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domingo, 7 de abril de 2024

O garoto Toshio

Nouvelle Vague 🎬🎬

O garoto Toshio (Shōnen), 1969. De Nagisa Oshima.

Importante referência da Nouvelle Vague japonesa, o filme de Oshima contrapõe a abordagem documental (pois se trata de um caso real) com um claustrofóbico drama familiar. Um ex-soldado (ferido na Segunda Guerra Mundial) coloca sua esposa e seu filho para aplicar golpes de falsos atropelamentos a fim de extorquir os motoristas.

Oscilando entdre resignação e desolação, a narrativa se desdobra na perspectiva do “garoto” – termo pelo qual é des(identificado) pela sua família. A relação com pai e madrasta são distantes, embora esta última lhe demonstre um afeto real. Toshio expressa uma preocupação com o irmão caçula em sua imaginação escapista sobre criaturas espaciais capazes de destruir os maus e preservar os bons.

Este é o grande problema do garoto, a percepção de que desempenha uma função dúbia na pantomima do pai; seu senso apurado do certo e errado manifesta-se na relutância em desempenhar parte na artimanha. A noção de falha moral atravessa toda a família, pois nenhum deles está alheio à compreensão da baixeza na qual se encontram. O menino expressa o maior sofrimento em sua condição de criança solitária distante da escola e dos amigos, logo no início da projeção o vemos brincar com demônios imaginários.

Os personagens percorrem o Japão, do sul ao norte, executando os golpes e fugindo das autoridades. Um road movie existencialista que transforma o escape em alegoria dos problemas da sociedade japonesa. O país nipônico também teve sua cota de conflitos juvenis na década de 1960, incluindo protestos antiguerra. A própria retomada do desenvolvimento econômico deu-se com a angústia da derrota na Guerra e à sombra das bombas nucleares. Nesse contexto, o clima de derrotismo diz muito sobre os impasses vivenciados. Derrotismo bem manifesto na recusa do pai em procurar emprego por estar preso à lembrança do ferimento de guerra.

Melancólico e pessimista, Shōnen é uma porta de entrada para compreender a fascinante onda de renovação no cinema japonês.

Cotação: ☕☕☕☕

quinta-feira, 14 de março de 2024

O Vale do Gwangi


O Vale do Gwangi
(The Valley of Gwangi), 1969. De Jim O'Connolly

Antes que o Parque dos Dinossauros (Spielberg, 1993) catapultasse o gênero em começos dos anos 90 a temática dos mega-monstros já estava sedimentada na tradição cinematográfica. Em Gwangi temos uma aventura clássica na qual não há propriamente vilões, embora os conflitos e as rivalidades existam.

Os diálogos, os enquadramentos e o desenvolvimento da narrativa seguem de forma esquemática com uma introdução sólida para apresentar as características dos principais personagens. O grande eixo será o embate entre rancheiros e dinossauros com o ponto alto no momento em que os cowboys conseguem laçar um Alossauro (assemelha-se a um Tiranossauro).

Tudo isso porque na passagem dos séculos XIX para o XX artistas hípicos texanos estão percorrendo a fronteira com o México, lá eles descobrem o caminho para um antigo vale no qual os dinossauros continuam existindo. Decidem aumentar o prestígio do circo exibindo uma dessas criaturas apesar da resistência dos supersticiosos ciganos mexicanos que temem a maldição do Gwangi, o mais temido de todos os jurássicos.

Embora o filme seja bem inofensivo, os brancos são sempre apresentados como indivíduos em contraposição aos nativos, ciganos e mexicanos, apontados como religiosos, supersticiosos. A representação, no entanto, não é de toda negativa cabendo ao órfão Lope a condição de ajudante dos intrépidos exploradores.

Estereótipos à parte, há um tipo de fábula acerca da ganância do show-businesses norte-americano que alimenta a narrativa. O núcleo principal comporta o aventureiro Tuck (James Franciscus) e a amazona  T.J. (Gila Golan): um casal de namorados que não consegue acertar o interesse amoroso com a vontade de fazer fortuna. A ideia de capturar o monstro, elaborada meio ao acaso pelos artistas, e levá-lo à civilização é manjadona, porém fadada ao fracasso (vide King Kong).

