Muito além dos neo-pentecostais.
Na década de 1990, Belo Horizonte foi arrastada para o círculo de especulação imobiliária. No afã de se produzir milhões, picaretas foram encomendadas para por edifícios ao chão ou, ao menos, reestruturá-los completamente.
Vítima preferencial dessa horda comandada por engravatados foram os antigos cinemas da capital belorizontina. Eminentemente populares, eles representavam o acesso da população as salas de exibição, pagando um preço diminuto. Inseridos no coração das metrópoles, eram uma fonte de entretenimento bem localizada e inclusora, tratava-se da diversão para as massas, no melhor sentido da palavra.
Pois bem, tais espaços foram arrasados, fossem para ser convertidos a templos dos neo-pentecostais ou a shoppings-centers, os templos da classe média. Houve, na época, quem protestasse, mas o fizeram com tanta cautela que não foram ouvidos suficientemente.
O cinema ficou aos encargos dos shoppings, que perverteram sua idéia original. As salas foram reduzidas, os preços dos ingressos aumentaram (o da pipoca então, nem se fale), criou-se toda uma estrutura de consumismo, para prender o incauto público. Dos estacionamentos subterrâneos às salas de exibição (com baldão de pipoca a 10 reais), do cinema à praça de alimentação e, dali, para as lojas, para, finalmente, retornar ao subterrâneo, retirar o carro, e voltar para o sweet home, sem observar a cidade, o mundo ao redor – suas pobrezas e suas grandezas. Enfim, o cinema caiu numinvólucro asséptico.
Claro que houve alguns cinemas que, para o bem ou para o mal, resistiram, entretanto se tornaram demasiadamente elegantes, nostálgicos e auto-centrados. Porém, bem ao centro de B.H, um grande edifício se tornou remanescente, escapando dos neo-pentecostais e dos neo-consumistaa. O Cine Brasil permaneceu, ao menos, como um esqueleto, uma ruína do que um dia foi o cinema na capital mineira. Essa estrutura era coerente com a atual fisiognomia da metrópole, uma perfeita representação do nosso abandono.
Mas eis que a camarilha de Pimental percebem o potencial político de tal edificação e, como já haviam feito com outros espaços públicos, decidiram capitalizar essa construção em proveito próprio.
Ratos. Bando de ratos.
Não satisfeitos com essa calhordagem, entregaram esse patrimônio coletivo a gestão privada de um cartel multinacional de siderúrgicas, as empresas Vallourec e Mannesmann, formando a V&M.
Resultado, o antigo Cine Brasil será transformado na V&M Brasil. Entenderam a sutileza do nome? Sacaram o deboche? Viram como eles estão rindo de nós? De fato, é engraçado, o que era público agora é a V&M.
Estou equivocado, dirão alguns. A V&M somente está a patrocinar esse projeto cultural, que difundirá a cultura para todos, o bom gosto, os altos padrões estéticos. Balela. É outro espaço de B.H que se aristocratiza, pois sabemos que a população, de um modo geral, não freqüenta esses espaços culturais “requintados”, vide o caso do Humberto Mauro.
São sempre as mesmas gentinhas, a classe média e os estudantes de ciências humanas que fazem daquela localidade um ponto de encontro para o happy hour. O povão, raramente adentra nesses espaços, e quanto isso ocorre são tratados com uma condescendência horrorosa. Caridade, isso é o que as elites julgam fazer.
Por mim, que ponham fogo no Cine Brasil, pois esse fim é mais glorioso ao futuro que o espera: o cinema do povão vai virar casa de culturinha para os maconheiros da Savassi. Isso é difícil de engolir.
Quem viabilizou esse assassinato foram os intelecutalóides de Pimentel e quem o perpetrará será uma siderúrgica, que se preocupa com o ambiente e a cultural. Claro, alguns verão incoerência em um conglomerado industrial e empresaria que vilipendia o meio ambiente e explora a força de trabalho nacional e, ao mesmo tempo, afirma seu interesse com a natureza e a arte.
De fato, se almejasse uma obra para o público, o caminho seria outro, bem diferente, jamais passando pela concepção da V&M Brasil. Mas estamos falando de auto-promoção. É a globalização: a corja belorizontina e a corja gringa sentadas na mesma mesa, se deleitando com a ingenuidade dos parvos e com o cinismo da realpolitik contemporânea.
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terça-feira, 6 de novembro de 2007
sábado, 6 de outubro de 2007
Bled Bumber One
Bled Number One (Back Home), 2006. Argélia. De Rabah Ameur-Zaïmeche
[Festival Indie 2007]
Eis um dos melhores filmes que eu já assisti.
Um filme constituído em cima de paradoxos e ambigüidades.
