domingo, 20 de dezembro de 2009

Atividade Paranormal


Atividade paranormal (Paranormal Activity), 2009. EUA. De Oren Peli

Ou Marmelada!

Um dos casos em que não existe filme, mas tão somente o marketing do filme.

É o faz de conta. Faz de conta que existe um filme. Faz de conta que atrás da porta tem um fantasma. Faz de conta que o filme dá medo.

Chega de câmera subjetiva e enganações baratas! Não se sabe mais fazer terror, a picaretagem é o carro chefe absoluto.

Em, A filosofia do horror, Noël Carroll mostra que o aparecimento gradual do sobrenatural é um dos enredos mais característicos do gênero, O exorcista seria o exemplo mais completo. Atividade Paranormal se baseia em uma versão simplificada dessa proposta.

Um casal desconfia que há uma entidade perambulando seus aposentos, para entender o que está acontecendo eles decidem deixar uma câmera ligada. O resultado é assustador, desde que você seja filho de um gato escaldado...

Michael, quase sempre com a câmera em suas mãos, tem uma atitude desafiadora, desconfia da existência de seu hóspede e o provoca durante vários momentos. Katie sabe que ele é real, pois desde sua infância sente-se perseguida por tal criatura.

Durante o desenvolvimento da história, entendemos que a assombração não é um espírito humano, mas um demônio. Provavelmente há uma razão para sua perseguição a Katie, talvez ela saiba o porquê, porém isso não é mostrado, apenas vemos seus prantos após ter revelado o suposto segredo ao seu companheiro.

Dentro de uma outra linha e proposta, mas com pontos em comum, Arraste-me para o inferno de Sam Raimi seria infinitamente superior, uma forma mais burlesca e muito menos cara-de-pau de representar as diatribes do maligno. Atividade paranormal não passa de uma embalagem vazia.

Embora eu não seja um psíquico, vou me arriscar em uma previsão, este tão propalado “terror da década” está destinado a um rápido esquecimento. Digamos, no momento em que escrevo a crítica, ninguém mais se lembra dele.

Assustador.

Cotação: péssimo

20 de dezembro de 2009

sábado, 5 de dezembro de 2009

Lua Nova


Lua Nova (New Moon), 2009. EUA. De Chris Weitz

Ou Meu cachorrinho faz au-au.

Há tanta inverossimilhança em Lua Nova, e não por causa dos vampiros que brilham à luz do sol ou dos garotos de 16 anos (tão nervosinhos...) que se transformam em lobos. Mas não dá para digerir um enredo que se estrutura em torno dos sentimentos de uma adolescente de 17 anos. Se não aceitarmos aquela premissa de “sempre vou te amar” ou “não quero te perder jamais” fica difícil levar tal história a sério.

Como continuação de Crepúsculo, o novo filme tem vários desdobramentos interessantes, todos ocasionados ou suscitados pela imaturidade tipicamente juvenil de Isabella. O que não é, em si, um problema, as nossas meninas gordas e espinhentas que não arrumam namorados precisam de material para devaneios. Hollywood sente-se feliz em providenciar isso, a preços módicos claro.

É uma série que tem tudo para fazer sucesso entre as teenagers, rapazes bonitos e sarados, complicações amorosas, problemas familiares, receios, inseguranças e a menor preocupação com a vida acadêmica... Nesse sentido, mais autêntico impossível! Porém surge a questão: o que os adultos estão a fazer na sala de projeção?

[A recuperação da estética ultra-romântica]

Aparentemente, os rostos juvenis, as juras amor e as relações assexuadas capturaram o gosto do povão... No fim das contas é um filme de vampiros bem comportados, não há exageros nas cenas de violência, os draculosos sequer possuem semblantes muito ameaçadores ao não exibirem suas presas. Os personagens apenas se abraçam, se beijam ou se empurram. O sexo está ausente e a morte subentendida, de forma quase poética inclusive. Os pais podem ficar sossegados, suas filhas permanecem com as mentes castas.

Reitero que Lua Nova não é um mal filme. Não obstante as falhas insanáveis das suas premissas, a estruturação da narrativa é eficaz, ao mostrar as complicações do mundinho de Bella. Se tudo parecia ir às mil maravilhas – ou nem tanto, vide o incidente ocorrido em seu aniversário – o abandono de Edward, o namorado vampiresco, joga a garota em uma “depressão”.

Para sair desse vale de lágrimas (já que ela foi a primeira garota no mundo a levar um fora) Bella vai buscar consolo em seu amigo Jacob, residente em uma reserva indígena da cidade. As complicações aumentam quando ela descobre que Victória, a vampira do filme anterior, está em seu encalço para vingar a morte do amado, assassinado pelos outros vampiros da família Culler (grupo do qual Edward faz parte).

Bem, entre as cenas de rapazes índios sem camisa (sarados e bronzeados... ai dilícia) e as ações inconseqüentes de Bella, descobrimos que alguns índios da reserva são... suspense... lobisomens... ohhhhhhhh.

[O masculino sem camisa: faz de conta que não existe sexo]

E sim, Jacob faz parte desses pit-boys, digo woolf-boys, e após o desaparecimento de Edward ele é quem assume os encargos de proteger a jovem bela. Esta beatitude tem um curioso gosto por rapazes, ou pulguentos ou sanguessugas – digressão: o que tem de errado conosco, os rapazes normais?

Voltando: Mais curioso ainda, há um fascínio geral por essa garota pálida de 18 anos (ela faz aniversário no meio do filme), vampiros, lobisomens e rapazes da cidade, todos interessados em colocar nela suas patinhas ou garrinhas.

Se as frivolidades predominam na ambientação geral, os problemas enunciados colocam desafios sérios para a protagonista. Sua vida está em jogo, contudo seu amor cego por Edward a impele a tomar ações imprudentes e, por vários momentos, ela resvala nas mãos dos inimigos.

Além de Victória, surgem novos antagonistas, estes sim, aparentemente invencíveis, uma antiga e poderosa família de Vampiros (os Volturi). Os lobos também passam a intensificar a oposição aos Cullers, dificultando ainda mais a vida da garota.

Em Lua Nova, a dicotomia vampiro-lobisomem ganha centralidade. Os vampiros se caracterizam por uma arrogância, um desprezo pelos humanos, mas há algo de decadente neles, pois vieram do Velho Mundo, têm contra eles aquilo que chamaríamos de “o peso da história”. Já os lobisomens são animais gregários, defensores das florestas, filhos do Novo Mundo, não temem os vampiros e mantêm um comportamento territorial.

Dentro de todo este imbróglio, Bella, a bela, fica dividida entre a amizade de Jacob (o bronzeado sarado) e Edward (o magricelo pálido elegante). A estética do anabolizante ou a reciclagem do ethos romântico? Questão central para o universo feminino sub-20, só não consigo relacioná-la à sétima arte.


[O masculino sem camisa: o lobo ou o morcego? Lembrando que o morcego não é o Batman]

Uma pena que, em meio ao exibicionismo dos corpos masculinos – pois agora, o rostinho bonito não é mais o da mulher – as damas continuam passivas e dependentes da proteção dos cavaleiros encapuzados. Lua Nova só é moderno na forma, em sua essência sente-se o peso do bustiê, as virgens pálidas do romantismo permanecem. Acontece que agora elas trajam moletons bregas e namoram com bad-boys de fala macia.

Compete perguntar o que vem em seguida... isto é, além dos rituais de sacrifícios e suspiros do público... bem, a Branca de Neve já deu as caras há muito tempo, estou a espera da bruxa malvada.

Cotação: regular

05 de dezembro de 2009

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A Noite dos Mortos Vivos


A Noite dos Mortos Vivos (Night of Livind Dead), 1968. EUA. De George Romero

Você já leu Max Weber?

Eu nunca li, ao menos não de todo. Alguns trechos, capítulos, excertos. Tudo bem, ninguém é obrigado a ler Max Weber. No entanto, não parece ser intelectualmente honesto citar um autor sem conhecê-lo: sem dúvida, muitos comentam seus textos, mas poucos, de fato, já o estudaram.

Nunca havia assistido a “obra prima” de George Romero, não obstante meu interesse pelos filmes do gênero – confesso que várias vezes citei seu estilo e sua contribuição, um tanto inadvertidamente agora reconheço. Mas parece que não estou só, há tantos equívocos já ditos sobre A Noite dos Mortos Vivos... há mesmo certa supervalorização, e quando vamos a película não há como esconder um desapontamento.

As linhas gerais permanecem (eu já havia assistido o remake da década de 1990), Barba e seu irmão vão ao cemitério visitar o túmulo do pai, mas lá são atacados por um cadavérico, o rapaz morre e a jovem se vê sozinha. Ela caminha até uma casa erma, onde irá encontrar outros sobreviventes.

