Que horas eu te pego? (No hard feelings), 2023. De Gene Stupnitsky
Os tempos mudaram para melhor?
Não sei dizer, mas tenho inclinação pessimista para todas as coisas do mundo.
Desse modo não esperem de mim grandes loiros para as vocações contemporâneas. E
é nesse espírito que apresenta a reviravolta das comédias picantes juvenis com
um tempero e um caldo da década de 2020.
“Que horas eu te pego?”
segue as novas riscas da contemporaneidade. Homens fracos e mulheres fortes. Aqui
não temos mais o rapaz querendo perder sua virgindade a todo custo, pelo
contrário: eis o meninão de 19 anos resignado com sua fobia social e sem
maiores interesses por incursões nessa terra de ninguém chamada corpo feminino.
Caberá a trintona Maddie (interpretada por Jennifer Lawrence) a tarefa de
introduzir o rapaz neste novo continente. Ela faz um acordo com os pais do
garoto em troca de um carro, pois precisa do motor para trabalhar de Uber
e assim manter sua casa em um bairro assolado pela
especulação imobiliária. Por ser herança da mãe (e de um pai ausente) ela não
quer perder a propriedade.
É tão triste que sinto vontade de
chorar, vontade de chorar pela inação do menino Percy (19 anos minha gente) incapaz
de receber as dádivas que secretamente seus pais controladores atiraram em seu
colo. E eles atiraram foi a Lawrence que já chega chegando querendo liberar
geral. Mas o garoto se assusta: teme o rapto (quando a esmola é demais...),
busca previamente uma ligação sentimental e, pasmem, tem reação alérgica à xo...
digo, a chocha brincadeira de Adão e Eva.
Os rapazes (igualmente imbecis)
de America Pie mandam lembranças: vocês ralavam, oh guerreiros, por uma
coisa que hoje os pais encomendam pelos filhos em aplicativos de celular...
Minha má vontade se justifica
também pelas premissas absurdas. Um dos amigos de Maddie questiona esse plano
de tirar a virgindade do rapaz em troca do carro prometido pelos pais good vibes,
sugere alugar alguns quartos da casa pelo Airbnb. Mas ela responde
que não se sentia bem em deixar estranhos em sua casa. Ele retorque “não aluga
a casa, mas aluga a xereca?”. A mesa feminina o cala imediatamente. Ele
ainda sugere “Não seria melhor o OnlyFãs”. A mesa de “apoiadoras de
apoiadoras” retumba: “maridinho meu, o que você entende de OnlyFãs?”. Ali
é prudente se calar.
Não estou aqui para criticar
personagens secundários caricatos, faz parte do gênero. Se bem que quando a
única frase sensata sai do clássico bufão é de fato o mundo de pontas às
cabeças. Me surpreende o neoplatonismo vendido: o rapaz apto a perder a
virgindade só após uma ligação sentimental – enquanto Percy se apaixona, Maddie
descobre o valor de manter alguns valores afora os valores (materiais) que pretende
receber...
Não há verborragia no parágrafo
acima. Realço que em meio a aparência libertina esconde uma vontade
insuportável de castração do masculino. Trata-se de uma nova abordagem de
educação sexual: a personagem feminina aparece como disposta ao sexo casual,
eventualmente até remunerado. Já o rapaz é constrangido a perder a virgindade,
mas para isso deve descobrir algo além de um prazer carnal.
E essa dialética cripto-cristã dará
a toada até o final. A sexualidade exuberante feminina não é tão resolvida
assim – e haverá algum ponto de inflexão que jogará o rapaz nos braços de uma
menina anódina (conclusão com extrapolação). Porque as beldades "10 de 10" não
são “consumo” mas para admiração.
Afinal, é o capitalismo, nem tudo
que desejamos podemos ter.
Cotação: ☕☕
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