Ainda no começo do filme uma cena forte, que expulsou 10 por cento do público para fora da sala de exibição. Uma maneira direta de proclamar: “esse não é um filme ocidental”.
Kamel retornou da França. Chegando a Argélia, sua terra natal, ele percebe que lá não pode ser seu lar. Ele não consegue se adaptar, pois o Ocidente já o contaminou. Muito embora ele tente reconstruir sua identidade de mulçumano, a sua recusa àqueles valores é evidente.
É uma sociedade ambígua, presa entre o desejo de emancipação e as constantes reafirmações de uma moralidade mulçumana – na maior parte das vezes opressiva para com as mulheres.
Os homens querem o direito de ingerir bebidas alcoólicas e praticar jogos de azar, entretanto não aceitam que suas mulheres cantem em público ou se divorciem. Em alguns momentos pedem o relaxamento das Leis do Islão, mas em outra situações elas as reforçam.
Perdido nesse contraditório universo está Kamel, o duplo exilado. Ele nunca será francês, mas também não se transformará em um argeliano. Há uma certa obstinação em seu rosto, mas também um cansaço, uma resignação, uma aceitação perante as intransigências da vida.
O cenário em que a história se desenvolve é fabuloso. Uma paisagem terceiro-mundista, que não impressiona os já acostumados com as favelas brasileiras. Algo que os participantes do Festival Indie , representantes da classe média brasileira, não vão entender [vide o Editorial do mês].
O mais fascinante, no entanto, é a presença do “Ocidente” no filme. As referências são, às vezes, sutis, mas se fazem existentes. A música cantada em inglês e a canção de rock é uma ligação com todo um legado de modernização cultural vivenciado pelo mundo ocidental – que vai desde a laicização do Estado até a Revolução sexual e o feminismo.
O cineasta, sem muita piedade, revela facetas do mundo argelino, que transforma as mulheres contestadoras do Status Quo em loucas de sanatório, enquanto seus agressores ficam impunes.
Bled Number One é um filme para os argelianos, mas também para o ocidente. É um convite à reflexão, é um pedido de ajuda, é uma lufada de otimismo. Uma genuína expressão da ânsia de alguns, para que o mundo mulçumano vivencie a tão benéfica modernidade.
Cotação: Ótimo
[Festival Indie 2007]
Eis um dos melhores filmes que eu já assisti.
Um filme constituído em cima de paradoxos e ambigüidades.
Ainda no começo do filme uma cena forte, que expulsou 10 por cento do público para fora da sala de exibição. Uma maneira direta de proclamar: “esse não é um filme ocidental”.
Kamel retornou da França. Chegando a Argélia, sua terra natal, ele percebe que lá não pode ser seu lar. Ele não consegue se adaptar, pois o Ocidente já o contaminou. Muito embora ele tente reconstruir sua identidade de mulçumano, a sua recusa àqueles valores é evidente.
É uma sociedade ambígua, presa entre o desejo de emancipação e as constantes reafirmações de uma moralidade mulçumana – na maior parte das vezes opressiva para com as mulheres.
Os homens querem o direito de ingerir bebidas alcoólicas e praticar jogos de azar, entretanto não aceitam que suas mulheres cantem em público ou se divorciem. Em alguns momentos pedem o relaxamento das Leis do Islão, mas em outra situações elas as reforçam.
Perdido nesse contraditório universo está Kamel, o duplo exilado. Ele nunca será francês, mas também não se transformará em um argeliano. Há uma certa obstinação em seu rosto, mas também um cansaço, uma resignação, uma aceitação perante as intransigências da vida.
O cenário em que a história se desenvolve é fabuloso. Uma paisagem terceiro-mundista, que não impressiona os já acostumados com as favelas brasileiras. Algo que os participantes do Festival Indie , representantes da classe média brasileira, não vão entender [vide o Editorial do mês].
O mais fascinante, no entanto, é a presença do “Ocidente” no filme. As referências são, às vezes, sutis, mas se fazem existentes. A música cantada em inglês e a canção de rock é uma ligação com todo um legado de modernização cultural vivenciado pelo mundo ocidental – que vai desde a laicização do Estado até a Revolução sexual e o feminismo.
O cineasta, sem muita piedade, revela facetas do mundo argelino, que transforma as mulheres contestadoras do Status Quo em loucas de sanatório, enquanto seus agressores ficam impunes.
Bled Number One é um filme para os argelianos, mas também para o ocidente. É um convite à reflexão, é um pedido de ajuda, é uma lufada de otimismo. Uma genuína expressão da ânsia de alguns, para que o mundo mulçumano vivencie a tão benéfica modernidade.
Cotação: Ótimo
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