sábado, 16 de março de 2024

O Carteiro nas Montanhas


Crítica a jato ✈

O Carteiro nas Montanhas
(Nàshān nàrén nàgǒu), 1999. De Huo Jianqi.

Pai, filho e um cachorro caminham pelas montanhas para fazer a entrega de cartas. Mestre e aprendiz. Cada um se depara com seu horizonte, a aposentadoria forçada e a futura vida de longas jornadas por vales e montanhas. O percurso do carteiro inclui vários dias na estrada e dezenas de quilômetros percorridos em uma região íngreme e úmida.

A Belíssima paisagem com cenários rurais, campos de arroz e antigas vilas é Hunan, a região onde nasceu Mao Zedong, o grande líder da Revolução Chinesa. Essa ambiência é a chave para um minimalismo em que o silêncio compõe o intervalo entre os diálogos e os momentos de descanso. Há muitas sutilezas que se desvelam ao longo da caminhada como o estigma sobre os montanheses, a lenta chegada da tecnologia e o confronto entre as gerações. Também há a noção de piedade filial e a deferência para com os anciões.

O respeito familiar entre os protagonistas constitui o eixo da história. A proposta é tomar a relação entre pai e filho como parte de um modo de vida em processo de apagamento pelo mundo urbano-industrial. O caminhão que passa ao longe e o rádio levado a tiracolo pelo jovem carteiro anunciam o ruído inevitável do progresso.

Trata-se de um filme viagem no qual os pequenos acontecimentos vão tecendo um plano maior, memórias e projeções de pai e filho se entrelaçam. As discordâncias são pontuais e não ameaçam a continuidade entre os caminhos do velho e do jovem funcionário público.

Esse panorama geral remete ao filme de Kelly Reichardt chamado Old Joy (2006), aqui também temos dois homens e um cachorro que percorrem uma área erma e arborizada em uma interação silenciosa e reflexiva. O elo, no entanto, não é tão contínuo, pois o estranhamento dos amigos explica-se no distanciamento ocorrido entre eles ao longo dos anos. Em O Carteiro nas Montanhas o esforço é maior pelo fato de os viandantes desfrutarem de uma incômoda intimidade.

As viagens do pai transformaram-no em um imponente desconhecido em sua própria casa, seu grande companheiro foi o cachorro Laoer. No momento em que o carteiro retirado do trabalho por questões de saúde se estabelece em casa o jovem (por um ato de vontade própria) começa a sua caminhada. Laoer não parece disposto a acompanhar o rapaz, por isso o pai se apronta para a última viagem em um rito de passagem.

É a própria continuidade que impõe o conflito a ser desbaratado. O olhar paternal denuncia a conhecimento das dificuldades, já os murmúrios do novato revelam uma envergonhada recriminação quanto a algumas das escolhas paternas.

A vida camponesa – em sua plena idealização – encontra-se ameaçada, mas no alto das montanhas ela consegue se renovar a partir de uma temporalidade que é a da própria vida. Enfim, sugere-se na continuidade e na tradição as benesses e o antídoto contra o modo de fazer errático do mundo lá fora.

Cotação: ☕☕☕☕

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