O primeiro aspecto que chama a atenção é a propalada idéia de que George Romero não dá uma explicação para o aparecimento dos zumbis. Wrong! Ele dá sim, inclusive insiste nisso, não de forma clara e evidente. Mas a chave do problema está lá, comenta-se acerca de uma radiação ou poeira vinda do espaço que seria responsável por trazer a vida aos corpos recém-falecidos. Algo que Ed Wood já havia falado em Plan Nine from Outer Sapce... As barreiras entre o trash e o Cult são tênues Mr. Spock, muito tênues...

O desenvolvimento dos personagens é mais rasteiro do que se pensa, Barba fica em estado de choque e não percebe os conflitos estruturados em torno da casa – sua contribuição ao desenvolvimento da narrativa é pífia. Outro conceito difundido é o de que George Romero mostra que o perigo não só ronda o lado de fora, porém isso é feito com muito menos habilidade do que em outros trabalhos que abordaram esse tema.

As constantes transmissões televisivas (os personagens presos na casa ligam um aparelho) diminuem a sensação de caos e isolamento. A sensação de um Estado capaz de administrar o levante dos mortos é mantida, algo que enfraquece o impacto dramático. Os filmes mais recentes desenvolveram essa premissa de forma muito mais intensa, vide Extermínio ou Madrugada dos Mortos, para ficar nos exemplos mais fáceis.

Não que a intenção seja desmerecer a triologia de Romero (Despertar dos Mortos ainda não assisti), mas o culto aos seus filmes se mostra mais importante para o gênero mortos-vivos do que seus próprios filmes. Além do que suas produções recentes são constrangedoras, isso para não dizer medíocre.

Mas, há muitas boas idéias em A Noite dos Mortos Vivos, o argumento de um conflito civil está presente. Um dos protagonistas é um negro, personagem ambíguo, cujo relacionamento com Barba pode dar a entender o delineamento de um desejo sexual. Estamos falando de um ano que nos Estados Unidos ficou marcado pelas lutas raciais. Muitos cinéfilos e críticos já interpretaram as patrulhas de caçadores zumbis que aparecem nos atos finais como os equivalentes aos grupos de perseguição aos negros no sul dos Estados Unidos. Essa parece uma associação legítima, o que confere a chamada “crítica social” tipicamente presente no gênero.

O desfecho não é otimista, mas também não apocalíptico. Não há uma conclusão, mas permanece em aberto a sensação de anormalidade, de incidente.

Certamente, não é o melhor filme de zumbis já feito, mas a contribuição de A Noite dos Mortos Vivos é inegável. Exerceu influência no cinema trash americano e, curiosamente no italiano, consolidou uma concepção de filme de horror que ainda prepondera.

Com seus altos e baixos, temos um clássico, não absoluto ou indefectível, mas capaz de exercer fascínio ao espectador de hoje.

Bem, acho que já está na hora de ler Max Weber.

Cotação: Regular

30 de novembro de 2009

domingo, 22 de novembro de 2009

Crepúsculo


Crepúsculo (Twilight), 2008. EUA. De Catherine Hardwicke

Ou Faz dodói no meu pescoço.

Prévia:

O público está em pavorosa, passei no shopping essa semana e vi uma longa fila, fazendo ângulo de 90º. Titanic ressurgiu das profundezas do oceano, mas sem o Leonardo Dicaprio. O bonitão da vez é Robert Pattinson.

Nada contra, não cabe ao crítico ditar as tendências do momento. Mas vale a pena compreender. Esses filmes nem mereceriam maiores elucubrações. Adolescentes precisam de ídolos fugazes: garotas idealizam o rapaz perfeito e os rapazes aprendem os maneirismos do rapaz perfeito.

Tudo muito simples. O que me assusta é a quantidade de adultos enfrentando horas de fila para ver algo previsível e maçante.

Bem, antes que a Lua Nova aparecesse nos céus do consumismo, tive a oportunidade de testemunhar o crepuscular do bom senso, quando o acaso me colocou diante dessa obra prima do universo teen.

Estamos no século XXI:

Fim do sábado. Calor insuportável. Estou sentado na porta da sala com uma lata de cerveja e sem camisa (a cena não é sexy, pois sou gordo e careca). Toco as moscas com a camiseta amarrada em minha mão como se fosse um chicote.

Minha sobrinha se aproxima toda saltitante dizendo “Tchau Tio”. Eu pergunto se ela vai à padaria e peço para trazer uma cerveja na volta. “Não, tipo, eu vou assistir Lua Nova tio” (frase dita ao som de Trident sendo mascado).

Só então reparo em suas roupas mui curtitas, sua maquiagem estilo “Cresci mamãe” e aquele cheiro de perfume Avon. Vejam, não que eu seja um cara mau, mas eu estava sozinho em casa e não queria ter a responsabilidade de liberá-la para esse mundo afora, tão fugidio e perigoso.

Inicia-se um debate entrecortado por cenas de choro, nas quais ela tenta me convencer que “todo mundo” vai assistir ao filme! Que é injusto. Que ela quer morrer. Que ninguém mereeeeeece. Eu abro os braços e digo, “Veja, eu não tenho a autoridade para te liberar”.

Ele corre para o quarto chorando. Digo que ela pode fazer qualquer coisa, salvo por os pés na rua. Motivado por remorsos pego um DVD pirata jogado em um canto da casa (federais, não fui eu quem comprei!) e, como forma de fazer as pazes, insiro-o no aparelho. Funciona! Assim como os marinheiros são atraídos pelo som das sereias, as adolescentes são atraídas pelo som de:

Crepúsculo:

Já vi. A mesma história. Batidíssima.

Uma garotinha com estilo pós-emo abandona seu amado Arizona para morar com o pai em uma enevoada e chuvosa cidade nos cafundós da América (Forks). Lá vemos a mesma balelice de sempre: as dificuldades de adaptação ao colégio, a dinâmica das paqueras, as amizades e os profundos dilemas existências próprios daquela parte da vida na qual sua única preocupação é ter que arrumar preocupações.

Essa garota, Isabella, percebe que em seu colégio existe um grupo de anti-sociais (uau! Que original!), distantes e blasés. Mas entre eles há um cara tão bonito, tão fofucho, tão misterioso, tão gatoso e, que perfeito, tão solteiroso!

Esse rapaz, com malhas grossas e cabelo arrepiado, tem um segredo todo especial... ele é um... [suspense] vampiro! Sim, mas um vampiro do bem, porque ele não ataca pessoas, sobrevive apenas abatendo animais – WWF, olha a contra-propaganda do inimigo...

O romance entre eles custa engrenar, até porque – temendo por sua natureza vampiresca – o jovem evita a companhia da bela Isabella. Mas o amor é irresistível, apesar das proibições e interdições, os dois jovens se apaixonam e se preparam para um grande romance.

Er... jovens não, pois Edward Cullen já tem, mais ou menos, uns cem anos, não obstante ter uma cabecinha de 15, cabecinha essa responsáveis por frases do tipo: “Não quero te machucar” ou “Se encostar nela eu te mato”.

Eduward é um dos integrantes da família Cullen, conhecida entre os índios da região pelo estranho comportamento. De fato! Vampiros que saem à luz do sol? Muito estranho! Muito estranho mesmo! De qualquer forma, durante o desenvolvimento da história fica patente o antagonismo entre os draculosos e os “apalaches”.

O romance entre os adolescentes (sic) vai bem até um novo grupo de sanguessugas chegar à cidade e, por uma razão bem pouco plausível (salvo se você tiver 17 anos e muito testosterona nas veias), decidirem perseguir a bela Isabella.

Bem, que venham os clichês: a moça fraca e burrinha que sempre se mete em perigos, salva no último instante pelo intrépido galã. Vampiros do bem, guiados providencialmente por um sábio mestre.

Ao término da projeção, minha sobrinha era só lágrimas – e olha que ela deve ter assistido essa fita pirata (que feio!) umas dez vezes. O filme não é nem de todo ruim, apenas um produto que já foi vendido nos mais variados formatos, embalados em distintos papéis de presentes.

Há que se questionar a razão para o sucesso de uma película tão choca. O fascínio por essa triologia em específico será motivo para um próximo post. Para não parecer preconceituoso assistirei Lua Nova primeiro. Irei sozinho, pois minha sobrinha não quis ir comigo, não entendi as razões, mas ouvi ela resmungar algo como “queima filme”.

Estou ansioso. Vampiros “vegetarianos” e fosforescentes. Adolescentes perdidamente apaixonadas, ressentimentos pelo baile da formatura. Habilidade de ler mentes e prever futuro, nativo-americanos com carinhas de mau. De fato, promissor.

O que virá em seguida, isto é, além dos dilemas sentimentais e baldões de pipocas?

Só faltam aparecer bruxas ou lobisomens... eh, eh, eh... lobisomens.

