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terça-feira, 10 de junho de 2008

O diabo feito mulher



O diabo feito mulher (Rancho Notorious), 1952. EUA. De Fritz Lang

O diretor austríaco nos trás um filme original, bem ao gosto dos anos de ouro de Hollywood. Trata-se de um western amargo, com alguns momentos de humor e um ar de tragédia anunciada desde o primeiro momento.

Poucos dias antes de seu casamento, o honesto vaqueiro Verns Heskel recebe a notícia de que sua noiva foi assassinada por um bandido ao resistir aos seus assédios. Após perceber o desinteresse das autoridades pelo caso ele parte em busca da vingança, tendo como única pista a informação de que seu inimigo poderia estar em algum lugar chamado “Chuck-a-Luck”. Após meses de procura ele vem a saber que o local era uma fazenda destinada ao abrigo de foras da lei, comandada por Altar Keane (Marlene Dietrich).

O filme se envolve em um enredo marcado por um triângulo amoroso (entre Vern, Keane e o galante French), dissimulações, intrigas e muito rancor. As falas de Keane são as mais cruéis, embora o olhar frio e vingativo de Verns Heskel denuncie sua decisão inabalável em eliminar o assassino de sua amada, afastando-o da composição “ideal” do mocinho. Em alguns momentos é um western com pretensões a um drama shakespeareano, onde um mal entendido pode conduzir um inocente à morte. Aliás, nem tanto, já que todos os hóspedes da fazenda Chuk-a-Luck são criminosos notáveis.

Interessante que não há uma dicotomia clara entre os homens da lei e os vilões, tanto que o espectador pode se identificar com esses últimos. De qualquer forma o mundo da ordem ainda é a referência e na medida em que vemos Vern se afastar de sua antiga vida de fazendeiro, tornando-se um pistoleiro, percebemos que uma triste trajetória está a se concluir.

A personagem mais interessante, sem dúvida, é Altar Keane, uma mulher austera e vaidosa, ciente do seu declínio e decadência de sua beleza, mas mantendo sua feição orgulhosa. Não há lugar no western para as mulheres e, se ela sobrevive em tal meio, o preço a se pagar é alto. Antes uma dançarina de boate, agora uma fora da lei. Em sua face se percebe a tristeza, a resignação, mas a capacidade de resistir aos tempos, não importam quão difíceis sejam.

Um filme simples, mas inteligente, que surpreende pela ambigüidade moral dos personagens – os vilões possuem uma ética de grupo enquanto o herói usa de todos os meios para atingir seus objetivos. Contribuição de Fritz Lang ao gênero, conseguindo extrair do western uma narrativa mais melancólica do que o usual.

Cotação: bom

sábado, 7 de junho de 2008

O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford


O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (The Assassination of Jesse James for the Coward Robert Ford), 2007. EUA. De Andrew Dominik.

Pertencemos à história, mas nosso indício no imenso caudal do tempo se apagará rapidamente. Nenhuma crônica será escrita sobre nós e, com o passar de poucas gerações, não haverá quem faça idéia de que um dia existimos; enfim, condenados ao esquecimento. Mas, alguns demonstram capacidade de deixar rastros e lembranças de suas ações, outros vão além, e abandonam os anais da história para ingressar na narrativa mítica.

Jesse James era um ladrão e assassino, mas, ainda em vida, já havia aedos interessados em perenizar seus feitos. Homem temido, odiado e amado por seus comparsas e pelo público médio, interessado nos foras da lei. Esse herói moderno padece da constante sensação de que seu fim se aproxima, pois quanto mais afamado, mais perseguido – não há lugar para o mito entre os vivos. Por isso, perscruta com singular sadismo os atos, intenções e até pensamentos daqueles que o rodeiam

Brad Pitt desempenha com maestria esse papel, dando um verossímil estoicismo ao seu personagem, que parece antever, desde o primeiro momento, sua extinção. Lembramos de Aquiles (interpretado pelo mesmo ator) que, em Tróia, espera pela sua derrocada com igual coragem e resignação. A intrepidez e ousadia de Jesse James se revelam incongruentes com uma época na qual a imprensa cria figuras mais fantásticas que suas inspirações reais. Em um determinado momento, o criminoso lembra a um dos seus admiradores a falsidade daquelas bravuras descritas nos livretos.

