Cavalgada Trágica (Comanche Station), 1960. De Budd Boetticher.
Eis
o cinema clássico com colheradas de inquietações autorreflexivas. Personagens
questionando-se quanto ao sentido da existência no Velho Oeste com os vilões relutando
em serem vilanescos.
Cody
(interpretado pelo veterano Randolph Scott) vive uma busca infrutífera na
região dos Comanche atrás de sua esposa raptada dez anos atrás. Em uma dessas
andanças resgata uma mulher branca recém-sequestrada, a Sra. Lowe, iniciando o retorno rumo à civilização. Um plot bem simples, mas carregado
de camadas e nuances. Os Comanches são antagonistas, mas simplesmente reagindo a ataques recentes.
Cody
cruza com um antigo desafeto, Lane, que decide acompanha-lo no intuito
de receber a recompensa pelo resgate da moça. Lane e seus dois
pistoleiros são personagens ambíguos, indivíduos cinzentos; não podem ser
equiparados facilmente aos malvadões do Western. Embora terminem
por assumir a posição de vilões, encontram-se abertos a reconsiderações. Advinham,
inclusive, seus próprios destinos: em um dado momento Cody pergunta a um dos
jovens criminosos se ele estaria ciente de seu possível enforcamento ao que o
aprendiz de facínora responde “sim”.
No Oeste
não há como fugir dos papeis impostos; o solitário está fadado à solidão; e não
obstante o seu respeito aos indígenas não lhe cabe outro destino se não matá-los.
Os Comanches, por sua vez, são uma força quase natural. Nos limites do Novo
México encontram-se reduzidos a uma provação adicional ao herói. A
própria Senhora Nancy Lowe, possivelmente violentada pelos indígenas, regressa com uma sensação de impureza, externando o lugar ocupado pela mulher
nesse universo masculinizado.
Mas há inflexões geradas pelos ventos das mudanças. Trata-se de uma das muitas remissões do gênero relacionada ao contexto sociocultural dos anos sessenta nos Estados Unidos. O desfecho, com Cody se voltando para o território selvagem, dialoga com a caminhada de John Wayne no filme Rastros de ódio de 1956. Neste último, o plano de fundo exibido são as formações rochosas do Monument Valley ao passo que em Comanche Station são as belíssimas paisagens de Alabama Hills.
Os dois filmes abordam o resgate de brancas abduzidas por Comanches. Ambos reforçam a moral do homem branco em seu dever civilizacional, mas denunciando a destruição das culturas nativas. Tal revisionismo do gênero – miticamente considerado o fim do Western – seria radicalizado anos mais tarde com um outro filme (talvez o mais potente de todos): Once Upon a Time in the West de Sérgio Leone. Ferrovia e telégrafo finalmente ligam leste e oeste atravessando planícies outrora dominadas pelos nativos-americanos. E uma vez concluída a missão civilizatória, pistoleiro e ranger tornam-se obsoletos e desnecessários. Comanche Station prevê tal situação e dita a possibilidade do “bang-bang” se intelectualizar por meio da autorreflexão.
Cotação: ☕☕☕☕
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