Cotação: fraco

22 de novembro de 2009

sábado, 14 de novembro de 2009

Os Sete Samurais


Os Sete Samurais (Shicinin No Samurai), 1954. Japão. De Akira Kurosawa

Qual o valor de uma espada em tempos de paz? Embainhada, escondida, guardada: simplesmente inútil. Não há muito valor nessa lâmina, ao contrário das foices e de outras ferramentas utilizadas na faina agrícola.

O samurai sem senhor, chamado de ronin, é um errante, sem um lugar na sociedade feudal japonesa. Além de sua espada, a única coisa que traz consigo é sua honra, inconveniente, ambígua e, quase sempre, anacrônica.

Em um povoado, lavradores pobres estão na eminência de serem pilhados pelos saqueadores, alguns partem para a cidade buscando samurais pobres e famintos, dispostos a fornecerem proteção em troca de comida. Após um longo preâmbulo, sete guerreiros serão encontrados; personalidades distintas e objetivos diferenciados, mas com traços reconhecidamente em comum, um desamparo perante a vida, uma solidão difícil de ser amenizada.

Os samurais partem para defender os aldeões, mas há uma ambigüidade sobre esses camponeses que atravessa todo o filme. Que tipo de pessoas é essa gente simples? Não há como se esquivar de lançar um olhar ácido sobre esses trabalhadores, medrosos, mesquinhos, avarentos e supersticiosos, o peso da tradição atravessa tal modo de vida, tornando-os um tanto ingratos.

Os samurais expressam um orgulho que começa a se incompatibilizar com a sociedade do século XVI, se aos camponeses cabe o papel de histéricos e passionais (atributos tidos como femininos), aos sete defensores incube evidenciar a inflexibilidade, a fabilidade e a fatalidade. A ação dos samurais, de certa forma, também é parasitária, não produzem, não plantam, não colhem, apenas consomem. Não são, portanto, bem-vindos em um lugar apaziguado, tratam-se de eternos errantes.

O heroísmo demanda necessariamente uma capacidade para o auto-sacrifício e uma privação, algo que os sete compartilham. Um experiente samurai, mas que acumulou muitas derrotas durante a vida, traz junto seu antigo companheiro que havia aposentado a espada; outro habilidoso guerreiro, também sem nenhum lugar para onde ir; um jovem discípulo, que se propõe a acompanhar o grupo; um brilhante espadachim, que esconde sua angústia em um virtuosismo técnico; um samurai de 2ª grandeza, que encara a si mesmo com maior complacência; e, por fim, um lavrador travestido de samurai, o de temperamento mais tempestuoso.

O olhar que esses samurais lançam sobre os lavradores oscila entre a piedade e o desprezo, a ética do guerreiro e a do lavrador são diferenciadas. Mas o próprio lavrador-samurai justifica os camponeses, lembrando que eles são constantemente subjugados, pilhados e explorados. Humilhados e embrutecidos, não se interessam pela bravura dos soldados, preferem ver as plantas crescendo e o girar interminável do moinho d’água.

As duas classes se unem para enfrentar os inimigos, em uma série de batalhas, mas após o último conflito, no qual perecem inclusive quatro dos samurais, fica a dúvida sobre a razão do conflito. O mais velho e experiente guerreiro filosofa: “Nós perdemos, quem venceram foram os lavradores”.

Os camponeses retomam as atividades, esquecem do sacrifício dos seus convidados e defensores, as próprias camponesas deixam de achar os samurais homens “interessantes”. As espadas foram guardadas, que comece a plantação, uma atividade da vida, que remete ao futuro e ao nascimento. Enquanto isso, os guerreiros param diante dos túmulos e constatam a disponibilidade dos aldeões em se esquecerem do cemitério – lugar de morte e passado.

A tarefa do guerreiro é solitária, nunca há um ganho definitivo; sem dúvida os samurais deverão partir, pois já não há mais um lugar para eles na aldeia. A história do cinema associou em definitivo Os Sete Samurais com o western americano. Os justiceiros implacáveis (sejam usando espadas ou pistolas) estão fadados a lutar pela causa dos outros, padecem pelas arengas de terceiros. O término deste filme pode remeter a várias passagens do cinema hollywoodiano de primeira linha, mas a título de comparação pensemos na cena final de Rastros do Ódio, no qual John Wayne, após concluída sua missão, se afasta da cabana e ruma em direção ao deserto. Impossível dizer se seu sentimento é de tristeza ou resignação.


[Os samurais e o pistoleiro, a epopéia sobre os herói solitário é universal]

Essas duas emoções se materializam na feição de Kambei Shimada, o líder dos samurais, um olhar distante e triste, crítico em relação à conduta dos camponeses, mas também profundo e auto-reflexivo. Um samurai luta, essa é a sina, mas a questão é por que não se pode lutar por si próprio. Talvez, esse desprendimento – só aparentemente altruísta – seja o último elo entre os samurais e a humanidade. Que ao menos após a morte, haja um lugar definitivo para o repouso.

Cotação: Ótimo

14 de novembro de 2009

sábado, 17 de outubro de 2009

Distrito 9


Distrito 9 (District 9), 2008. África do Sul. De Neill Blomkamp

Onde Slumdog de Danny Boyle falhou, esse filme acertou em sua totalidade. Há tempos que esperava ver um trabalho assim, uma relação entre a segregação social e a alteridade.

Quem não se lembra da cena do Independence Day em que a nave alienígena sobrevoa a troposfera? Mas os seres do espaço não vieram com intuitos de destruir a Casa Branca. Para o azar dos pobres ETs, a gigantesca máquina encalhou sobre Joanesburgo, com a tripulação enfraquecida e desidratada. O mundo parou para ver a cena, os primeiros contatos foram marcados por uma expectativa geral e até certa amistosidade.

Passado o contato inicial, as dificuldades de convivência se acentuaram. Aliens, estranhos demais para os padrões humanos, a começar pela própria aparência, parecendo-se com “camarões”, termo pejorativo para designar a nova raça. Excluídos da sociedade humana, passam a cometer pequenos crimes, a vasculhar lixos, transformam-se então, na linguagem política corrente, em um problema social.

O governo da África do Sul adota uma medida por eles muito conhecida: a segregação. Cria-se então o Distrito 9, área isolada para os extraterrenos. A partir de então a xenofobia e o antropocentrismo podem se desenvolver com maestria! Aspectos muito bem trabalhados, uma vez que o roteiro foi eficazmente desenvolvido de forma neorealista pelo diretor Neill Blomkamp (estreante em longas metragens), apadrinhado pelo Peter Jackson.

Vejo três temas bastante importantes no filme, em primeiro lugar a questão da segregação com o surgimento de guetos e favelas – prática desenvolvida pelos seres humanos em vários momentos da história. Aliás, são eles os executores, os agressores, os confinadores, enquanto os “estrangeiros” vivenciam uma situação de completa impotência. Dentro do Distrito 9 surgem redes de tráfico controlados por gangues nigerianas, essas vendem alimentos para os alienígenas, além de oferecerem prostitutas humanas, recebem em troca armas muito sofisticadas, porém inúteis, já que funcionam somente com a biologia alienígena.

Percebe-se que os invasores não são uma raça conquistadora, até porque perderam seus líderes durante o acidente que reteve a nave na terra. Agressivos mas desorganizados, são facilmente contidos pelas forças da ordem.

O segundo aspecto é o papel das companhias multinacionais, sobretudo a empresa de segurança privada MNU, interessada em dominar a tecnologia extraterrena. Essa ficção mostra exemplarmente as conseqüências da privatização das forças militares e de segurança pública, entidades capazes de manipulação, atrocidades e desrespeitos aos tratados internacionais – algo como o caso de Abu Ghraibe e outros escândalos do gênero visto no Iraque e no Afeganistão.

A situação perde o controle após um medíocre funcionário da MNU se contaminar com um fluido encontrado em um barracão do Distrito 9, ele sofre uma mutação, começando a se transformar em um “camarão”. A empresa passa a persegui-lo a fim de obter seu material genético, o que a habilitaria a dominar as poderosas armas, até então inacessíveis aos humanos.

Por fim, vale conferir como as impressões do mutante, Wikus Van De Merwe, se alteram ao longo da projeção. Seu etnocentrismo se abala ao se ver como uma criatura que ele desprezava, mas seu arraigado especismo o impede de tomar um posicionamento ético mais preciso. Evidentes as dificuldades de romper com o individualismo, sua preocupação é recuperar a forma humana, o “herói” do filme seria, em certo sentido, seu oposto, o alienígena Crhistopher, desejoso de libertar sua raça.

O caráter quase documental do filme funciona como uma muleta fornecendo as informações ao público, também confere um ar de urgência e perigo constante. Nada é previsível, pois intervenções militares em assentamentos de minorias são necessariamente conturbadas. Não há como não torcer pela derrota dos humanos que não fazem o menor esforço para integrar os ditos camarões, apesar de que as motivações desses últimos nunca ficam plenamente claras.