O oposto de Jesse James é Robert Ford (Bob), jovem de inteligência mediana, leitor de textos populares e que se enveredou pela admiração de um personagem cujo desempenho parece mítico. Quando Ford diz que “Ele é só um humano”, sua frase entoa um auto-descrédito. A dramaticidade do filme reside na lembrança da missão que caberá a esse simplório. Não há martírio maior do que a necessidade ou dever de assassinar seu próprio Deus. A vitória não é uma vitória, pois se Jesse James se revela um mortal, nada mais faz sentido, não há mais lugar para o maravilhoso no mundo.

Em The Man Who Shot Liberty Vance, o idealista advogado (James Stewart) vive de uma glória que não a sua, foi seu rival quem abateu o temível bandido. Ao relatar (no final de sua trajetória) a verdade para um jornalista, este prefere manter a fábula, por ser mais poética e didática. Vemos aqui o mesmo desencantamento do mundo provocado pelo reconhecimento de que o herói pode morrer. Que Bob atirou em Jesse James todos sabem, porém, haveria algo de notável nessa execução? Poucos os que reconheceram a nobreza daquele tiro disparado pelas costas. Seu próprio autor acabou mergulhado na introspecção, obrigado a repetir indefinidamente (através de apresentações teatrais) aquele ato infame.

Punido com o esquecimento, pois Robert Ford não se eternizou nas memórias populares, nem recebeu, por muito tempo, o apreço da população, vezes ou outro lembrado, mas como o covarde, o covarde que matou Jesse James.

Cotação: ótimo

sábado, 8 de setembro de 2007

Rastros do Ódio

Rastros de ódio (The Searches), 1956. De John Ford

“Aos que preferem um ‘neo-realismo’ (mesmo super) a um western (mesmo da produção B), poder-se-ia recordar, se isso não fosse inútil, o fato histórico de que o western é o único gênero cujas origens se confundem com as origens do cinema, antes de mencionar outra verificação, a de que o western nunca envelhece.” (VIANNA, Antonio Moniz. Um filme por dia. 2004)

O cinema de John Ford é um compromisso com a excelência, a busca pela composição bem trabalhada. A cena inicial já destaca a qualidade do filme. Do interior de um casebre, a porta se abre, lá fora, o deserto inóspito, a câmera avança e estende o campo de visão, o telespectador pode, portanto, vislumbrar esse cenário western.

Um deserto próximo a Utah, vigoroso, ilustração da ânsia do homem em derrotar o selvagem, inaugurando os postos avançados da civilização.

O herói é John Wayne, que interpreta Ethan, um veterano do exército confederado que chega a casa do seu irmão, perdida na imensidão do Monument Valley, pouco antes do massacre dessa família, cometido por índios. Uma sobrinha de Ethan sobrevive, ainda que raptada pelos agressores.

O ex-confederado inicia, então, uma perseguição pelo deserto, buscando, em primeiro lugar, a vingança e, se possível, recuperar sua familiar. De fato, a motivação de Ethan não é o resgate de sua sobrinha, mas a dizimação do indígena, uma “raça” pela qual ele sente desprezo.

Aqui se encontra o ponto de Rastro do ódio que eu pretendo explorar: as relações ocultas mocinho/vilão existentes no filme. Ford é um cineasta complexo, portanto em sua obra há vários matizes a serem explorados, alguns, como este, menos evidentes.

Em um primeiro momento, os papéis parecem bem definidos, há os colonos (civilizados) e os indígenas (bárbaros). Esses últimos são animalescos, assassinaram os desbravadores e, portanto, devem ser caçados (daí The Searches), isto é, punidos exemplarmente.

