domingo, 3 de março de 2024

Os palhaços



✈ Crítica a jato

Os palhaços (I clown), 1970. De Frederico Fellini

O filme começa como a rememoração de Fellini sobre as sensações que o circo e, sobretudo, os palhaços lhe causavam na infância. Uma criança acorda com o barulho da armação da tenda, durante o dia ela vislumbra o espetáculo, assustando-se, no entanto, com os palhaços.

Olhar dentro da tenda é o convite para o mundo circense, o lugar ao qual ele pretende retornar. O filme mescla entrevistas com interpretações de atores e aos poucos é Fellini que vai se tornando o mestre do espetáculo. O fracasso dos atos cotidianos – a essência do palhaço – está distribuída ao longo da narrativa, com piadas e gags sutis. Destaque para a incompetente secretária de Fellini que está ali para se fazer de Auguste.

Cada conversa com um palhaço aposentado possibilita a documentação dos repertórios da palhaçaria. Questão perseguida no filme: porque o circo está em declínio? Mais precisamente, porque os clowns não mais arrancam as gargalhadas da plateia?

Logo no começo da projeção, Fellini parece identificar a substituição do popular pelo popularesco a partir da influência homogeneizadora da cultura de massa. A equipe do cineasta percorre uma Europa outrora vista como centro cultural. As ruas e as casas da Itália e da França entregam um cotidiano bem característico sem a opulência dessa Europa atual que se diz “pós-capitalista”.

A dificuldade do humor circense estaria em estreita conexão com os desafios da perda do sentido de comunidade e isso dificultaria a compreensão do público quanto ao aspecto caricato dos palhaços que trariam à tona as personagens típicas da vida provinciana. Hipótese levantada e facilmente desmentida pela etnografia construída. Palhaços são colocados em frente às câmeras, como entrevistados ou como artistas, para mostrar a vitalidade dessa arte.

O ato final é justamente o momento do enterro de Auguste (o arquétipo do palhaço brincalhão) quando o pretenso dramalhão é perfurado por um número bem orquestrado com o próprio diretor entrando no jogo. Completa-se assim a sugestão do começo do filme, a criança interessada e assustada que foge da tenda retorna como ator-diretor.

Ao se tornar um agente do riso, Frederico Fellini encontra a resposta para sua pergunta ao ressaltar que a melancolia e a poesia compõem a mitologia acerca dos palhaços como uma lembrança de que o erro e o fim são instâncias profundamente humanas.

Cotação: ☕☕☕☕

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