e, claro, pela dificuldade de conseguir a bebida, que ele havia prometido a todos.

Contudo, os tempos de Porks e O Último americano virgem se foram. De modo que, no decorrer da história, vai se evidenciando os valores da virgindade, do amor, da necessidade de se conhecer melhor seu parceiro e de todo aquele chauvinismo contemporâneo.

Felizmente, o desfecho é melancólico, conseguindo capturar, como poucos filmes desse gênero foram capazes, a fugacidade desse momento de crescimento. Os rapazes percebem que suas amizades se desfarão, pois um rabo de saia é um rabo de saia. Contido e quase auto-reflexivo, Superbad é cinema para adolescentes, divertido e descontraído, mas sem resvalar nas escatologias.

Cotação: Regular