Ao contrário do que poderia se esperar, a construção dos dinossauros foi bem executada graças às técnicas de stop motion – o que se tinha de mais moderno na época. Embora os efeitos especiais sejam limitados para os nossos padrões, a história segue a mesma toada da atual franquia Jurassic World. Aliás, temos até um professor com pouco traquejo social disposto a se arriscar para provar a existência das criaturas.

A conclusão  é crua, isto é, sem maiores desdobramentos, bem em conformidade com os padrões da época. Não apresenta nada de extraordinário, mas possui uma história bem organizada e tem belíssimas locações – gravado em Cuenca, Espanha, com cenas de desertos, cânions, catedrais e estádios de touradas. Enfim, o filme atesta que os monstrões há muito exercem o fascínio sobre nós.

E onde tem interesse sempre haverá um capitalista para mercantilizar. Everything is money, alright?

Como será que se diz isso em espanhol?

Cotação: ☕☕☕


domingo, 3 de março de 2024

Os palhaços



✈ Crítica a jato

Os palhaços (I clown), 1970. De Frederico Fellini

O filme começa como a rememoração de Fellini sobre as sensações que o circo e, sobretudo, os palhaços lhe causavam na infância. Uma criança acorda com o barulho da armação da tenda, durante o dia ela vislumbra o espetáculo, assustando-se, no entanto, com os palhaços.

Olhar dentro da tenda é o convite para o mundo circense, o lugar ao qual ele pretende retornar. O filme mescla entrevistas com interpretações de atores e aos poucos é Fellini que vai se tornando o mestre do espetáculo. O fracasso dos atos cotidianos – a essência do palhaço – está distribuída ao longo da narrativa, com piadas e gags sutis. Destaque para a incompetente secretária de Fellini que está ali para se fazer de Auguste.

Cada conversa com um palhaço aposentado possibilita a documentação dos repertórios da palhaçaria. Questão perseguida no filme: porque o circo está em declínio? Mais precisamente, porque os clowns não mais arrancam as gargalhadas da plateia?

Logo no começo da projeção, Fellini parece identificar a substituição do popular pelo popularesco a partir da influência homogeneizadora da cultura de massa. A equipe do cineasta percorre uma Europa outrora vista como centro cultural. As ruas e as casas da Itália e da França entregam um cotidiano bem característico sem a opulência dessa Europa atual que se diz “pós-capitalista”.

A dificuldade do humor circense estaria em estreita conexão com os desafios da perda do sentido de comunidade e isso dificultaria a compreensão do público quanto ao aspecto caricato dos palhaços que trariam à tona as personagens típicas da vida provinciana. Hipótese levantada e facilmente desmentida pela etnografia construída. Palhaços são colocados em frente às câmeras, como entrevistados ou como artistas, para mostrar a vitalidade dessa arte.

O ato final é justamente o momento do enterro de Auguste (o arquétipo do palhaço brincalhão) quando o pretenso dramalhão é perfurado por um número bem orquestrado com o próprio diretor entrando no jogo. Completa-se assim a sugestão do começo do filme, a criança interessada e assustada que foge da tenda retorna como ator-diretor.

Ao se tornar um agente do riso, Frederico Fellini encontra a resposta para sua pergunta ao ressaltar que a melancolia e a poesia compõem a mitologia acerca dos palhaços como uma lembrança de que o erro e o fim são instâncias profundamente humanas.

Cotação: ☕☕☕☕

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

O mal que nos habita


Critica a jato 


O mal que nos habita (Cuando acecha la maldad), 2023. De Demián Rugna.

Argentinos criaram uma própria versão de apocalipse zumbi ao tematizar acerca de um mal: os infectados ou infestados que se espalham de um lugar a outro.  As entidades são expressões da corrupção causada pelo demônio nas pessoas e nos animais. Um tipo de mal que se prende tanto nos lugares e nas coisas quanto nos seres vivos.

A narrativa inicia-se justamente com a identificação de um infectado em uma zona rural. Afastados da civilização, os moradores locais precisam lidar com o diabo em meio ao receio e à apatia das autoridades locais (altamente incompetentes pelo visto). No entanto, a medida em que a narrativa acelera a ritmo, o cenário se torna urbano e a ideia de isolamento perde a força, inclusive o deslocamento da cidade para o vilarejo parece se tornar mais frequente.

