domingo, 27 de agosto de 2023

Que horas eu te pego?


Que horas eu te pego?
(No hard feelings), 2023. De Gene Stupnitsky

Os tempos mudaram para melhor? Não sei dizer, mas tenho inclinação pessimista para todas as coisas do mundo. Desse modo não esperem de mim grandes loiros para as vocações contemporâneas. E é nesse espírito que apresenta a reviravolta das comédias picantes juvenis com um tempero e um caldo da década de 2020.

Que horas eu te pego?” segue as novas riscas da contemporaneidade. Homens fracos e mulheres fortes. Aqui não temos mais o rapaz querendo perder sua virgindade a todo custo, pelo contrário: eis o meninão de 19 anos resignado com sua fobia social e sem maiores interesses por incursões nessa terra de ninguém chamada corpo feminino. Caberá a trintona Maddie (interpretada por Jennifer Lawrence) a tarefa de introduzir o rapaz neste novo continente. Ela faz um acordo com os pais do garoto em troca de um carro, pois precisa do motor para trabalhar de Uber e assim manter sua casa em um bairro assolado pela especulação imobiliária. Por ser herança da mãe (e de um pai ausente) ela não quer perder a propriedade.

É tão triste que sinto vontade de chorar, vontade de chorar pela inação do menino Percy (19 anos minha gente) incapaz de receber as dádivas que secretamente seus pais controladores atiraram em seu colo. E eles atiraram foi a Lawrence que já chega chegando querendo liberar geral. Mas o garoto se assusta: teme o rapto (quando a esmola é demais...), busca previamente uma ligação sentimental e, pasmem, tem reação alérgica à xo... digo, a chocha brincadeira de Adão e Eva.

Os rapazes (igualmente imbecis) de America Pie mandam lembranças: vocês ralavam, oh guerreiros, por uma coisa que hoje os pais encomendam pelos filhos em aplicativos de celular...

Minha má vontade se justifica também pelas premissas absurdas. Um dos amigos de Maddie questiona esse plano de tirar a virgindade do rapaz em troca do carro prometido pelos pais good vibes, sugere alugar alguns quartos da casa pelo Airbnb. Mas ela responde que não se sentia bem em deixar estranhos em sua casa. Ele retorque “não aluga a casa, mas aluga a xereca?”. A mesa feminina o cala imediatamente. Ele ainda sugere “Não seria melhor o OnlyFãs”. A mesa de “apoiadoras de apoiadoras” retumba: “maridinho meu, o que você entende de OnlyFãs?”. Ali é prudente se calar.

Não estou aqui para criticar personagens secundários caricatos, faz parte do gênero. Se bem que quando a única frase sensata sai do clássico bufão é de fato o mundo de pontas às cabeças. Me surpreende o neoplatonismo vendido: o rapaz apto a perder a virgindade só após uma ligação sentimental – enquanto Percy se apaixona, Maddie descobre o valor de manter alguns valores afora os valores (materiais) que pretende receber...

Não há verborragia no parágrafo acima. Realço que em meio a aparência libertina esconde uma vontade insuportável de castração do masculino. Trata-se de uma nova abordagem de educação sexual: a personagem feminina aparece como disposta ao sexo casual, eventualmente até remunerado. Já o rapaz é constrangido a perder a virgindade, mas para isso deve descobrir algo além de um prazer carnal.

E essa dialética cripto-cristã dará a toada até o final. A sexualidade exuberante feminina não é tão resolvida assim – e haverá algum ponto de inflexão que jogará o rapaz nos braços de uma menina anódina (conclusão com extrapolação). Porque as beldades "10 de 10" não são “consumo” mas para admiração.

Afinal, é o capitalismo, nem tudo que desejamos podemos ter.

Cotação: ☕☕


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