Um filme denso, que propõe uma série de reflexões, centrado na questão da dificuldade do homem em reconhecer o “outro”. Situação que se agrava por se passar na África do Sul, país que, por anos, defendeu o Apartheid. O desfecho do filme resolve os problemas levantados e convence, mas ele insiste em conceder apatia às massas de oprimidos, incapazes de uma mobilização política.

No término da narrativa, Wikus Van De Merwe não ampliou tanto assim seu aprendizado. Tal como os gorilas (humanos) e os camarões (aliens), ele se resigna a uma posição de espera. Nenhum aprendizado humanista é alcançado, a segregação parece provar sua eficácia, uma patologia política que os humanos ensinaram aos seus inconvenientes e indesejáveis hóspedes.

Cotação: Bom

17 de outubro de 2009

A Vida Secreta das Abelhas


A Vida Secreta das Abelhas (The Secret Life of Bees), 2008. EUA. De Gina Prince-Bythewood

A nossa relação com o cinema é engraçada. O que nos estimula a pensar sobre o cinema? Em que momento a crítica nasce? De onde vem a cinefilia? Há algum tempo que não escrevo, na verdade, minha ligação com a sétima diminuiu. Trabalho excessivo, incumbências e dissabores da vida cotidiana resultaram em idas rareadas ao cinema e, mesmo em casa, a disposição em assistir filmes se tornou menor.

Trabalhos consistentes, ou ao menos provocadores, como Watchmen, A Onda, Bastardos Inglórios e Adeus Solo não me motivaram ao exercício da escrita. Acho que ainda não era a hora do retorno ao “pensar o cinema”. Mas essa nulidade, The Secret Life of Bees, relembrou-me a importância de uma leitura do filme mais adensada.

Nada que mereça destaque nessa película: melodramas esquemáticos, aquelas histórias de teor feminista um tanto esquisitinhas. Mulheres (no geral negras) contra um mundo cruel e masculinizado, trata-se da busca de um lugar, onde as tessituras do segundo sexo possam se desenvolver em segredo.

O texto parece ter sido redigido por um estudante de psicanálise, os personagens apresentam uma estranha compulsão para a auto-análise. Buscam solucionar seus conflitos, sejam sociais, internos (da própria subjetividade) ou de relacionamentos por meio de insights inverossímeis, típicos diálogos que nunca vemos na vida real.

A obviedade dá o tom do filme, a começar pelo paralelo entre as abelhas, insetos laboriosos com comportamentos que nem os próprios apicultores entendem, e as irmãs Boatwright, negras trabalhadoras e instruídas, proprietárias de uma indústria caseira de mel na machista sociedade sulista. Pobres abelhinhas contra um mundo adverso, mas resistentes, devotas da Maria Negra, uma imagem que apareceu miraculosamente para dar esperanças aos oprimidos e às oprimidas (ênfase nessas últimas, por favor), além de ser o logotipo da fábrica.

No mais, tudo transcorre sem grandes surpresas, cada personagem tem uma função, a abelha rainha, August Boatwright (interpretada por Queen Latifah), June, uma orgulhosa zangão e a tolinha May, nas vezes de uma mera abelha operária. Destaque para a atriz Dakota Fanning, que interpreta a adolescente de 14 anos Lily Owens, uma jovem moça iniciada na milenar arte de “como os homens brancos são maus”.

É o cinema unidimensional, sem qual qualquer profundidade, com certa propensão para o dramazinho barato. Cinema feito para um nicho muito específico, fala-se do feminino, mais não da feminilidade, as próprias mulheres se definem em função do homem – odiá-los ou amá-los? E, se amá-los, como não ser desonradas por algo tão bruto e incompreensível? Para June, a grande vitória da sua trajetória foi romper com sua masculinidade, aceitando seu lugar de mulher no mundo – o que no caso significou um casamento... contradições Simone de Beauvoir, contradições...

Questões de gênero fazem mais sentido para aquele pensamento binário americano, mas no caso dos brasileiros, híbridos a todo instante, A Vida Secreta das Abelhas é enjoativo demais. Não digo “água com açúcar”, acho que “água com mel” seria uma definição mais apropriada.

E o blog retorna.

Cotação: Fraco

domingo, 7 de junho de 2009

A mulher invisível


A mulher invisível, 2009. Brasil. De Cláudio Torres

Um dos principais suportes para a projeção e apreensão do modelo ideal da mulher seria através do cinema. Ao bem da verdade, todas as artes já se preocuparam com a figura feminina, definindo seus atributos e as fontes de seus encantos, portanto esse filme tupiniquim trilha um caminho há muito conhecido.

A mulher invisível relata a trajetória do démodé Pedro que ao ser abandonado por sua esposa cria uma consorte imaginária, perfeita em sua corporeidade e personalidade, uma versão bad girl da “Amélia, a mulher de verdade”. No entanto, essa mulher de verdade não é real, mas ideal, ela vive somente no mundo etéreo masculino, já que as senhoras e senhoritas também possuem suas premissas quanto à natureza dos cabras-machos. Divorciar-se de marido é inclusive uma afirmação existencialista, um posicionamento perante à realidade, extirpando desta os elementos que não lhes interessam ou convêm. Justamente nesses encontros e desencontros de expectativas que a vida amorosa dos varões e das donzelas segue-se.

Aí temos a primeira contradição do filme, já que Vitória, essa sim real e vizinha de Pedro, aguarda durante toda da projeção o momento de entrar em cena. Mesmo sendo casada com um crápula não consegue se divorciar, como sua função é a de esperar, cabe a ela uma resignação, até que um infarto fulminante retire o obstáculo que a distanciava do seu “verdadeiro amor”, separados somente por uma parede, algumas alucinações coletivas e sérias fragilidades emocionais de ambas as partes.

O modelo que prevalece de mulher ainda é Amélia, fiel, conformada, amorosa, afeita ao espaço doméstico. De fato, Vitória é uma vitória para os ultrapassados anseios masculinos de controle.

Mas Amanda (hum... nome sugestivo), a mulher imaginária, é a solidificação de todas as fantasias juvenis de Pedro. Além do corpo escultural, Amanda gosta de trabalhos do lar, assistes aos “clássicos da terceirona”, tem um passado que inclui lesbianismos e, claro, sabe ser amorosa e cativante. Seu único defeito é unicamente não existir, ou talvez não, pois se vivesse uma mulher com tais configurações, provavelmente estaríamos falando de um autômato.

Entre Amanda, a que ama incondicionalmente, e Vitória, o verdadeiro troféu masculino, temos outras duas figuras paradigmáticas: Pedro “the nice” e seu amigo Carlos, um cafajeste vindo dos ano oitenta, com aquele bigodinho supostamente charmoso, mas que lembra a face de um glutão interessado em comer almôndegas de frango no bar da esquina.

Os devaneios de Pedro quase pertencem ao reino das esquizofrenias, assim A mulher invisível ficaria entre Eu, eu mesmo e Irene e Uma mente brilhante, ressalvando, no entanto, que não há nenhuma genialidade matemática em Pedro, um humilde controlador de trânsito.

Mas o filme diverte e, o mais importante, tem fôlego, sempre colocando novos desafios para o protagonista. No entanto, as conclusões apresentadas não resolvem satisfatoriamente os problemas decorrentes dos dilemas morais vivenciados pelos personagens. Pedro precisa de terapia, Vitória é uma bisbilhoteira e Carlos é o elo mais fraco da história, uma muleta para facilitar o prosseguimento da narrativa. O “encontro” final entre Pedro, Amanda, Vitória e Carlos possui a consistência de uma apresentação teatral improvisada, um anticlímax, ninguém parece empenhado em dar credibilidade ao ato. Não tem problema, entre tantos devaneios não há por que se cobrar a verossimilhança.

E aqui, o blog acaba.

Cotação: Regular

10 constatações cinematógráficas.


Os negros americanos acham Conduzindo Miss Dayse ultrajante, Morgan Freeman surge como alguém muito auto-condescendente.

Michael Bay nunca deveria ter existido, se houvesse um código de ética no cinema ele estaria longe dos portões de Hollywood. Bem, se existisse um código de ética para o cinema acho que não teríamos Hollywood.

As comédias românticas foram criadas para satisfazer as fraquezas emocionais de adolescentes gordas de 17 anos. As razões pelas quais tal produto caiu no gosto geral ainda não são inteiramente conhecidas.

O cinema americano é capaz de tudo: explosões, combates sangrentos ou anêmicos, canibalismos, insinuações sexuais das jovens lolitas, violência realista ou caricata, pelejas, patriotismo barato, redenção de vingadores, mercantilização dos corpos feminino e masculino. O cinema americano só não é capaz de lidar com a nudez masculina, nem por 10 segundos. Há que se pensar se Hollywood não terá, um dia, que deitar no divã.