O personagem de Wayne, em determinado momento, diz que um índio não é humano, ele cavalga em seu cavalo e, quando este se exaure, é abatido e devorado. De fato, com essa associação não há como legarmos qualquer valor ao nativo. No western a relação homem-cavalo é importantíssima, tratando-se de um genuíno laço de lealdade. Se o índio não reconhece esse dever moral para com o eqüino, há mais uma prova de sua proximidade com a selvageria, uma cultura que não é pautada pela ética.

O grupo étnico que Ethan persegue é o Comanche, liderado pelo cruel Scar. Um homem que mata, aprisiona e comete o infame ato de retirar o escalpo. Essa tribo é considerada hostil até por outros indígenas. Ou seja, dentro da narrativa do filme, o extermínio desse povo já está autorizado.

Contudo, aos poucos as sutilezas relativizam, para o bom entendedor, as relações entre herói e vilão. O homem que acompanha Ethan até o final de sua busca é Jeffey Hunter, filho adotivo do família assassinada. Porém esse rapaz, por ter sangue indígena, é mal recebido pelo personagem de Wayne.

Hunter, ao contrário de Ethan, quer reaver sua irmã a qualquer custo. Já esse último está mais empenhado na vingança, chegando a cogitar em assassinar a sobrinha, ao perceber que ela poderia estar adaptada à cultura Comanche.

O primeiro véu do herói se desmancha, pois ele é racista, racista extremado. Ethan quer um massacre e não um resgate. Ele não respeita os cadáveres dos índios, mutilando seus corpos inertes. Trata-se de um homem só e amargurado, alguém realmente apto para viver no deserto, deserto que nada mais é que o reflexo de sua postura eremita.

Os índios são retratados negativamente, ou são violentos ou possuem aquela idiotice dos povos inferiores, sendo facilmente manipuláveis. Porém, há um momento Ethan e Hunter e deparam com uma indígena que eles haviam conhecido, ela é uma boa mulher, mas não foi poupada da retaliação (massacre) conduzida pelas tropas do exército. É quando o acompanhante de Wayne comenta que não haveria motivo para ela ser executada.

Aqui a narrativa faz – em nota de rodapé, é verdade – uma pergunta: então, não são apenas os brancos a serem executados injustamente? Questionamento que não recebe resposta, mas que ali se encontra justamente para inquietar o telespectador.

Scar, o terrível índio, também teve seus filhos assassinados (ele usa essa palavra) pelo homem branco. Portanto sua ação é uma reação. Aqui, o véu do vilão também cai, já que foram os autóctones os primeiros a serem ultrajados, a terem seus territórios invadidos. Com uma sutileza – e se fosse outro cineasta, eu diria involuntária – Ford nos trás a idéia de que o fato e o que é dito sobre o fato se confundem. Idéia que será claramente expressa em O homem que matou o facínora.

Existe mesmo um paralelo entre o rancho e a aldeia destruída. Um plano que se repete é aquele que mostra a destruição externa pelo ângulo do interior dos escombros. Os brancos e os índios se digladiam, mas reza a lenda (que não é hollywoodiana) que são os bárbaros somente esses últimos. E em Ford, a lenda é a história.

Nos atos finais, quando a aldeia de Scar é atacada pelas tropas do exército há uma cena em que vemos uma criança quase ser esmagada pela cavalaria americana. As chacinas não poupam filhotes, sejam brancos, sejam índios.

Porém a cena mais enigmática é aquela em que garota branca, mas já transformada em uma Comanche, foge horrorizada, temendo ser morta por sem próprio tio. Aos olhos dos índios, o assassino é Ethan. Claro que no último momento o implacável vingador reconhece na pele branca uma igual, mas houve um momento de dúvida, de ambigüidade do “herói”, que não pode ser apagada pela narrativa mais evidente.

Em suma, esse é apenas um dos muitos pontos que podem ser explorados. O que evidencia a complexidade desse filme e a necessidade de voltarmos continuamente a esses clássicos.

Ao final, Scar e Ethan, em seus extremos se equiparam. Em ambos há medidas de brutalidade, tristeza e solidão. O chefe destemido e o ex-soldado amargurado, nem tão diferentes e não tão semelhantes. Homens do deserto, isto é o que eles são.

Cotação: Ótimo