quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Quem bate à minha porta?

Quem bate à minha porta? (Who’s that knocking at my door), 1968. De Martin Scorsese.

Em vários sentidos Quem bate à minha porta? é datado. É quase uma monografia de fim de curso, quando o Jovem Martin Scorsese terminava sua graduação em Cinema pela Universidade de Nova Iorque. Esse filme usa e abusa da maioria dos recursos da linguagem cinematográfica. O plongée, o traveling, o primeiríssimo plano, a montagem paralela, o efeito slow, enfim, o cineasta parece aplicar todas as técnicas aprendidas na faculdade.

Não que isso seja um desmerecimento, pelo contrário, ainda que a narrativa seja embaçada pelo excesso de intervenções, o resultado final é bem inteligível ao telespectador. Fica evidente a presença do cinema experimental; a própria repetição de cenas (influência do cinema francês, com a Nouvelle Vague) é um exemplo.

Outro ponto de destaque são os diálogos, que se aproximam da linguagem banal do cotidiano, dando um certo frescor ao roteiro. Quando Keithel conversa com Zina Bethune sobre John Wayne, é quase um prelúdio do diálogo entre Christian Slater e Patrícia Arquette sobre Elvis Presley em Amor à queima-roupa. A propósito, os diálogos característicos de Quentin Tarantino são uma influência de Martin Scorcese.

A trilha sonora, por sua vez, fornece uma sincronia e uma unidade para as cenas, assumindo, às vezes, a velocidade de planos-relâmpagos. Aquelas músicas – que hoje diríamos: típica – dos anos sessenta constroem uma atmosfera que beira a psicodelia. A seqüência de sexo protagonizada pelo jovem Harvey Keitel expressa o olhar poético do diretor, que conjugou eficientemente som e imagem.

Outro ponto importante (que é um recorrente na filmografia de Scorsese) é desconstrução do cinema clássico. Não aquelas ousadias pueris de jovens videomakers, mas sim um diálogo inteligente com a “Era de Ouro” hollywoodiana. Rastros de ódio e O homem que matou o facínora – ambos de John Ford – são citados. O que é muito apropriado para um filme que fala sobre jovens pobres e desempregados que insistem em manter um código de conduta machista em plena década de revolução sexual.

O cineasta expressa a distância entre uma era mítica (de inocência perdida) e a realidade das ruas em toda sua crueldade. Keitel, interpretando J.R., é o primeiro personagem do diretor a ser dividido entre os valores religiosos e mundanos.

É um tolo rapaz, que dorme com prostitutas (ainda que contra sua vontade), mas repudia uma moça que foi estuprada. Aqui é o nascimento do personagem scorsesiano por excelência, invariavelmente contraditório e confuso.

Cotação: Bom

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Os Simpsons - o filme

Os Simpsons – o filme (The Simpsons movie), 2007. De David Silverman

Há muito pouco para falar sobre esse longa, salvo que você dificilmente sairá aborrecido do cinema. O roteiro é bem elaborado, as piadas são oportunas, as referências às “celebridades” são válidas e as críticas ao governo norte-americano bem-vindas.

Porém, esse filme não consegue se caracterizar como uma narrativa cinematográfica. Trata-se de um episódio da televisão, ampliado para a telona e um pouco mais caprichado. Homer Simpson parece ter pego o espírito da coisa, no começo da história, ele e sua família estão no cinema assistindo ao longa do Comichão e Coçadinha, quando ele comenta que não faz sentido pagar por uma coisa que se pode ver de graça.

Talvez. Mas a verdade é que Os Simpsons – o filme é uma historinha muito divertida. O enredo retoma as primeiras temporadas, quando as peripécias eram o forte da série; que, a propósito, é muito mais interessante do que o humor negro e a iconoclastia gratuita que prevaleceram nos últimos episódios.

Contudo, não deixa de ser um despropósito esperar que um projeto para a televisão funcione como cinema. As complexidades inerentes a Sétima Arte, praticamente impedem que um produto anódino como esse tenha alguma expressão mais destacada.

Se nos ativermos em animações como A bela e a fera (1991), O Castelo Animado (2004) e mesmo Shrek (2001) veremos que são essas as produções que se aproximam de uma narrativa fílmica. Não só quanto ao roteiro, mas a própria direção revela uma seriedade maior – a intenção de criar uma composição, uma obra detalhada e menos caricatural. Não que a questão seja desmerecer Os Simpsons, pois a sua proposta foi clara desde o início: fazer um episódio final para encerrar um dos seriados de maior longevidade da televisão americana.