A julgar pelo cinema, a América está rodeada de inimigos. Em ordem: alemães, japoneses, russos, chineses, mexicanos e árabes. Certamente, eis o fardo do homem branco (sic).

O cinema de terror/horror está em declínio, as possibilidades de assustar, incomodar e revoltar foram diluídas e adquiriram um novo formato mais palatável aos garotos espinhentos que escutam Red Hot Chili-peppers. Não se esquecer que as loiras peitudas de 18 anos continuam presentes nesse gênero: magrinhas, indefesas e com roupinhas bem insinuantes. Ai, que clichê o imaginário masculino...

A julgar pelo cinema, a América pode contar com poucos aliados. Os únicos confiáveis são os ingleses, uma vez que os franceses não passam de uns “flosôs” (sic).

Jason X nem é tão ruim, a relação fetichista entre o nerd semi-adolescente e sua dróid é bem anos oitenta.

O cinema americano deveria se circunscrever as suas especialidades e parar de biografar os devassos notários. Contos proibidos do Marquês de Sales foi constrangedor, reduziram um pensador iluminista à insanidade. O desaparecimento de Garcia Lorca nos convence do cristianismo e do “bom-moçismo” de um aguerrido dramaturgo anarquista. O Libertino faz desejarmos a monogamia e o sexo com camisinha. Por favor, que não se dediquem às vidas de Nietzsche ou de Marx!

A sala de projeção é mágica, o momento por excelência da realização cinematográfica. Também deve comportar algo de afrodisíaco, pois os casais de namorados frequentemente confundem Cineplex com motel.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Divã


Divã, 2009. Brasil. De José Alvarenga Jr.

Repica Remi, repica!

O cinema brasileiro vai bem, é o que dizem.

Como assim? Bem mal?

Repica Remi, repica!

Salas lotadas e público se identificando com as temáticas brasílicas. Viva! É a retomada do cinema nacional. Por exemplo, em Divã vemos as aventuras e os tropeços de uma respeitável senhora meia idade (sem ofensas), típica classe média. Professora particular, pintora amadora e dedicada esposa. Acompanhamos seus receios (que tédio), suas aflições (saco!) e seus desejos mais íntimos (ih…).

Repica Remi, repica!

Ela e seu marido, ela e seus filhos, ela e seus amantes (nossa, que escândalo), tudo naquela design “moderninho mas comportado”. Enquadramentos medíocres, cortes e diálogos característicos de uma telenovela. Narrativa previsível, encadeamento linear, personagens que amadurecem a partir das escolhas efetuadas e vivências experimentadas.

Repica Remi, repica!

A mulher adormecida em si mesma quer sentir novos prazeres, descobrir outros mundos. Mas e o cinema? Perguntam os desavisados. Onde está a Sétima Arte? A provocação? Quem se importa! Os diálogos são engraçados, carinhas bonitinhas na medida certa. As donas de casa recalcadas terão a oportunidade, nem que em um faz de conta bem vagabundo, de se imaginarem como transgressoras.

O ponto alto do filme: a dedicada Mercedes finalmente encontra um amante a altura. Chego a pensar (que roteiro mal feito!) que é uma de suas fantasias solitárias de 20 minutos. Nada, ela realmente traçou o bonitão do Theo, interpretado pelo Reynaldo Gianecchini, um gentil rapaz que deve visitar os sonhos de muitas quarentonas com alianças na mão esquerda. Consumado o affair, vemos na cena seguinte nossa Dona Ruanita* no salão – feliz como só as mulheres conseguem ser após uma noite de lua de mel – exclamando para seu cabeleireiro:

Repica Remi, repica!

Tão contentinha a ponto de querer um novo corte, mais coerente com sua condição de super-woman.

Repica Remi, repica!

Repica Remi, repica essa película e joga no lixo.

Ah, faz favor, repica.

* Dona Ruanita = Don Ruan

Cotação: péssimo

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Ele não está tão a fim de você


Ele não está tão a fim de você (He's Just Not That Into You), 2009. EUA. De Ken Kwapis

Faz tempo que não escrevo sobre bons filmes, nos últimos posts tenho favorecido essas produções mais insossas, a razão para isso não é o interesse em criar polêmicas ou provocar o espectador médio, mas, confesso, são as nulidades que mais me despertam o fascínio.

O que alguém busca em um filme como esse? Quais os conteúdos ocultos existentes nessas películas?

Parece que estamos falando do amor, mas uma interpretação desse sentimento muito específica, baseada em preceitos próprios de uma sociedade conservadora e de consumo. O velho e desgastado modelo da comédia romântica, com algumas incrustações que iludem o desavisado, a falsa promessa de uma dinâmica mais modernosa.

É um mundo no qual inexiste a pobreza, as únicas preocupações são os beijinhos na boca e o sexo apaixonado. Mulheres buscam o par perfeito, objetivam casar, faz parte da essência feminina; uma das personagens, inclusive, evoca essa lei, ao falar para seu parceiro que o matrimônio é uma etapa obrigatória da vida a dois. Trata-se da naturalização de um modo de vida e da eleição de uma série de valores potencialmente machistas (há a esposa, o marido e as obrigações/funções decorrentes), mas legitimados por um discurso idílico e romântico.

Já os homens estão relutantes em aceitar essa “lei da natureza”, pois são garanhões natos, conquistadores – querem a quantidade e não a qualidade. Quanto mais mulheres passarem pelos seus leitos, melhor. Esforçam para se manterem livres da monotonia do sexo monogâmico, no fim das contas são um presente de Deus para as gentis donzelas.

Na grande batalha dos sexos cabe a mulher um papel fundamental: vencer a áurea cafajeste masculina e impor o desejo de uma vida sob a égide do “... até que a morte os separe”. Jogo da vida, alguns vencem e outros perdem, estes últimos ineptos para os prazeres dos atos conjugais.

Dentro desse universo previsível agem os personagens, que mais parecem autômatos, desde o início condicionados em buscar a “cara metade”, o “par perfeito”, a “alma gêmea”. As personagens femininas são tão estúpidas que realmente merecem a solidão, presas às mentiras masculinas, revelam-se incapazes de escapar do desejo de construir e viver em uma casinha de bonecas. Despendem um bom tempo construindo suas casas (real ou figurativamente), a cenografia diz tudo: “Estamos brincando de The Sims, onde coloco essa cadeira? Qual o ladrilho devo escolher?”.

Os homens são adoráveis vagabundos – com exceção dos pobres coitados que padecem da falta de virilidade e assim não arrebatam as gatinhas mais prendadas, tal como a Scarlett Johansson. Riem da paixão e do casamento até a descoberta do grande amor, nessa ocasião se atirarão encantados em direção aos braços de suas Dulcinéias ou Clementinas. Pelo grau de imaturidade e incapacidade de uma relação responsável com o mundo, todos eles mereceriam câncer de próstata e calvície avançada.

A fórmula do filme segue abaixo.

Ele não está a fim de você. Por quê? É um babaca, um imaturo, não está pronto para o amor, só quer sexo, não quer ter filhos, recusa compromissos, não acredita nos verdadeiros sentimentos. Ele finalmente ficou a fim de você! E aí, o que acontece? Vocês se casam, têm filhos, mudam-se para o subúrbio, andam abraçadinhos e viverão um para o outro.

É um discurso convincente, há sempre um público para acreditar nessas promessas. Mas do ponto de vista da narrativa fílmica percebe-se a previsibilidade e os lugares comuns repletos de moralismos, com implícitos chauvinismos e as homofobias de sempre (mesmo que diluídas em um grau de aceitação social).

Já disse, é a naturalização de um modo de vida, a hipertrofia da esfera privada, o deleite extremo do intimismo. Me fascina a idéia de que tais banalidades tem público cativo, todos os problemas do mundo, dentro de tal perspectiva, findam-se no altar.

Conveniente. Mas para quem? Essa é a pergunta.

Cotação: péssimo

sábado, 4 de abril de 2009

Monstros Vs. Alienígenas



Monstros Vs. Alienígenas (Monsters Vs. Aliens), 2009. EUA. De Rob Letterman e Conrad Vernon

Essa semana o feminismo foi um tema que me veio à tona em várias ocasiões. Lendo um dossiê da Cult sobre o assunto fico sabendo sobre a teologia feminista e o esforço de algumas filósofas para desconstruir a concepção de um Deus patriarcal. Também, meio por acaso, encontrei algumas antigas anotações que eu havia feito sobre O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir. Finalmente, entregando-me ao ato ilícito de assistir um Dvd pirata na casa de um amigo, deparo com esse novo produto da DreanWorks.

