A Máquina: o amor é o combustível, 2006. De João Falcão
É um filme polêmico, desenvolvido com maestria. Narra sobre uma cidade imaginária e seus singulares habitantes. Apesar de ser específica e localista, a história alcança, brilhantemente, o universal. O filme a que me refiro é Dogville e seu diretor é Lars Von Trier.
Mas, muito distante desse exemplar cinematográfico temos A Máquina, dirigido por nosso amigo Jonhy Falcon. É um dos filmes mais constrangedores que eu já vi nos últimos tempos e mereceria toda a galeria de Troféus Framboesas, se essa premiação se dignasse a distinguir as nulidades do anonimato semi-amadorístico.
O filme narra a história de Antônio (Gustavo Falcão), que decide colocar sua vida em cheque para chamar a atenção do mundo para a pequena cidade de Nordestina, tentando, dessa forma, arrebatar o amor da linda (?) Karina (Mariana Ximenes). Ao final, ele consegue atrair o interesse da mídia internacional, mas o preço é sua própria martirização, no tempo e no espaço.
Nordestina? Ai. Só pelo nome da town já fica patente o interesse em atingir a “essência” do nordeste... E, diga-se de passagem, essa é uma estratégia que nunca funciona. Na maior parte da trama, as falas e os trejeitos dos personagens revelam – não o cerne do nordeste – mas sim uma visão estereotipada; o olhar do litorâneo sobre o que, supostamente, seria o sertão.
O filme é uma falha completa, começando pelo argumento e o desenvolvimento afetado do roteiro. O que resultou, ao final, em uma direção excessivamente teatralizada, que não soube peneirar as interpretações exageradas dos atores.
Gustavo Falcão resvala na canastrice – enrolando-se para pronunciar aquelas falas mal escritas, redundantes e pretensiosas. Alguém deveria ter lhe avisado que ele não é Matheus Nachtergaele e que o personagem em questão não era o João Grilo. Mas justiça seja feita, nada pode superar o papelão (digo, papel) interpretado por Ximenes. O momento em que ela é introduzida na história, cantando uma musiquinha songa-monga em uma bicicleta, pode ser considerado como um dos mais tristes momentos do cinema brasileiro.
A comparação inicial com Dogville não foi gratuita, pois alguns planos gerais de Nordestina, sobretudo quando a vemos em visão aérea ou em plongée, é possível uma associação com a cidade título do filme de Lar Von Trier: uma cenografia que remete a não arquitetura.
Porém, no caso de A Máquina, a desconstrução da paisagem cenográfica, enquanto um simulacro do real, opera por outro sentido que aquele da remoção das paredes. Aqui, se faz questão de assinalar os exageros do cenário e da iluminação (uma forma de atingir a essência). Nordestina não tem uma arquitetura real, a própria igreja (centro de toda cidade tradicional) não possui paredes, mas só a fachada com uma torre, que encobre e, ao mesmo tempo, revela o vazio do sertão. Contudo, quando Antônio parte para o “mundo”, as locações aparecem mais realistas (o mar é, de fato, o mar). O cenário sai da narrativa mítica e entre no tempo histórico real. Tal escolha implicou na quebra da homogeneidade espacial do filme, colocando dificuldades em um trabalho mais do que problemático.
No final, em uma coisa A Máquina acerta, ela consegue atingir a condição de alegoria e fábula. Pois esse filme é uma perfeita metáfora do cinema brasileiro (a Nordestina): incompleto, incoerente, imaturo, mas que quer ser descoberto pelo mundo, chamar a atenção daquela gente grande que, lá na terra da Estátua da Liberdade, faz cinema de verdade.
Grace (Nicole Kidman) disse que algumas cidades nunca deveriam existir. Se referia a Dogville, mas ainda bem que ela não conheceu Nordestina.
Cotação: Péssimo
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