Uma vez aceito esses pressupostos, o trabalho para o crítico e o espectador fica fácil. Aos que sempre apreciaram as aventuras de Bart e companhia é mais do que aconselhável que vejam esse episódio final. Mas, para quem nunca foi fã desses personagens amarelos, o conselho de Homer prevalece: “por que pagar por algo que se pode ver de graça?”

Cotação: Fraco

A máquina

A Máquina: o amor é o combustível, 2006. De João Falcão

É um filme polêmico, desenvolvido com maestria. Narra sobre uma cidade imaginária e seus singulares habitantes. Apesar de ser específica e localista, a história alcança, brilhantemente, o universal. O filme a que me refiro é Dogville e seu diretor é Lars Von Trier.

Mas, muito distante desse exemplar cinematográfico temos A Máquina, dirigido por nosso amigo Jonhy Falcon. É um dos filmes mais constrangedores que eu já vi nos últimos tempos e mereceria toda a galeria de Troféus Framboesas, se essa premiação se dignasse a distinguir as nulidades do anonimato semi-amadorístico.

O filme narra a história de Antônio (Gustavo Falcão), que decide colocar sua vida em cheque para chamar a atenção do mundo para a pequena cidade de Nordestina, tentando, dessa forma, arrebatar o amor da linda (?) Karina (Mariana Ximenes). Ao final, ele consegue atrair o interesse da mídia internacional, mas o preço é sua própria martirização, no tempo e no espaço.

Nordestina? Ai. Só pelo nome da town já fica patente o interesse em atingir a “essência” do nordeste... E, diga-se de passagem, essa é uma estratégia que nunca funciona. Na maior parte da trama, as falas e os trejeitos dos personagens revelam – não o cerne do nordeste – mas sim uma visão estereotipada; o olhar do litorâneo sobre o que, supostamente, seria o sertão.

O filme é uma falha completa, começando pelo argumento e o desenvolvimento afetado do roteiro. O que resultou, ao final, em uma direção excessivamente teatralizada, que não soube peneirar as interpretações exageradas dos atores.

Gustavo Falcão resvala na canastrice – enrolando-se para pronunciar aquelas falas mal escritas, redundantes e pretensiosas. Alguém deveria ter lhe avisado que ele não é Matheus Nachtergaele e que o personagem em questão não era o João Grilo. Mas justiça seja feita, nada pode superar o papelão (digo, papel) interpretado por Ximenes. O momento em que ela é introduzida na história, cantando uma musiquinha songa-monga em uma bicicleta, pode ser considerado como um dos mais tristes momentos do cinema brasileiro.

A comparação inicial com Dogville não foi gratuita, pois alguns planos gerais de Nordestina, sobretudo quando a vemos em visão aérea ou em plongée, é possível uma associação com a cidade título do filme de Lar Von Trier: uma cenografia que remete a não arquitetura.

Porém, no caso de A Máquina, a desconstrução da paisagem cenográfica, enquanto um simulacro do real, opera por outro sentido que aquele da remoção das paredes. Aqui, se faz questão de assinalar os exageros do cenário e da iluminação (uma forma de atingir a essência). Nordestina não tem uma arquitetura real, a própria igreja (centro de toda cidade tradicional) não possui paredes, mas só a fachada com uma torre, que encobre e, ao mesmo tempo, revela o vazio do sertão. Contudo, quando Antônio parte para o “mundo”, as locações aparecem mais realistas (o mar é, de fato, o mar). O cenário sai da narrativa mítica e entre no tempo histórico real. Tal escolha implicou na quebra da homogeneidade espacial do filme, colocando dificuldades em um trabalho mais do que problemático.

No final, em uma coisa A Máquina acerta, ela consegue atingir a condição de alegoria e fábula. Pois esse filme é uma perfeita metáfora do cinema brasileiro (a Nordestina): incompleto, incoerente, imaturo, mas que quer ser descoberto pelo mundo, chamar a atenção daquela gente grande que, lá na terra da Estátua da Liberdade, faz cinema de verdade.

Grace (Nicole Kidman) disse que algumas cidades nunca deveriam existir. Se referia a Dogville, mas ainda bem que ela não conheceu Nordestina.

Cotação: Péssimo

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O Mensageiro Trapalhão

O Mensageiro Trapalhão (The Bellboy), 1960. De Jerry Lewis

Se fosse feito um remake de O Mensageiro Trapalhão, ninguém seria mais perfeito para o papel do que Rowan Atkinson. Sim, porque os trejeitos de Mr. Bean não deixam de remeter ao personagem Stanley, interpretado por Jerry Lewis. Na verdade o silêncio desses dois personagens – e a opção por um humor calcado em gags físicas – é um legado do próprio cinema mudo.