Produto embaladinho, bem feitinho e divertido, nada demais, mas desta vez colocando uma mocinha na condição de protagonista, o que garante o charme do filme. No dia do seu casamento, Susan é atingida por um meteorito e sofre um processo de gigantismo transformando-se na quase heroína Ginórmica. Desesperada com sua condição, ela é capturada por agentes do governo e trancafiada junto a outros “monstros” (uma barata cientista, uma gosma indestrutível, um anfíbio e um inseto super-gigante).

Criaturas que fogem aos nossos padrões antropormóficos e por isso mesmo devem ser escondidos dos olhares do restante, até que o aparecimento de um malévolo vilão cria uma oportunidade para que os monstros demonstrem seu valor. São os resquícios da Era Shrek de animações: o permanente desejo de aceitação social.

Salva o filme as referências aos clássicos da ficção científica (algumas sutis e outras nem tanto) e a divertidíssima figura do presidente americano retratado como um idiota (estamos cansado de saber disso, mas eles lá não), além, claro, da personagem principal, Susan, a menina de 15 metros.

Inicialmente uma genuína casadoira, frágil e feminina, mas que no decorrer da história se reconhece como capaz, percebe que seu noivo é um cafajeste de pequena grandeza e que sua felicidade não está condicionada a um anelzinho em seu dedo. No final, sua opção é ser uma profissional de sucesso no especialíssimo mercado de defesa planetária. Bem, não sei se isso pode ser chamado de feminismo, mas já é um passo adiante em relação aos finais ultra-açucarados da Disney.



[Ginórmica, uma citação à mulher de 50 pés ou só o atestado já corriqueiro do esgotamento da criatividade em Hollywood?]

Susan é referência direta à personagem do clássico fic-sci Attack of the 50 ft. Woman, uma provocação divertida, mas inofensiva acerca da suposta superioridade masculina. Não estamos falando de sutiãs em chamas ou revisão dos cânones da civilização ocidental, trata-se somente de uma animação que não bate nas mesmas teclas do chauvinismo reinante em produções do gênero. O que já é algum consolo.

Agora, fala sério, que homem em sã consciência dispensaria uma mulher de 15 metros? Vê se isso não é um mulherão...

Cotação: regular

Fome animal


Fome Animal (Dead Alive), 1992. Nova Zelândia. De Peter Jackson

Tem filme que foi feito por cinéfilo e para cinéfilo, o público usual simplesmente não entende qual o fascínio uma produção ao estilo de Fome Animal é capaz de exercer.

Posso dizer que estamos diante de um clássico dos filmes de zumbis, possível e ironicamente o melhor trabalho de Peter Jackson, infelizmente mais conhecido por ter contado uma história sobre garotos descalços, anéis e elfas peitudas...

Um filme cheio de citações divertidíssimas: vemos um rapaz filho de uma mulher castradora, eles moram em uma casa no alto da colina (Psicose). Também vemos um carrinho de bebê meio sinistro, em seu interior esconde-se uma assustadora criatura (O bebê de Rosemary), isso sem falar do diálogo – se voluntário ou ao acaso, isso não importa – com o excelente A morte do demônio de Sam Raimi.

Lionel é um bom rapaz, porém facilmente dominado pelas pessoas, sobretudo se forem mulheres. Além de ser tiranizado pela sua mãe ainda há os encantos da jovem Paquita – cujo nome, carinha e atuação parecem lembrar os atributos de uma atriz pornô.

Entretanto, um raro macaco da Sumatra (!) mordisca o braço da mãe de Lionel, a Senhora Cosgrove, que se transforma em um... isso mesmo, não precisa nem continuar...

Essa grotesca velha desenvolve uma apetência bem incomum, atacando várias pessoas ao seu redor e, naturalmente, infectando-as. Enquanto isso, a versão neozelandesa de Norman Bates (personagem de Psicose) esforça-se para conter sua genitora e as pessoas por ela agredida, mas sua inépcia faz com que os problemas assumam dimensões cada vez mais desastrosas.

Vale lembrar que Peter Jackson se preocupa em fornecer todos os detalhes para o espectador. Um navio negreiro parou em uma Ilha da Sumatra, ratos gigantescos desceram e estupraram as macacas nativas, desse cruzamento surgiu uma rara espécie capaz de transmitir a peste dos mortos vivos. Quando um desses animais é capturado e levado ao zoológico da Nova Zelândia, os problemas começam. A história se passa em 1957, o que acresce um ar especial ao cenário, ao retratar um modo de vida bem ao estilo do American Way of Life.

Os personagens são muito bem desenvolvidos, mesmo aqueles que aparecem em uma única cena cumprem seu papel, ao exemplo do veterinário nazista. Mas bacana mesmo é o padre que decide “Dar porradas nos zumbis em nome de Deus” ou algo do gênero.

Podemos dizer que Lionel Cosgrave é o oposto de Ash Willians, o personagem do já citado A morte do demônio, um conquistador de mulheres que não tem pejos em mandar os possuídos para o outro mundo. O protagonista de Peter Jackson, no entanto, só se aproxima do seu contra-exemplo nos momentos finais quando, de posse de um cortador de gramas, passa a proferir frases de efeito ao estilo do nosso querido Ash.

O confronto final fica por conta de Lionel com sua mama, que tenta devolvê-lo ao seu ventre, de um jeito ou de outro. Mas até chegar nesse momento, todos os exageros do gore terão sido mostrados... dando enjôos nos estômagos mais fraquinhos e desavisados.

Um filme primoroso, mas que infelizmente tende a agradar somente os fãs do gênero ou os cinéfilos de carteirinha.

Ainda bem que não sou nenhum desses dois...

Cotação: Ótimo

sábado, 21 de março de 2009

Gran Torino



Gran Torino (Gran Torino), 2008. EUA. De Clint Eastwood

O filme interessa para os estudiosos do cinema, uma vez que ele é extremamente autoral, isto é, visita temas recorrentes da filmografia do diretor/ator Clint Eastwood. No entanto, não há como não apontar as gritantes falhas dessa produção.

A grande pergunta é se Walt Kowalski (interpretado pelo próprio Eastwood) é, de fato, um homem durão ou se trata somente de um babaca genuinamente americano. A história começa em um templo católico com uma missa de corpo presente, o velório da Sra. Kowalski. Enquanto as pessoas se voltam para o altar, acompanhando a pregação do jovem e titubeante padre Janovich, o recém viúvo prefere encarar seus parentes, com um rosnado mal humorado e um olhar de desaprovação direcionado para minúcias sem importância, como o pircing no umbigo de sua neta.

Se nem a morte da “mulher mais maravilhosa do mundo”, como será dito em algum momento por Kowalski, consegue desarmar sua carranca, tudo mais cai no implausível. O personagem acaba por soar muito caricato, uma auto-paródia de todos os tipos vivenciados por aquele ator. Se “Walt” é divertido para o espectador – afinal suas más respostas e seu mau humor surpreendem e fulminam – o mesmo não pode ser dito para as pessoas que são obrigadas a conviver com ele. Não há paciência de Jô que suporte alguém que se refira aos outros norte-americanos como “chinas”, “negrinhos” ou chicanos... Não fica claro se a postura do protagonista transmite um racismo sincero ou apenas revela uma de suas facetas de “cara durão”, mascarando seus verdadeiros sentimentos.

Walt Kowalski insiste em morar em seu antigo bairro, que agora está completamente esvaziado dos bons (e brancos) americanos. A comunidade foi tomada por descendente de mexicanos, negros e imigrantes do Laos (Ásia). Claro, onde não há o homem branco prevalece a

Bagunça.

Sim. Casas descuidadas, brigas de gangues e atos primitivos. Pelo menos na interpretação do nosso amigo “Walt” – que só não é 100% USA por ser descendente de polonês e católico.

Seu cotidiano consiste em ganir para os vizinhos, beber cerveja, cuidar de seu gramado e polir seu carro Gran Torino 1972. Até que ele começa a se envolver com seus vizinhos, descendentes de um povo chamado hmong. Os irmãos Sue e Thao conquistam a simpatia desse recluso rabugento. Com dificuldade em relacionar com seus filhos, que parecem não têm o menor tato para lidar com o pai, Kowalski acabará por encontrar algum conforto no convívio com a família Lor.

Mas aí é que a vaca vai pro brejo (e o filme também), porque esqueci de mencionar que esse aposentado ex-operário da Ford tem uma predileção por andar armado e apontar suas guns na cara (ou devo dizer fuças?) do primeiro pobre coitado que ameace a compurscar seu american drean. Problema é que Sue e Thao estão sendo perseguidos por uma gangue local, e o octogenário se sente apto a interferir nessa situação.

Nesse meio tempo Kowalski decide transformar Thao em homem, leia-se ensiná-lo a usar ferramentas, a falar palavrões (uhu! Que macho!) e a paquerar garotinhas incautas (bem, essa lição eu também gostaria de aprender). Enfim, nem drama e nem comédia: mas uma tragicomédia!


