sexta-feira, 13 de junho de 2025

Pesadelo Perfumado

Pesadelo Perfumado. Perfumed Nightmare. De Kidlat Tahimik, 1977.

Importante referência do cinema pós-colonial, Pesadelo Perfumado foi roteirizado, dirigido e editado de forma quase “artesanal” pelo cineasta filipino Kidlat Tahimik. Em muitos sentidos, sua proposta se aproxima da de Glauber Rocha e do Cinema Novo brasileiro — uma versão local do anticolonialismo estético.

Mas há nuances significativas entre eles. Pesadelo Perfumado explora com mais ênfase o humor, adicionando elementos de nonsense e absurdo. O filme acompanha um personagem que vive na zona rural de uma aldeia filipina, fascinado pela exploração espacial norte-americana e entusiasta da tecnologia moderna.

Kidlat tem então a oportunidade de viajar para a França, onde conhece o chamado mundo civilizado. Inicialmente, mostra-se fascinado pela tecnologia, por uma sociedade que entrega resultados concretos — uma sociedade com “muitas pontes”, como ele repete, empolgado e, por vezes, atônito.

A metáfora das pontes é central para entender o filme. Trata-se de uma ponte ao mesmo tempo frágil e resistente, que conecta sua aldeia ao resto do mundo. Ao mesmo tempo, Kidlat deseja ser, ele próprio, essa ponte entre seu universo local e o mundo moderno. Lança mão de diversos elementos simbólicos de conexão — correspondências, transmissões radiofônicas, automóveis —, mas seu real desejo é atravessar essa ponte e habitar o outro lado.

Superada a euforia inicial, o personagem se depara com as mazelas do mundo capitalista: desperdício, individualismo, obsolescência programada e racionalidade instrumental. Nesse processo, começa a reconsiderar a equação entre arcaico e moderno, questionando se, afinal, não seriam os civilizados aqueles que precisam atravessar a ponte em direção aos saberes e valores que perderam.

Alternando entre humor e um viés etnográfico — sobretudo no arco inicial da aldeia —, o filme constrói um discurso potente e contundente. É uma expressão vibrante do cinema não hegemônico da década de 1970.

A fotografia é assumidamente experimental, tensionando constantemente a fronteira entre registro antropológico e intervenção subjetiva, de forma a questionar a própria ontologia da imagem. Permanecem questões em aberto: até que ponto o colonizado pode representar-se sem ser atravessado pelas lentes e olhares do colonizador? É possível mostrar a alteridade sem convertê-la em fetiche visual, domesticada sob o selo do exotismo?

O filme suscita essas reflexões, mas mantém, ao mesmo tempo, uma potência narrativa capaz de envolver o espectador na trajetória de um personagem ingênuo, mas arguto, que busca — metaforicamente — construir pontes entre a cultura ocidental e o mundo não hegemônico. Trata-se de um filme-potência: entretém, provoca e produz o desconforto necessário para nos arrancar da McDonaldização da sétima arte.

Poucas experiências cinematográficas são tão cativantes quanto acompanhar a trajetória de um sonhador filipino tentando atravessar, literal e simbolicamente, a ponte entre sua aldeia e o mundo ocidental. Assim, Pesadelo Perfumado não é apenas um filme sobre a Filipinas, mas sobre o contraponto entre a sedutora promessa do progresso e a indiferença do capitalismo global.

Cotação: ☕☕☕☕☕

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