The Bellboy foi a primeira direção de Jerry Lewis, um trabalho despretensioso, mas com uma visão acertada do que é a comédia, dos diferentes recursos para produzir o humor. O diálogo com o cinema mudo está mais do que presente nesse trabalho, tanto que algumas referências são tão óbvias que é melhor deixar o prazer de destacá-las para o leitor.

Lewis cria uma série de quadros, divertidas situações, encabeçadas por um personagem atrapalhado, ingênuo e simpático. Um tipo de figura que é recorrente em certo modo de fazer comédia e sempre encontrou a empatia e o riso do telespectador – Roberto Gomes Bolaños, inserido em um contexto bem diferenciado, seria outro exemplo que nos é próximo.

Talvez, de todos os gêneros cinematográficos, seja a comédia a que tem maior facilidade de conviver com o absurdo. E Lewis (comediante nato) sabe disso muito mais do que nós: o non sense, o imprevisto e, por vezes, o previsível são ferramentas essenciais para convencer o público da hilaridade da piada.

Esse filme foi muito bem reinterpretado em Grande Hotel (Four Roons, 1995), dirigido por oito mãos – incluindo Quentin Tarantino e Robert Rodriguez– é uma homenagem e uma interação direta com O Mensageiro Trapalhão. O protagonista, interpretado por Tin Roth, também vive um “bellboy”, com trejeitos a la Jerry Lewis.

Em Grande Hotel, Tarantino – que além da direção tem uma ponta – diz que a figura de um mensageiro era um claro evocativo ao personagem Stanley. Como cinéfilo que ele é, estava evidenciando o papel de Lewis na construção e recuperação de um humor inteligente – entre o ingênuo e o provocativo – capaz de despertar uma simpatia e uma cumplicidade no telespectador.

Enfim, O Mensageiro Trapalhão é mais um dos exemplos de que os recursos do cinema clássico estão longe de serem datados e ultrapassados. A inteligência do roteiro (ou do anti-roteiro, como é o caso) explicita que a comédia é um grande gênero do cinema. A mediocridade dos exemplares contemporâneos só revela que a maneira antiga de se fazer humor foi perdida, em proveito de escatologias, piadas politicamente incorretas ou o mais puro e desclassificado besteirol.

A solução para Hollywood está na própria Hollywood. É só olhar para o passado e aprender com os mestres. E, no que toca a comédia, Jerry Lewis é um desses professores absolutos.

Cotação: Ótimo

Denominador comum: o medo nos extremos

O chamado (The Ring), 2002. De Gore Verbinski
Madrugada dos mortos (Dawn of the Dead), 2004. De Zack Snyder

Os meus imaginários leitores devem estar pensando no quanto eu estou desatualizado. Um filme de 2002 e outro de 2004. O que eu posso argumentar é que nesses últimos anos esses dois foram os melhores filmes de terror/horror e suspense que eu assisti.

Mas, são dois filmes completamente diferentes. O Chamado é suspense e terror. É a história sobre uma fita de vídeo que trará, em sete dias, a morte àquele que assisti-la. As vítimas só percebem o que ocorrem no momento em que se confrontam com, o até então, desconhecido. Nesse meio termo as pessoas recebem indícios, mas para a maior parte delas essas pistas são insuficientes para se salvarem.

O assustador desse filme é a solidão da morte e o absurdo da situação. O mundo continua o mesmo, mas a pessoa que viu o filme começa a ter contato com uma misteriosa garota chamada Samara. Em uma cena, vemos a personagem principal, protagonizada por Naomi Watts, debruçada em seu apartamento ela olha o prédio ao lado. Ela está assustada, mas as pessoas nas outras residências vivem normalmente, sem saber que sua vizinha receberá a sinistra visita da garotinha que nunca dorme. Assustador porque absurdo. É o medo da multidão, porque nela você é anônimo, portanto seu sofrimento passa despercebido.

Em Madrugada dos mortos a situação é inversa, o medo não é anônimo, é coletivo. O dia amanhece e algumas pessoas simplesmente se tornaram zumbis. A civilização desmorona, as pessoas correm para se salvar, uns matam os outros, acabou-se a família, os vizinhos. Mais assustador, acabou-se o Estado. As forças policiais nada mais podem fazer, os exércitos são inúteis. Escolas, ruas, igrejas, bairros, tudo abandonado. O que resta é se esconder dos canibais.