[Amerika: the car, the gun and the flag!]

O desafio que a narrativa coloca para o protagonista é grande demais, não há como ele vencer uma gangue de rapazes fortemente armados.

Aí está Clint Eastwood, aí está a auto-confissão de que estás velho.

Com cinco anos a menos, Kowalski seria o treinador sisudo que prepararia o jovem Thao para massacrar os bárbaros também asiáticos.

Com vinte anos a menos, Kowalski seria o sargento durão (vide O destemido senhor da guerra) que entraria no gueto com um fuzil militar dilacerando a carne dos malditos chinas.

Com quarenta anos a menos, Kowalski seria o policial machão, uma pistola em cada mão, chute na porta e bala nos meliantes, depois viriam as outras viaturas para ensacar os corpos.

Com cinqüenta anos a menos, Kowalski seria o cawboy implacável, um revolver, seis balas e a determinação, o resto já se sabe.

Porém, com uns 80 anos, não há muito a ser feito. Suas atitudes são, portanto, inconseqüentes e sugerem um alheamento do mundo próprio dos senis. O único personagem que parece pensar é o padre, que pergunta “Por que você não chamou a polícia?”, pergunta óbvia, mas com resposta igualmente evidente: porque Walt Kowalski se julga capaz de resolver o problema das gangues ao mesmo tempo em que protege seu gramado.

Não há nem muitos elementos para justificar sua personalidade agressiva, apesar de ter participado da Guerra da Coréia, no restante de sua vida ele viveu como um civil, tendo trabalhado em um “emprego comum”. Nada que explique esse comportamento, excetuando, claro, a crença em uma América linda, rica, ostentosa e segregacionista, porém perdida, existente somente ao nível da memória.

Daí o Gran Torino, carro americano por excelência, outra relíquia do passado.

Cotação: fraco

Motoqueiro Fantasma


Motoqueiro Fantasma (Ghost Rider), 2007. De Mark Steven Johnson

Bem, eu poderia falar sobre esse filme. A constante estrutura da Marvel: pegue seus super-heróis, crie um drama estereotipado em sua volta e pronto. Sirva ao público e eles haverão de gostar.

Por isso, ao invés de falar de Motoqueiro fantasma, eu narrarei os

Bastidores do cinema ou o que eu senti assistindo ao filme

Estou sozinho em casa, sentado, com os pés sobre a escrivaninha. Em minha frente o computador está ligado, tenho um longo trabalho a fazer e a única coisa que eu digitei foi asdfg.

Dou uma espreguiçada. O celular toca. Quase nunca toca, mas naquele momento tocou.

Eu atendo: “What’s up?

É uma voz feminina. Não. É uma linda voz feminina.

Cinema, hoje, que tal?”

A voz feminina só não é mais linda que a sua dona. Consigo balbuciar um sim.

Local X, hora Y, ok?

Como um bom favelado, só consigo pronunciar: “Demorô”.

Estou em frente ao cinema, ela vem se aproximando. She is so pretty. Pergunto a ela o que quer assistir. Se ela me convidasse para um pacto suicida, a única coisa que eu perguntaria seria o traje adequado para a ocasião.

Infelizmente ela não propôs um pacto de morte, mas sim que assistíssemos Motoqueiro Fantasma.

No problem. Ver um filme ruim em uma boa companhia é quase o mesmo que ver um ótimo filme com uma péssima companhia – bem.... na verdade não, mas naquele momento eu tentei me enganar.

Lógico que minha expectativa quanto ao filme não era das melhores. Estava mais preocupado com os olhos azuis da minha companhia e o batom cor de néon que ficava tilintando em seus lábios.

Fila. Ela quer comprar pipoca. Fosse outra pessoa: eu começaria a rir, perguntaria se também iria tomar Coca, provaria por a+b que cinema não é lugar de comer, e por fim arremataria com a crítica à vinculação entre cinema e fast food.

“Vai beber o que?” Pergunto...

Fila. Ela diz: “Isso é tão ridículo, não acha?”, ela me aponta um casal de namorados, “Aquela menina é tão branquinha, junto com um cara tão escurinho”.

Desolação, ela é nazi, é racista. Seria eu capaz de me envolver com uma mulher que defende o Apharteid? Que legitima o nazismo? Que questiona o sagrado e universal princípio de que todos os homens são iguais? – nossa, ela tem um pé tão bonitinho... por que não? Ninguém é perfeito...

Desconverso. Dentro do cinema, sentamos. Então ela inicia sua explanação sobre seus filmes preferidos: eles envolvem perseguição de carros, explosões, cenas de lutas fulminantes, musiquinhas dançantes e efeitos especiais estrondosos.

Hum... se uma cinéfila fizesse meu tipo eu daria em cima da Sofia Copolla...

Bem, infelizmente não se limitou a isso. Eu tive que aturar meia hora de mastigados estrondantes de pipoca, ela não desligou o celular (que a propósito, em um determinado momento tocou – se ela tivesse atendido tudo teria acabado ali mesmo). Por fim, a gota d’água: quando o motoqueiro fantasma desce uma inclinação de 90º graus – sim, sua moto pode subir e descer prédios por um “dá cá a palha” – ela não se conteve e deu um gritinho.

Uhh

Deus, tudo, menos isso. Uma coisa é negar o holocausto, a outra é gritar no cinema. Concluo que nunca daria certo.

Fim do filme – o bem vence o mau, ou o mau vence a si mesmo e se torna o bem... ah quem se importa!

Ela diz que gostou da minha companhia, diz que teríamos que fazer isso mais vezes. Eu respiro fundo e me armo para dizer a verdade. Ela joga o cabelo para traz de uma maneira tão sui generis que eu percebo o quanto sou intransigente. Não posso fazer juízos de valor de forma tão precipitada. Me aprumo e digo: “Com certeza, devemos fazer isso mais vezes”.

Que bom, agora eu tenho que ir, marquei de encontrar com meu namoradinho daqui a meia hora”.

“What? What? What’s hell?”

Eu caio de joelhos ao chão, sinto uma tremenda febre, sai fumaça da minha jaqueta, meu corpo está em chamas. Minha cara é uma bola de fogo. Sim! Eu sou o motoqueiro fantasma. Saio correndo pelo saguão com uma risada diabólica e salto bem em cima da minha moto (eu nem não sabia que tinha uma...).

Percorro a cidade em minha fantasmagórica motocicleta, percebo que sou um amaldiçoado, o filme, finalmente, faz todo o sentido para mim.

Cotação: péssimo

Pós escrito: minha crítica favorita, a mais verdadeira, até hoje tenho traumas com essa experiência.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Milk


Milk, a voz da igualdade (Milk), 2008. EUA. De Gus Van Sant

Em minha opinião o neoliberalismo adentrou até no mercado de relacionamentos. Se mulheres e homens fossem ações negociadas em uma bolsa de valores, o preço das primeiras estaria em ascensão e o desses últimos em franco declínio. Sim, mulheres andam caras demais, difíceis demais e incompressíveis demais.

Tanto que se pudéssemos alterar nossa opção sexual, da mesma maneira como nos transferimos de um curso para o outro, haveria muitos varões se transformando em donzelas... e vice-versa, creio. A vida homossexual parece – para o observador externo – um pacato lago em comparação com as avassaladoras ondas do oceano hetero.

Começo obscuro para a crítica de um filme político, mas há uma razão para isso. Em nossa sociedade acreditamos que a opção sexual deriva de uma predisposição biológica, muito embora a maneira de vivenciar essa condição seja cultural. Isto é, existir o homossexual não implica necessariamente na existência de uma cultura da homossexualidade.

É fácil aceitar o homossexualismo, desde que ele seja considerado uma doença (uma fatalidade que simplesmente aconteceu), mas a principal dificuldade surge quando pensamos na homossexualidade como uma opção ou, tanto pior, uma inserção em um determinado universo cultural.

Em última instância prevalece a intransigência à alteridade cultural. Quem diz: “amo os homossexuais, mas odeio o homossexualismo”, está confessando abertamente que os gays ou as lésbicas não têm culpa pelos seus sentimentos e desejos, mas que eles se equivocam ao se comportarem de forma desviante dos padrões socialmente aceitos. A lógica é: “nada contra um homem beijar outro homem, desde que não seja na minha frente”.

Harvey Milk, ao trazer o homossexualismo para o ambiente político se opõe a esse conservadorismo enrustido. Ele se propõe a dar visibilidade a uma cultura marginal existente nas ruas de São Francisco. Sua relação com os gays e as lésbicas é da mesma dimensão que a de Luther King com os negros. Não há necessidade de dar muita importância para a biologia: bicha é bicha, preto é preto, todo mundo sabe disso. O que ambos os ativistas evidenciam é algo maior, toda a diversidade (tenha base biológica ou não) se expressa cultural e politicamente e assim ela deve ser tratada.

