quarta-feira, 14 de agosto de 2024

John and the Hole/Um Lugar Secreto

Um Lugar Secreto (John and the Hole), 2021. De Pascual Sisto

Para que eu não me acuse de ser um diletante que fica apreciando filmes de bang-bang dos anos 50 propus-me a ver essa picaretagem sugerida pelo algoritmo de um serviço de streaming.

O olhar a partir do interior de um buraco em direção à superfície, um contra-plongé, pode fazer correspondência com o filme O chamado (2002): a visão da garota Samara atirada pela própria mãe para morrer em um poço. O quebra-luz formado pela tampa do poço gera a ilusão de um anel, daí o título original do filme (The Ring).

Em John and the Hole a perspectiva inferior não encontra um círculo, mas um quadrado. A estrutura do bunker, quatro paredes lisas de concreto escondidas em um bosque, é a prisão da família do garoto John. Esse literal enquadramento parece ser uma metáfora perfeita para o filme – filme que não entrega absolutamente nada, apenas um quadrado vazio...

Depressivo, angustiado e com mais algumas psicopatias a serem arroladas pelos profissionais competentes, John decide escapar da dura vida do 1% atirando papai, mamãe e irmãzinha em um bunker parcialmente construído. Mas acho que ninguém pode reclamar, pelo menos não é um poço e nem há por ali fantasmas de garotas japonesas.

O que há é um excesso de metáforas ruins: a família desagregada e disfuncional, os desejos de morte e autodestruição, as mágoas e os ressentimentos presentificados na lama que passa a cobrir os rostos e as roupas dos prisioneiros. Enquanto a família permance no bunker sem entender as reais motivações de John, este tenta parar o tempo, recusando o amadurecimento e a compreensão dos seus sentimentos, sobretudo a sensação de abandono da figura paterna.

Precisando contar com uma alta dose de suspensão da descrença para funcionar, o filme abusa da boa vontade do espectador ao apresentar um caçula franzino e inapto social, mas com habilidades o suficiente para aprisionar os pais e a irmã mais velha. Tudo isso em um universo no qual a polícia não parece se preocupar com o desaparecimento de gente rica.

As conexões entre narrativa e metáfora me fizeram lembrar do filme Calmaria (2019), porém este é mais ousado ao romper com o realismo em proveito de uma alegoria completa da deterioração familiar. Como um trilher intimista John and the Hole fica no banal, embora tente parecer complexo ao inserir uma micronarrativa aparentemente deslocada de uma menininha a fim de explicitar ainda mais as crises internas do John.

Para um suspense com nuanças de terror o filme fracassa, pois John, embora imprevisível, não é propriamente uma figura ameaçadora. Outro filme que pode ser lembrado é o O Buraco (2001) de Nick Hamm, este também se passa em um bunker, porém com desdobramentos bem mais perturbadores. Isso sem falar do satisfatório O Quarto do Pânico (2002) de David Fincher.

E vejam só! Estou identificando uma ramificação do subgênero “home invasion”, eis o “bunker inavsion”. É um medo legítimo, afinal, qualquer um pode ficar preso em seu próprio bunker.

Cotação

Assistido em 14/08/2024

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