Um grupo de pessoas tenta sobreviver em um Shopping Center, sob a ameaça constante da invasão zumbi. Além desses náufragos da civilização nada mais vive (em sua conotação antiga). Esse é um filme de horror, mais do que medo, o que ele causa é desolação, não há mais conforto em lugar algum. O assustador do filme é justamente a coletividade do caos, todos compartilham do mesmo pânico. É o medo da multidão, porque nela você é visto por todos, portanto você é vulnerável, qualquer um pode te ferir.

O que nos assusta mais? Uma morte anônima em frente a sua televisão ou morrer junto com a civilização? O fantasma da garotinha te machuca individualmente, mas a horda de zumbis ataca todos ao seu redor. Pior, as vezes as pessoas que você mais ama se tornam um deles.

Dois extremos, mas uma certeza permanece, em ambas as situações o medo te consumirá. Morre-se o indivíduo ou morre-se o coletivo, mas o padecimento é só seu. Em um determinado momento qualquer preocupação com o outro desaparece, você pensa em salvar só sua própria vida. Não importa qual das duas situações, mas, a morte nos isola, nos arrebata na segurança ou na incerteza, da individualidade ou do coletivo.

Cotação:

Chamado: Bom
Madrugada dos Mortos: Ótimo

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Bobby

Bobby (Bobby), 2006. De Emilio Estevez.

Enfim um filme que é tanto um posicionamento político quanto uma irrefutável obra cinematográfica. Uma produção que conseguiu reunir nomes importantes do estrelato hollywoodiano, porém mantendo um compromisso com o ideário progressista e democrático.

Bobby toma como ponto de partida – e eixo condutor de toda narrativa – a presença de Robert Kennedy no Hotel Ambassador, em meio às prévias para a disputa presidencial. A trama abarca distintas pessoas que tiveram alguma relação com o hotel no dia do assassinato desse político.

A história é feita de possibilidades, e o que essa produção tenta nos convencer é que “Bobby” representava a possibilidade de uns Estados Unidos não militarista, não segregacionista, preocupado com os interesses dos próprios cidadãos, intencionado na busca e ampliação dos direitos civis e sociais.

O contraponto é óbvio: uma América possível (Utópica) e uma América Realmente Existente. O desaparecimento precoce de Robert Kennedy implicou em um era belicosa vivenciada pelos Estados Unidos, que se estende até o presente, representada por um líder que muito se distancia dos pressupostos do liberalismo americano clássico. Com efeito, ao menos no nível imaginário, o atual presidente norte-americano seria o oposto do amigável “Bobby”.

A narrativa faz questão em mostrar a presença do candidato nas diferentes camadas sociais, abarcando os negros, os imigrantes em geral e até mesmo uma representante de um regime socialista. Esse filme segue a contramão da xenofobia e do patriotismo provinciano e chauvinista. A intenção é rememorar uma era quase mítica, na qual havia uns Estados Unidos que não discriminava as pessoas por sua origem racial, condição econômica ou crença política.

Contudo, para além desse imaginário democrata que impregna toda a tessitura do filme, há também de convir que estamos lidando com cinema. Um trabalho forte, sucinto – com alguns exageros dramáticos é verdade (um excesso descartável) –, mas ainda assim um filme bem dirigido e bem decidido.

O individual se liga ao público. O ato final, no qual presenciamos o desfecho da história de Robert Kennedy, percebemos como as historietas se ligam – diversos personagens cujas trajetórias se cruzam ao final. Uma das melhores cenas do filme é aquela em que a euforia da vitória é rapidamente substituída pelo pânico da notícia do atentado a vida de “Bobby”.

Bobby é um réquiem para uma América que não foi, mas que poderia ser. Aquele sonho um tanto ingênuo e pueril dos anos sessenta, mas que, se comparado com o cinismo da realpolitk contemporânea, parece coerente e consistente e, antes de tudo, desejável.

Cotação: Bom

A marcha dos pingüins

A marcha dos pingüins (La Marche de L’Empereur), 2005. De Luc Jacquet

Em um determinado momento, a câmera assume o plano subjetivo de uma pingüim fêmea para que possamos ver o movimento que ela faz para capturar um peixe.

O filme pretende narrar uma história a partir do suposto ponto de vista dos pingüins. Não se trata, portanto, de um documentário de zoologia, mas sim de uma história de amor e luta pela vida. São apresentadas, de uma forma romantizada, as várias marchas que os pingüins fazem para assegurar a procriação e sobrevivência dos filhotes.

Não há pretensão de uma descrição realista do comportamento dos pingüins imperadores, a proposta é bem outra, uma interpretação subjetiva e particular da vida na Antártida. Vários dos anseios e medos humanos são representados a partir da filmagem dos pingüins no período do acasalamento.

