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quarta-feira, 11 de março de 2009
Milk
Milk, a voz da igualdade (Milk), 2008. EUA. De Gus Van Sant
Em minha opinião o neoliberalismo adentrou até no mercado de relacionamentos. Se mulheres e homens fossem ações negociadas em uma bolsa de valores, o preço das primeiras estaria em ascensão e o desses últimos em franco declínio. Sim, mulheres andam caras demais, difíceis demais e incompressíveis demais.
Tanto que se pudéssemos alterar nossa opção sexual, da mesma maneira como nos transferimos de um curso para o outro, haveria muitos varões se transformando em donzelas... e vice-versa, creio. A vida homossexual parece – para o observador externo – um pacato lago em comparação com as avassaladoras ondas do oceano hetero.
Começo obscuro para a crítica de um filme político, mas há uma razão para isso. Em nossa sociedade acreditamos que a opção sexual deriva de uma predisposição biológica, muito embora a maneira de vivenciar essa condição seja cultural. Isto é, existir o homossexual não implica necessariamente na existência de uma cultura da homossexualidade.
É fácil aceitar o homossexualismo, desde que ele seja considerado uma doença (uma fatalidade que simplesmente aconteceu), mas a principal dificuldade surge quando pensamos na homossexualidade como uma opção ou, tanto pior, uma inserção em um determinado universo cultural.
Em última instância prevalece a intransigência à alteridade cultural. Quem diz: “amo os homossexuais, mas odeio o homossexualismo”, está confessando abertamente que os gays ou as lésbicas não têm culpa pelos seus sentimentos e desejos, mas que eles se equivocam ao se comportarem de forma desviante dos padrões socialmente aceitos. A lógica é: “nada contra um homem beijar outro homem, desde que não seja na minha frente”.
Harvey Milk, ao trazer o homossexualismo para o ambiente político se opõe a esse conservadorismo enrustido. Ele se propõe a dar visibilidade a uma cultura marginal existente nas ruas de São Francisco. Sua relação com os gays e as lésbicas é da mesma dimensão que a de Luther King com os negros. Não há necessidade de dar muita importância para a biologia: bicha é bicha, preto é preto, todo mundo sabe disso. O que ambos os ativistas evidenciam é algo maior, toda a diversidade (tenha base biológica ou não) se expressa cultural e politicamente e assim ela deve ser tratada.
Milk (muito bem interpretado pelo antipático Sean Penn) é o homem que ao sair do armário se viu compelido a se posicionar publicamente em relação a um sentimento que lhe dizia respeito, mas que também ressoava inúmeras trajetórias iguais a sua.
A transição da dimensão privada para a esfera pública é o grande salto do filme, ponto muito bem registrado pela narrativa. Decidir ser gay é uma coisa, decidir representar os gays é outra bem diferente. Quando Harvey Milk percebe que não tem direitos ele opta por explicitar a existência de seu nicho, de revelar a humanidade das dregs, gays e lésbicas. No entanto, aceitar-se como ser político requer mais esforço do que se assumir como homossexual. Trata-se de tarefa para uns poucos mártires, com os quais, aliás, a tradição liberal americana sempre pode contar.
Em suma, um filme sobre escolhas, sobre representação políticas de minorias culturais. Nada a ver com biologia, tudo com antropologia. Nem só de exibicionismos, farras e amassos vive a cultura gay, há um momento que ela quer ser encarada politicamente. Ao final, o que se conclui é que os homossexuais conseguiram constituir uma rede de solidariedades mais eficaz que a de outros grupos historicamente mais articulados.
Claro, quem escreve essa crítica é um velejador perdido nas tsunâmicas ondas heterossexuais, invejando, com toda a força do mundo, a calmaria dos lagos gays.
Cotação: Bom
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