A fim de criar uma atmosfera de total impotência, muitos artefatos e aliados do nefasto vão aparecendo ao longo da projeção e, desse modo, o mal que espreita parece inevitável. Assim, animais, doentes, mortos e crianças tornam-se emissários do maligno, inexistindo adversários dignos ou capazes de enfrentar tal desafio. Acentua-se, assim, uma outra noção que é a do desespero, pois o mundo sem Deus não é necessariamente um mundo sem o diabo. A estética contida e a narrativa sóbria privilegiam o psicológico em detrimento do asco. Terror com toques de drama familiar: diante do adoecimento das relações afetivas, a solidão, a raiva, o abandono e, enfim, o enlouquecimento são a oportunidade aguardada para a materialização da maldade.

Não obstante um visual de terror requintado cuja âncora se dá na tragédia familiar – um psicologismo comum desses dias – há forte verve Trash na narrativa – não pela estética, mas pela facilidade com que desafios vão sendo acrescentados sem uma preocupação de amarrar muito bem a cosmogonia do universo apresentado. Um filme confuso e desequilibrado, mas capaz de, até certo ponto, assustar os desavisados com a lembrança de que se Deus está morto o diabo vai muito bem obrigado.

Cotação: ☕☕☕

domingo, 15 de outubro de 2023

30 dias de noite

Crítica a jato✈


30 dias de noite (30 Days of Night), 2007. De David Slade

Antes de Eclipse (2010) David Slade nos brindou com essa história vampirosa de sanguessugas...

Vampiros que tendo a vantagem de atacar por 30 dias seguidos conseguem, ainda, deixar uma pá de humaninhos escaparem...

E vejam, não estou aqui sendo o chato de garrocha ao falar que NEM todo mundo morre no final. Só estou ressaltando o absurdo de que em uma cidade no Alasca no qual o inverno resulta em 30 dias sem a luz do sol os vampiros não dão conta de fazer o dever de casa. E não estamos falando de caçadores como aqueles cowboys do asfalto de John Carpenter, tampouco de um Blade da vida.

Não meus caros, os humanos que se safam são uns patetões que correm a esmo pela cidade, trombam uns nos outros, gritam quando é para fazer silêncio, fogem se prendendo em lugares apertados e se mostram incapazes de qualquer comunicação minimamente inteligente. É claro que esses humanos devem ter lá seus superpoderes para enxergar normalmente no escuro polar, mesmo com toda iluminação natural e artificial suprimida. Mas não vamos pedir coerência de um filme no qual os personagens são rasos, as sequências de ação absolutamente artificiais e o carisma dos heróis e vilões inexistente.

Se vocês querem relembrar aquela boa época que íamos às locadoras e voltávamos com uma batata quente na sacola está aí uma ótima oportunidade de revival.

Filme que caiu no esquecimento, mas que vez ou outra é bom dar uma revisada só para não perdemos o costume da crítica mal humorada.

Cotação:☕


domingo, 27 de agosto de 2023

Doutor Sono


Crítica a jato✈

Doutor Sono (Doctor Sleep), 2019. De Mike Flanagan

Por se tratar da continuação de O iluminado seria muito despropositado tecer grandes expectativas. No entanto a adaptação do novo filme de Stephen King falha miseravelmente. O terror é atenuado, sobretudo, porque Abra Stone a sucessora de Dan Torrance, a garotinha afro-americana (yep!) é muito overpower.

Em momento nenhum Abra fica realmente em perigo, quem tateia em busca de ajuda é Dan, o outrora iluminado só manteve uma pequena parcela do seu brilho. Vagueando pelos Estados Unidos ele tenta lidar com sua depressão e alcoolismo. O encontro dele com Abra é forçado e muito mal explicado, resultado de uma narrativa fílmica absolutamente sem sal.

Esse, aliás, é o principal problema do filme, uma tentativa de adaptar uma extensa obra literária em duas horas de projeção e ainda com a obrigação de fazer conexão com a história anterior.

Para além do hotel amaldiçoado, os antagonistas são um grupo de vampiros psíquicos liderados por uma bela e perigosa assassina. Uma criatura maligna, poderosíssima, mas que é feita de gato e sapato por Abra Stone.

Seja como desfecho ou como obra independente, o filme Doutor Sono é limitado. Os arcos são até interessantes, mas explorados com excessiva pressa a fim de dar liga aos vários capítulos. Priorizar Abra em detrimento de Dan prejudica a temática do iluminado ao substituí-la por uma versão dark de Matilda (1996).

Cotação: ☕☕☕