Milk (muito bem interpretado pelo antipático Sean Penn) é o homem que ao sair do armário se viu compelido a se posicionar publicamente em relação a um sentimento que lhe dizia respeito, mas que também ressoava inúmeras trajetórias iguais a sua.

A transição da dimensão privada para a esfera pública é o grande salto do filme, ponto muito bem registrado pela narrativa. Decidir ser gay é uma coisa, decidir representar os gays é outra bem diferente. Quando Harvey Milk percebe que não tem direitos ele opta por explicitar a existência de seu nicho, de revelar a humanidade das dregs, gays e lésbicas. No entanto, aceitar-se como ser político requer mais esforço do que se assumir como homossexual. Trata-se de tarefa para uns poucos mártires, com os quais, aliás, a tradição liberal americana sempre pode contar.

Em suma, um filme sobre escolhas, sobre representação políticas de minorias culturais. Nada a ver com biologia, tudo com antropologia. Nem só de exibicionismos, farras e amassos vive a cultura gay, há um momento que ela quer ser encarada politicamente. Ao final, o que se conclui é que os homossexuais conseguiram constituir uma rede de solidariedades mais eficaz que a de outros grupos historicamente mais articulados.

Claro, quem escreve essa crítica é um velejador perdido nas tsunâmicas ondas heterossexuais, invejando, com toda a força do mundo, a calmaria dos lagos gays.

Cotação: Bom

quarta-feira, 4 de março de 2009

Quem quer ser um milionário?


Quem quer ser um milionário? (Slumdog Millionaire), 2008. EUA/Inglaterra/Índia. De Danny Boyle

Definitivamente alguns filmes não passam de excesso de purpurina. A mesma baboseira, o chauvinismo de sempre, as pílulas de alienação... no entanto, vendidos em cores diferentes, nova embalagem, moderna e arrojada, para atrair o interesse do público (que tem uma memória muito fraca, diga-se de passagem).

O desenvolvimento da narrativa se revela eficaz e prende a atenção do espectador. Isso sem falar da habilidade do cineasta em percorrer as cidades indianas e escancarar suas gigantescas desigualdades sociais, mas o olhar do diretor é quase de dentro, sem a intenção de buscar exotismos. Há até algumas cenas que subvertem de todo esse ponto de vista ocidental, quando os turistas americanos são apresentados como inconseqüentes, desinformados e bocós.

O cenário vive: plenamente articulado à narrativa filmica, integra-se por completo às trajetórias dos personagens, esclarecendo suas motivações e personalidades. Acompanhamos a história do jovem Jamal que cresceu em um universo de favelas, orfanatos e lixões, quase sempre acompanhado por seu irmão mais velho Salim (ambíguo e imprevisível). Jamal vive em procura de Latika, sua amiga de infância, até surgir a possibilidade de participar de um programa televisivo ao estilo do Show do milhão. A resposta para a derradeira pergunta lhe traria a fama e milhões (mas não de dólares e sim de rúpias. Pena.).

Se Danny Boyle mostra corpos boiando em rios, casas construídas sobre aterros de lixo e ausência de esgoto e sistemas de água, sua intenção não é apresentar o “outro mundo” para além do ocidente, onde prevalece a barbárie. Também não há avaliação negativa da sociedade indiana, os personagens surgem tão somente como pessoas que buscam a sobrevivência em um contexto adverso.



[Ainda assim cabe a pergunta: alteridade cultural ou banalização da miséria em proveito do "american dream"?]

E é a ausência de um posicionamento político ou ético que elimina qualquer chance do filme agregar um valor mais expressivo. Trata-se somente de uma fábula de sucesso individual, o favelado que se dá bem em um universo onde milhões de outros favelados estarão inevitavelmente presos a um modo de vida inadmissível, seja qual for o padrão de sociedade escolhido (não há relativismo cultural que seja capaz de negar que uma favela ainda é uma favela).

O mundo retratado em Quem quer ser um milionário? se consiste em uma eterna disputa individualista, na ordem do um por um e um contra todos (revertendo a famosa frase dos três mosqueteiros, uma referência importante para o filme). Os mais fracos acabam por sucumbir e se Jamal consegue se safar desse mundo hostil é por um fortuito desígnio da providência, já que ele é uma flor tão rara, capaz de manter seus nobres sentimentos em qualquer contexto.

A típica história do azarão bem sucedido que já foi contada tantas vezes por Bollywood, digo, Hollywood, só que dessa vez com umas tonalidades novas, umas cores fortes, tão ao gosto da estética indiana, mas que por alguma razão sempre me remete às novelas mexicanas da década de 1990.

Dá-lhe Maria do Bairro, dá-lhe menina!

Cotação: Regular

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O Lutador

O Lutador (The Wrestler), 2008. EUA. De Darren Aronofsky

Agora os médicos dizem que não posso mais ser um lutador

Nossos corpos comportam temporalidades, rugas e cicatrizes são testemunhos de experiências, resistências e fraquezas. O cuidado ou descuidado com nós mesmos têm sentidos que muitas vezes nos escapam.

Pensando especificamente o caso masculino, o que mais me chama atenção é a dedicação de alguns gajos com suas aparências. Muito embora eu seja jovem, saudável e esteja no ápice das minhas capacidades físicas, frequentemente encontro rapazes que, apesar de terem a metade da minha idade (algo entre 14 e 15 anos), apresentam-se muito mais robustos.

Algo naturalmente conseguido através de muitas sessões de musculação, além de uma gama variada de produtos, que vão desde complementos alimentares até anabolizantes. Vale pensar o que se pretende com isso, pois parece que há algo mais do que a busca por um corpo saudável. O hedonismo e o individualismo exacerbado da contemporaneidade podem explicar esse comportamento, mas também permanece a busca pela virilidade, o sentimento de ser macho (seja lá o que isso queira significar) e a ilusão de ser um lutador.

Sim. Ilusão. Afinal de contas, um “guerreiro” pode esconder as mesmas fragilidades que um “não guerreiro”. O corpo humano é delicado e propenso a complicações, não importa: seja homem, mulher, varão ou fracote; todos estamos presos a vida por um fio.

Rand (interpretado por Michael Rourke) parece atinar para esse entendimento ao final de sua trajetória de wrestler. Um praticante profissional de luta livre, famoso em sua juventude, que ao se deparar com as complicações de sua atividade e as limitações impostas pela idade decide encerrar sua carreira de lutador. Contudo não é tão simples deixar cair a toalha, já que lhe resta somente a identidade de gladiador, a única vitória alcançada de fato em uma vida dissipada.

O filme, em alguns momentos, alcança uma tonalidade quase documental, quando percebemos os truques da luta livre (mas ainda que os combates sejam encenados, eles são dolorosos para seus participantes). Mais do que isso, o filme se ancora no real, tornando as decisões de Rand muito verossímeis, críveis para um integrante do “universo wrestler”.

Ao contrário do “Rocky, um lutador”, que remonta a fábula do self-made-man, o filme de Darren Aronofsky quer um diálogo mais direto com a crueza dos ringues e bastidores. O suposto cuidado que os lutadores têm com seus corpos só parcialmente é verdadeiro, pois todos estão dispostos a consumi-los em pelejas feitas unicamente com a intenção de agradar o público – uma forma de alcançar fama e dinheiro.

Sylvestre Stallone criou um personagem que digladiava por valores – a crença nos Estados Unidos, na família, nos laços de amizade, no sucesso individual – enquanto Rand apenas quer se afastar de um “mundo baunilha” que lhe reserva um emprego medíocre. Seu hedonismo é a manifestação da solidão, das dificuldades de se relacionar com a filha ou de seus descompassos com a dançarina Cassidy, sua quase namorada.

Aliás, Marisa Tomei é o contraponto feminino, ela interpreta uma striper, inserida em um meio similar ao de Rand, pois assim como o lutador ela deve se expor ao olhar público. Uma outra faceta do culto ao corpo e da supervalorização da imagem, igualmente ameaçada pela fugacidade das coisas.

Agora os médicos dizem que não posso mais ser um lutador

É nessa frase que se esconde o dilema existência do personagem. Não faz sentido uma outra vida que não aquela. Para preservar a imagem de um corpo perfeito vale arriscar seu próprio bem estar.

Não é a força ou a juventude que se busca preservar, mas a ilusão de poder possuí-las por um tempo indeterminado. Os derradeiros momentos do filme nos permitem intuir que Rand atingiu essa compreensão.

Mas os rapazes de 15 anos, entrelaçados naquelas máquinas de levantar pesos, não conseguem atinar para essa sabedoria. Não conseguiram ainda. O tempo cuida disso, já-já.

Cotação: Bom.