Retorno da Lenda (Old Henry), 2021. De Potsy Ponciroli
Hoje
fala-se muito em representatividade, é preciso ter cota para tudo; as mulheres,
inclusive, devem aparecer na telinha de projeção como fortes e empoderadas.
Em caso contrário a crítica não perdoará. Então como explicar Old Henry
que conta apenas com atores masculinos? Simples, o filme se apropria da tão
propalada ideia de “toxcidade masculina”. Quer dizer, se deixados à própria os homens se
brutalizam, engolem seus sentimentos, agridem-se mutuamente e fazem xixi na
cama...
Desprovidos
de lealdade e racionalidade eles encontram fadados a um ciclo de violência. Assim,
quando um homem ferido aparece na porta de Henry McCarth, este reluta em ajudar
o desconhecido, pois sua preocupação maior é com o filho, o jovem Wyatt. A
história vai se complicando à medida em que o velho Henry precisa decidir entre
abandonar o desconhecido de nome Curry – que pode ser tanto um xerife quanto um
fora-da-lei – ou enfrentar o bando que almeja captura-lo.
O
mundo masculino é brutal e o fazendeiro Henry traz em seu corpo a gestualidade
de um passado de violência e rudeza. Seu jeito austero esconde, na verdade, um
pistoleiro temido e procurado, algo que nem seu filho imaginava.
Empregando enquadramentos longos e médios a fim de mostrar a tentativa dos personagens
se esconderem na natureza, o filme opta pela estilização em
detrimento da verossimilhança. Com uma fotografia limpa e em tons pasteis a
projeção contrapõe o modo de vida solitário e brutal do universo masculino com uma
natureza que poderia ser apropriada de forma mais criativa. Assim, carcaças de
aves depositadas sobre uma mesa indicam o tipo de civilização construída naquele meio e por aqueles personagens. Do mesmo modo, um pássaro
entalhado na madeira é a oportunidade perfeita para um disparo a sangue frio.
Destoa desse universo o jovem Waytt em seus questionamentos sobre a escolha do pai por tal modo de vida. Com sentimentos e ambivalências mais profundas ela se conecta à figura da mãe falecida. Apontando para um modelo de conduta que não é masculino – embora ele tente se apropriar dos códigos de virilidade reinantes – Waytt busca uma alternativa para aquele espiral de aridez e violência. O confronto geracional introduz o elemento de desequilíbrio dramático.
Henry McCarthy, por sua vez, é uma figura poderosa demonstrando a perícia dos homens do bang-bang. Contudo, seu deslocamento denuncia o beco sem saída das privações e provações do lugar físico e simbólico do Oeste. Os cowboys e pistoleiros precisam desaparecer. Novamente anunciando um fim para o faroeste clássico, Retorno da Lenda é mais um episódio da “volta dos que não foram”.
Morte aos machões e que venham os rapazes repletos de expressividade. Na narrativa do filme tal temática se encarna no abandono do universo de violência por meio de uma lenta marcha rumo à costa leste. Deste modo, a metáfora inicial da narrativa, dar restos dos porcos aos próprios porcos, recobre todo o sentido ao sugerir uma relação canibalista e autodestrutiva da qual o Western tem dificuldades de se afastar. Mas é esse deslocamento diante das obsolescências que permitirá a chegada do novo.
Um argumento, uma aposta. Está aí. Compre-a quem quiser.
Cotação: ☕☕☕
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