Aos poucos, nossa empatia com essas aves aumenta e passamos a nos preocupar se realmente irão sobreviver. A câmera adota a perspectiva dos pingüins, mostrando aperseverança contra o frio, a reações à incômoda presença dos predadores e a satisfação perante a chegada dos parceiros.

Mas, evidentemente, trata-se de uma criação cinematográfica, pois, em uma observação mais atenta, o aspecto de maior fascínio talvez não seja a vida dos pingüins, mas o esforço dos homens para filmá-los. Quando os pingüins machos se unem para enfrentar o frio do inverno, fica óbvio que essa espécie está ali há milênios. Mas, e os intrusos? Aqueles que vieram gravar essas imagens? Como eles resistem a essas adversidades?

São nos planos gerais – quando as geleiras e os oceanos são apresentados, quando são mostrados bandos de aves em um plano mais panorâmico – que o homem entra como um personagem secundário nessa narrativa. É ele que, através de uma técnica só sua, está fabricando um enredo. Nesse filme os figurinistas não são os animais, mas sim o ser humano, uma presença oculta, porém marcante.

Foi a imaginação de um documentarista que possibilitou que estabelecêssemos uma identidade com os pingüins, uma ave que, certamente, muitos de nós nunca veremos, nem mesmo em um zoológico.

É um filme sobre pingüins, mas também é um filme sobre o esforço dos homens para contar belas histórias, sejam verdadeiras ou não.

Cotação: Bom

O Ultimato Bourne

O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum), 2007. De Paul Greengrass.

Mesmo com o declínio dos filmes de espionagem - que tem relação com o fim da Guerra Fria - o interesse nas histórias de agentes secretos e intrigas internacionais não desapareceu. No entanto, a perda de qualidade da franquia de James Bond (que se tornou mais um ianque contra o terrorismo) gerou um vazio no gênero difícil e ser preenchido. A propósito, é curioso um paralelo entre James Bond e Jason Bourne (reparem que as iniciais dos nomes são as mesmas).

Portanto a "triologia" Bourne tem uma razão de ser. Nessa terceira parte, o filme se apresenta maduro e ambíguo, conseguindo superar as polarizações usuais entre mocinhos e bandidos. Bourne é um ex-agente da Cia que perdeu sua memória. Seu principal interesse é desvendar sua identidade civil, reconhecer quem ele era antes de entrar na Agência de Inteligência. Bourne é perfeito no que faz, isto é, Bourne é perfeito em matar e agredir pessoas, entrar e sair de lugares vigiados, executar tarefas complexas e se recuperar rapidamente de imprevistos.

Bourne é um assassino, para isso ele foi programado, contudo, ao perder a memória ele não sabe a que fins ele servia. Aos poucos, ao agrupar uma série de indícios, foi se evidenciando que sua finalidade era servir ao jogo sujo da Cia, uma agência de inteligência que parece pouco preocupada com os civis, muito embora seu discurso seja o de "defender os americanos".

Há uma cena em que os agentes realizam uma operação em uma estação de trem em Londres, pouco se importando com a população que perambulava no local. Um momento em que nos remete à morte do brasileiro Jean Charles, que foi alvejado na estação de metrô londrina por policiais anti-terroristas.

O que O Ultimato Bourne evidencia é o quão espúrio são os serviços de inteligência. Os culpados podem até ser os corruptos, mas eles nada mais são do que criações de uma estrutura viciada e totalitária.

Trata-se de um filme global, com locações em várias partes do mundo. Virgína, Londres, Marrocos, Rússia. Enfim, o filme faz questão de enfatizar as conexões mundiais das inteligências. Há uma cena interessante, em que a câmera acompanha Bourne, no momento em que ele entra em uma sacada. A câmera inicia um movimento rápido e começa a expor um cenário da favela do Terceiro Mundo. Porém o plano geral não ocorre, o que é uma pena, mas é perceptível o interesse em mostrar o mundo de uma forma não exótica. Pois, se o argumento é que vivemos em um mundo globalização, o centro e periferia estão mais próximos do que imaginamos.

Aliás, o principal mérito do filme é a câmera, que se move com intensidade, ela transmite ao telespectador a própria impressão de Jason Bourne do que ocorre ao seu redor. A imagem é tremida e rápida: fragmentos de visões, coerentes com um homem mentalmente machucado.
Quando ele está em confronto, a câmera balança, avança, recua, treme. Porém quando Bourne se acalma, a câmera volta a ser estática. É uma sincronia entre a respiração do personagem e a objetiva, o que revela a competência já conhecida de Paul Greengrass.

