Cléo das 5 às 7 (Cléo de 5 à 7), 1962. De Agnès Varda
As cores estão nas cartas, nos presságios, não na vida na qual há suspensão das certezas. O afoitamento da doença e o enigma do cotidiano.
Cleo passa algumas horas esperando o resultado de um exame e nesse sentido sua relação com a cidade é de espera e de ansiedade. O deslocamento pelo ambiente urbano demonstra a força da vida, mas ao mesmo tempo o alheamento pela multidão aos seus dramas individuais. Passando por cafés, lojas, transporte público e parques Cléo lida com a incerteza com seu fluxo de pensamentos revelando a inconstância e a angústia.
Mas Paris paira soberana, com seus códigos e ritmos. Os elementos da cidade podem ser interpretados pela personagem como oráculos, ordálios cujos sinais sutis antcipam o futuro. O filme começa exatamente nesses termos, com a visita a uma cartomante. Mas diante de prenúncios insatisfatórios, a sua busca de revelações continua. Desse modo, situações casuais são tomadas por Cléo como indícios de algo possivelmente negativo que irá se revelar no fim do dia.
A fotografia (restaurada) é belíssima, espelhando a cidade em várias superfícies: vidraças, espelhos, fontes d’água, automóveis e janelas. Os travellings conduzem o olhar do espectador por Paris na perspectiva da personagem. Andar pela cidade, no entanto, pode ser uma fonte de distração, mas não de amparo. Cada rua é um microcosmos com diferentes personagens aos quais suas histórias de vida não podem ser absorvidas por Cléo. Mas esse anonimato sempre será uma via de mão dupla.
A narrativa coloca-nos no lugar de Cléo tensionando a superficialidade da personagem (uma moça vaidosa) a partir dos impactos filosóficos da existência. Revela-se, assim, um traço característico da Nouvelle Vague: cineasta Agnès Varda traz as implicações da finitude para o horizonte de uma jovem mulher. A conflitualidade decorrente de tal situação reverbera na cidade que apesar de tudo mostra-se magnifica . A sensação de solidão é persistente – quando sofremos, sofremos sozinhos – só atenuando-se no arco final quando Cléo encontra um soldado a espera de ser enviado para o conflito na Argélia.
Assim, as duas pessoas que têm a morte como uma possibilidade podem romper as amarras contra a incomunicabilidade e construir um elo em comum. É na humanidade, portanto, e não na cidade que há respostas para a superação da iminente mortalidade. Não há para o casal outro caminho além de confiar no laço recém constituído. Basicamente, a filosofia entra na narrativa fílmica pela temática da morte se resolve com as garantias oferecidas pela amizade e afeto.
Cotação: ☕☕☕☕☕