sábado, 21 de março de 2009

Gran Torino



Gran Torino (Gran Torino), 2008. EUA. De Clint Eastwood

O filme interessa para os estudiosos do cinema, uma vez que ele é extremamente autoral, isto é, visita temas recorrentes da filmografia do diretor/ator Clint Eastwood. No entanto, não há como não apontar as gritantes falhas dessa produção.

A grande pergunta é se Walt Kowalski (interpretado pelo próprio Eastwood) é, de fato, um homem durão ou se trata somente de um babaca genuinamente americano. A história começa em um templo católico com uma missa de corpo presente, o velório da Sra. Kowalski. Enquanto as pessoas se voltam para o altar, acompanhando a pregação do jovem e titubeante padre Janovich, o recém viúvo prefere encarar seus parentes, com um rosnado mal humorado e um olhar de desaprovação direcionado para minúcias sem importância, como o pircing no umbigo de sua neta.

Se nem a morte da “mulher mais maravilhosa do mundo”, como será dito em algum momento por Kowalski, consegue desarmar sua carranca, tudo mais cai no implausível. O personagem acaba por soar muito caricato, uma auto-paródia de todos os tipos vivenciados por aquele ator. Se “Walt” é divertido para o espectador – afinal suas más respostas e seu mau humor surpreendem e fulminam – o mesmo não pode ser dito para as pessoas que são obrigadas a conviver com ele. Não há paciência de Jô que suporte alguém que se refira aos outros norte-americanos como “chinas”, “negrinhos” ou chicanos... Não fica claro se a postura do protagonista transmite um racismo sincero ou apenas revela uma de suas facetas de “cara durão”, mascarando seus verdadeiros sentimentos.

Walt Kowalski insiste em morar em seu antigo bairro, que agora está completamente esvaziado dos bons (e brancos) americanos. A comunidade foi tomada por descendente de mexicanos, negros e imigrantes do Laos (Ásia). Claro, onde não há o homem branco prevalece a

Bagunça.

Sim. Casas descuidadas, brigas de gangues e atos primitivos. Pelo menos na interpretação do nosso amigo “Walt” – que só não é 100% USA por ser descendente de polonês e católico.

Seu cotidiano consiste em ganir para os vizinhos, beber cerveja, cuidar de seu gramado e polir seu carro Gran Torino 1972. Até que ele começa a se envolver com seus vizinhos, descendentes de um povo chamado hmong. Os irmãos Sue e Thao conquistam a simpatia desse recluso rabugento. Com dificuldade em relacionar com seus filhos, que parecem não têm o menor tato para lidar com o pai, Kowalski acabará por encontrar algum conforto no convívio com a família Lor.

Mas aí é que a vaca vai pro brejo (e o filme também), porque esqueci de mencionar que esse aposentado ex-operário da Ford tem uma predileção por andar armado e apontar suas guns na cara (ou devo dizer fuças?) do primeiro pobre coitado que ameace a compurscar seu american drean. Problema é que Sue e Thao estão sendo perseguidos por uma gangue local, e o octogenário se sente apto a interferir nessa situação.

Nesse meio tempo Kowalski decide transformar Thao em homem, leia-se ensiná-lo a usar ferramentas, a falar palavrões (uhu! Que macho!) e a paquerar garotinhas incautas (bem, essa lição eu também gostaria de aprender). Enfim, nem drama e nem comédia: mas uma tragicomédia!


[Amerika: the car, the gun and the flag!]

O desafio que a narrativa coloca para o protagonista é grande demais, não há como ele vencer uma gangue de rapazes fortemente armados.

Aí está Clint Eastwood, aí está a auto-confissão de que estás velho.

Com cinco anos a menos, Kowalski seria o treinador sisudo que prepararia o jovem Thao para massacrar os bárbaros também asiáticos.

Com vinte anos a menos, Kowalski seria o sargento durão (vide O destemido senhor da guerra) que entraria no gueto com um fuzil militar dilacerando a carne dos malditos chinas.

Com quarenta anos a menos, Kowalski seria o policial machão, uma pistola em cada mão, chute na porta e bala nos meliantes, depois viriam as outras viaturas para ensacar os corpos.

Com cinqüenta anos a menos, Kowalski seria o cawboy implacável, um revolver, seis balas e a determinação, o resto já se sabe.

Porém, com uns 80 anos, não há muito a ser feito. Suas atitudes são, portanto, inconseqüentes e sugerem um alheamento do mundo próprio dos senis. O único personagem que parece pensar é o padre, que pergunta “Por que você não chamou a polícia?”, pergunta óbvia, mas com resposta igualmente evidente: porque Walt Kowalski se julga capaz de resolver o problema das gangues ao mesmo tempo em que protege seu gramado.

Não há nem muitos elementos para justificar sua personalidade agressiva, apesar de ter participado da Guerra da Coréia, no restante de sua vida ele viveu como um civil, tendo trabalhado em um “emprego comum”. Nada que explique esse comportamento, excetuando, claro, a crença em uma América linda, rica, ostentosa e segregacionista, porém perdida, existente somente ao nível da memória.

Daí o Gran Torino, carro americano por excelência, outra relíquia do passado.

Cotação: fraco

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