Por fim, cabe lembrar a própria constituição do personagem, Bourne é solitário, ele não se dá o direito de conviver por muito tempo com as pessoas. Ele visita rapidamente o irmão de sua ex-namorada (que foi assassinada pela Cia) e novamente desaparece no mundo. Quando achamos que haverá um afair entre ele e Nick Parsons (interpretada por Julie Stiles) somos surpreendidos com a cena na qual ele a coloca em um ônibus, abandonando-a em algum lugar remoto da África.

O que Jason Bourne parece expressar é que todos os exímios são solitários, sobretudo se a arte que eles dominam seja a de agredir.

Cotação: Regular

sábado, 8 de setembro de 2007

Rastros do Ódio

Rastros de ódio (The Searches), 1956. De John Ford

“Aos que preferem um ‘neo-realismo’ (mesmo super) a um western (mesmo da produção B), poder-se-ia recordar, se isso não fosse inútil, o fato histórico de que o western é o único gênero cujas origens se confundem com as origens do cinema, antes de mencionar outra verificação, a de que o western nunca envelhece.” (VIANNA, Antonio Moniz. Um filme por dia. 2004)

O cinema de John Ford é um compromisso com a excelência, a busca pela composição bem trabalhada. A cena inicial já destaca a qualidade do filme. Do interior de um casebre, a porta se abre, lá fora, o deserto inóspito, a câmera avança e estende o campo de visão, o telespectador pode, portanto, vislumbrar esse cenário western.

Um deserto próximo a Utah, vigoroso, ilustração da ânsia do homem em derrotar o selvagem, inaugurando os postos avançados da civilização.

O herói é John Wayne, que interpreta Ethan, um veterano do exército confederado que chega a casa do seu irmão, perdida na imensidão do Monument Valley, pouco antes do massacre dessa família, cometido por índios. Uma sobrinha de Ethan sobrevive, ainda que raptada pelos agressores.

O ex-confederado inicia, então, uma perseguição pelo deserto, buscando, em primeiro lugar, a vingança e, se possível, recuperar sua familiar. De fato, a motivação de Ethan não é o resgate de sua sobrinha, mas a dizimação do indígena, uma “raça” pela qual ele sente desprezo.

Aqui se encontra o ponto de Rastro do ódio que eu pretendo explorar: as relações ocultas mocinho/vilão existentes no filme. Ford é um cineasta complexo, portanto em sua obra há vários matizes a serem explorados, alguns, como este, menos evidentes.

Em um primeiro momento, os papéis parecem bem definidos, há os colonos (civilizados) e os indígenas (bárbaros). Esses últimos são animalescos, assassinaram os desbravadores e, portanto, devem ser caçados (daí The Searches), isto é, punidos exemplarmente.

O personagem de Wayne, em determinado momento, diz que um índio não é humano, ele cavalga em seu cavalo e, quando este se exaure, é abatido e devorado. De fato, com essa associação não há como legarmos qualquer valor ao nativo. No western a relação homem-cavalo é importantíssima, tratando-se de um genuíno laço de lealdade. Se o índio não reconhece esse dever moral para com o eqüino, há mais uma prova de sua proximidade com a selvageria, uma cultura que não é pautada pela ética.

O grupo étnico que Ethan persegue é o Comanche, liderado pelo cruel Scar. Um homem que mata, aprisiona e comete o infame ato de retirar o escalpo. Essa tribo é considerada hostil até por outros indígenas. Ou seja, dentro da narrativa do filme, o extermínio desse povo já está autorizado.

Contudo, aos poucos as sutilezas relativizam, para o bom entendedor, as relações entre herói e vilão. O homem que acompanha Ethan até o final de sua busca é Jeffey Hunter, filho adotivo do família assassinada. Porém esse rapaz, por ter sangue indígena, é mal recebido pelo personagem de Wayne.

Hunter, ao contrário de Ethan, quer reaver sua irmã a qualquer custo. Já esse último está mais empenhado na vingança, chegando a cogitar em assassinar a sobrinha, ao perceber que ela poderia estar adaptada à cultura Comanche.

O primeiro véu do herói se desmancha, pois ele é racista, racista extremado. Ethan quer um massacre e não um resgate. Ele não respeita os cadáveres dos índios, mutilando seus corpos inertes. Trata-se de um homem só e amargurado, alguém realmente apto para viver no deserto, deserto que nada mais é que o reflexo de sua postura eremita.

Os índios são retratados negativamente, ou são violentos ou possuem aquela idiotice dos povos inferiores, sendo facilmente manipuláveis. Porém, há um momento Ethan e Hunter e deparam com uma indígena que eles haviam conhecido, ela é uma boa mulher, mas não foi poupada da retaliação (massacre) conduzida pelas tropas do exército. É quando o acompanhante de Wayne comenta que não haveria motivo para ela ser executada.

Aqui a narrativa faz – em nota de rodapé, é verdade – uma pergunta: então, não são apenas os brancos a serem executados injustamente? Questionamento que não recebe resposta, mas que ali se encontra justamente para inquietar o telespectador.

Scar, o terrível índio, também teve seus filhos assassinados (ele usa essa palavra) pelo homem branco. Portanto sua ação é uma reação. Aqui, o véu do vilão também cai, já que foram os autóctones os primeiros a serem ultrajados, a terem seus territórios invadidos. Com uma sutileza – e se fosse outro cineasta, eu diria involuntária – Ford nos trás a idéia de que o fato e o que é dito sobre o fato se confundem. Idéia que será claramente expressa em O homem que matou o facínora.

Existe mesmo um paralelo entre o rancho e a aldeia destruída. Um plano que se repete é aquele que mostra a destruição externa pelo ângulo do interior dos escombros. Os brancos e os índios se digladiam, mas reza a lenda (que não é hollywoodiana) que são os bárbaros somente esses últimos. E em Ford, a lenda é a história.

Nos atos finais, quando a aldeia de Scar é atacada pelas tropas do exército há uma cena em que vemos uma criança quase ser esmagada pela cavalaria americana. As chacinas não poupam filhotes, sejam brancos, sejam índios.

Porém a cena mais enigmática é aquela em que garota branca, mas já transformada em uma Comanche, foge horrorizada, temendo ser morta por sem próprio tio. Aos olhos dos índios, o assassino é Ethan. Claro que no último momento o implacável vingador reconhece na pele branca uma igual, mas houve um momento de dúvida, de ambigüidade do “herói”, que não pode ser apagada pela narrativa mais evidente.

Em suma, esse é apenas um dos muitos pontos que podem ser explorados. O que evidencia a complexidade desse filme e a necessidade de voltarmos continuamente a esses clássicos.

Ao final, Scar e Ethan, em seus extremos se equiparam. Em ambos há medidas de brutalidade, tristeza e solidão. O chefe destemido e o ex-soldado amargurado, nem tão diferentes e não tão semelhantes. Homens do deserto, isto é o que eles são.

Cotação: Ótimo

A volta do Todo Poderoso

A volta do Todo Poderoso (Evan Almighty), 2007. De Tom Shadyac

Não podemos cobrar verossimilhança de um filme no qual um dos personagens é o próprio Deus (Morgan Freeman). Aqui, não um “Todo Poderoso” irreverente como Alanis Morissete em Dogma (1999), mas um chato de garrocha, que insiste em fazer as coisas a sua maneira...

Sim, claro. Ele é Deus né? Faz as coisas da maneira que bem entender... Deus é brasileiro (2003), com Antônio Fagundes, já havia nos ensinado essa lição da pior maneira possível. Mas esse trabalho de Tom Shadyac (quem?) é um filme tedioso, com um humor insosso e interpretações bem descuidadas.

O filme é sobre Evan Baxter (Steve Carrel), um jornalista que foi eleito congressista. Entusiasmado com sua ascensão profissional, ele se muda para uma nova cidade, mas esquece das “coisas que realmente valem a pena”. LEIA-SE: a família, sim mais uma vez a família... a relação com os fedelhos e a Dona Maria...

Pois é, mas nesse meio tempo, Deus surge e diz: “Constrói uma arca aí Evan Noé, que nos vamos colocar um casal de cada espécie, porque eu tô a fim de dar uma descarga geral na terra.

Evan deveria ter dito: “Hum, um casal de cada espécie? Vai caber?” Mas ele se restringe a dar gritinhos: de dor, de susto, de espanto e de resignação. Steve Carrel se comporta como um careteiro típico. A clássica síndrome de ”mamãe quero ser Jim Carrey”.

Esse é um filme que tem potencial para os neo-pentecostais. É pedagógico, é didático. Devemos escutar a voz de Deus, ignorar a razão e esperar pelos milagres, pois é assim que haveremos de mudar o mundo.

Deus não está morto, ele só estava em um coma profundo. Diriam os neo-nietzscheneanos.

É previsível, você antecipa todos os atos. Baxter não liga para a família; Deus o solicita a construção de uma arca, seus filhos passam a ajudá-lo, estreitando os laços paternos. O nosso congressista carpinteiro passa a ser considerado como louco, todos riem dele – mas ele permanece firme na palavra do senhor (aleluia irmãos!) e vai pregando madeira por madeira. Ao final: família unida, arca construída: missão cristã cumprida!!

Como conseguiram construir aquele enorme barco em tão pouco tempo”? Inquiriria um cético.

Que pergunta idiota! Esses hereges... Deus ajudou! Isso é obvio né?

Me esqueci! Ih, foi mal.

Alguns espectadores devem achar engraçado um homem contemporâneo com barbas grandes e túnicas rústicas... pois Deus obrigou Baxter a trocar seus refinados ternos por esse look beatnik maltrapilho .

Previsível, tedioso e medíocre. Nem o “Todo Poderoso” escapou do esquemão Hollywoodiano

Graças e louvado seja Deus que sou ateu – máximo ateu.

Pois desse modo o filme arranhou só a minha sensibilidade estética e cinematográfica – minhas convicções religiosas não foram agredidas (pois eu não as tenho).

Obrigado meu Deus. Obrigado All Mighty. Obrigado Morgan Freeman.

Cotação: Péssimo

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Editorial

O cinema como um exercício de consumismo

Shopping de luxo. Meia noite, a fila está cheia. Mais do que cheia, transbordante. O cheiro de pipoca está espalhado por todo o ambiente. O público é heterogêneo, mas muito farofeiro e afeito a balbúrdia. Famílias inteiras, grupos de amigos, casais de namorados. Não há espaço para o telespectador solitário. É noite de estréia da última parte de Piratas do Caribe.

É muito barulho, algumas pessoas estão até vestidas a rigor, com espadas e escudos. Os adolescentes realmente parecem uma falange. 14 horas. Cinema de shopping, região metropolitana de B.H. Lá fora, sol a pino, lá dentro, desolação infinita. Há uma confusão, a cada minuto chegam novos espectadores, dispostos a furar fila e a engrossar no coro dos histéricos. O filme é 300.

Público diversificado. É num dos shoppings mais centrais de Belo Horizonte. 17 horas. Há muitos casais de namorados. Não é dia de estréia, mas é a primeira semana de exibição de Harry Potter 5. O falatório é estardalhoso. De um modo geral, estão mais preocupados com a pipoca, a projeção fica em segundo plano.

Duas semanas depois, as salas estarão vazias. O interesse cessado. Só então que os cinéfilos começarão, ainda que timidamente, a ousar penetrar nesse templo do provisório.

O que parece evidente é que o circuito comercial de cinema vive de modismo em modismo. Mantendo-se firme graças a cada nova temporada de blockbusters. Depois que os filmes vão para as locadoras ? ou mesmo passando as semanas iniciais de suas estréias ? as pessoas se esquecerão completamente das filas que enfrentaram e do desespero que expressaram para assistir a banalidade da vez.

Esse é o público geral, que escolhe os filmes movido pela campanha de marketing, pelo orçamento da produção, pela promessa de tiros e explosões ou então do exibicionismo de corpinhos sarados.

A busca de uma qualidade cinematográfica, salvo a excelência da produção, é ignorada. Não se escolhe um filme pelo seu diretor, pelos seus prêmios internacionais (uma forma de dialogar com a crítica), pela sua locação (só se vê filmes americanos) ou pela temática abordada.

O filme é, para o expectador comum, nada mais que uma prática de consumo. Uma oportunidade para botar uma roupinha bonitinha, gastar dinheiro com a pipoca, com a bilheteria e com a coca-cola.

No cinema se dão beijinhos. No cinema se dá bronca nos filhinhos. No cinema se atende o celular para resolver aquela pendência do trabalho.

O circuito comercial de cinema expressa, de forma admirável, a mediocridade do mundo contemporâneo, as imbricações espúrias entre arte e mercado. Não que os cinemas ?alternativos? também não tenham seus problemas. Mas nestes há pelo menos o esforço por uma fruição cinematográfica diferenciada.

Cinema medíocre exibido em ambientes medíocres para público medíocre. É um sistema bem consolidado. O espectador diferenciado tem que levantar a cabeça e respirar fundo, sob o risco de se afogar nesse lamaçal de nulidades.

É a pós-modernidade? Não, é só a mediocridade mesmo.

Eu tentei

Durante muito tempo eu optei por manter a publicação do Café com Cinema pelo próprio Weblogger. Mas as últimas alterações técnicas me desagradaram bastante, ao menos o suficiente para mudar o site.

Percebi que o Blogger é bem mais intuitivo, além de possuir ferramentas mais sofisticadas. Ok... vamos tentar de novo.

Eu sei o quanto é chato pessoas que alteram endereços, mas eu juro, eu juro que tentei.

Boa leitura.

Observer Pereira