segunda-feira, 29 de abril de 2024

Jurassic Park


Jurassic Park - O Parque dos Dinossauros
(Jurassic Park), 1993. De Steven Spielberg.

Antes de tudo Jurassic Park precisa ser entendido como um filme, ou seja, antes da superexploração por meio das franquias pasteurizadas tivemos uma história que realmente valeu o ticket do cinema. Em retrospectiva, podemos ter dificuldade em apreciar seu impacto à evolução do entretenimento, mas o apuro técnico dos efeitos especiais abriu novas possibilidades para os filmmakers.

Jurassic Park foi a superação do Tubarão (também do Spielberg), e se há semelhanças  eles  – o confronto entre homem e natureza e a inversão da relação caça-caçador, por exemplo  – a escala de cada uma dessa mitopéias é distinta.

O tubarão era um invasor individual, até interpretado como resultado dos desequilíbrios ecológicos – algo presumível da história de Peter Bencley, o autor do romance original. Já os dinossauros foram resultados do poder da ciência maximizados pela caótica força motriz da vida. Ideia concebida por Michael Crichton em seu best-seller, o próprio Jurassic Park. Chrichton inova, pois não temos aqui um mundo perdido tal como nas histórias de Conan Doyle ou Júlio Verne; as criaturas extintas voltaram à vida por meio do desiderato de um show business vocacionado em ser um Walt Disney com engenharia genética.

Jurassic Park finalizou um trabalho iniciado com King Kong, Godzilla e outros monstros gigantes (kaijins) mundo afora. O roteiro é um primor didático pela simplicidade de uma narrativa bem contada. A apresentação dos personagens e do cenário, as complicações da trama e o aparecimento do inimigo ensinam-nos como guiar a imaginação; e do espanto caímos para o mar do merchandising.

Eis a dita magia do cinema operada no convencimento do público quanto a realidade do que se passa na tela. Os efeitos especiais e visuais hoje parecem-nos banais, mas inauguraram uma expectativa de receber a fantasia realista em seus detalhes – cada vez o esforço da imaginação passa a ser menor. Ao refletir sobre o realismo de Jurassic Park não posso me esquivar de rememorar o non sense do quadro Dinosaurier auf der Autobahn (1980) do pintor suíço Giuseppe Reichmuth. É o monstro entrando naturalmente na ossatura do cotidiano.

Esses dinossauros não nos dão sossego... reparem na usina nuclear do lado esquerdo e o carro rabo de peixe.

Basta olhar para a tela, tudo está lá, mastigado e plastificado. No lançamento de Independence Day (1996) e Star Wars – Episode I (1999), para citar dois outros arrasa-quarteirões, o trabalho de educação das sensibilidades levado a cabo por Spielberg (e também por Georg Lucas) já estava concluído.

O sucesso dos dinossauros gerou uma superexposição do tema com uma posterior infantilização (as crianças adoraram), mas em certa medida eles foram apenas o instrumento de conscientização do grande público. Pacotões de pipoca e pepsi-cola enquanto assistem seres irreais agindo da forma mais realista e verossímil possível: eis o melhor programa da nova era de ouro do cinema.

Sucesso total: todos abarrotados, amarrotados e arrotados.

Mas e aí, o que viria depois disso?

- Ei, ali na frente, é um robô ou um carro fazendo uma conversão?

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Os fantasmas de Sugar Land


Os fantasmas de Sugar Land
(Ghosts of Sugar Land), 2019. De Bassam Tariq

Um documentário curto (21'), mas reflexivo, discorre sobre o islamismo no contexto de uma sociedade ocidental multiculturalista dita democrática.

O filme funciona como uma roda de conversa na qual rapazes muçulmanos debatem sobre a trajetória de um amigo em comum, o Mark.

Por ser o único afro-americano da escola, ele se aproximou do grupo dos “morenos”, jovens da comunidade muçulmana que acabam por convertê-lo ao islamismo. Entretanto, ao contrário dos outros, preocupados em fugir dos estereótipos, Mark enfatizava a necessidade de uma islamização agressiva.

O assombro ao descobrir o ingresso do amigo no Estado Islâmico evoca várias emoções: medo e tristeza. Na reflexão sobre a perda do companheiro rememoram o tratamento nem sempre respeitoso que o dispensavam. Por eles não se considerarem negros, a questão racial acabava atravessando as brincadeiras. Além disso, Mark era um tipo desgarrado e a procura de um lugar de pertencimento, infelizmente isto o levou ao encontro do ISIS, um dos ramos mais radicais do fundamentalismo.

Imersos no American Way of Life, os muçulmanos sentem-se quase nativos, mas precisam conviver com a discriminação e a desconfiança do governo. Todos ali são, em alguma medida, fantasmas - vide a ambivalência entre o pertencimento e o não-pertencimento. A decisão de Mark, na perspectiva do grupo, ressoa uma falha coletiva em mostrar as formas pacíficas do islamismo. Mas nos relatos dispensados à câmera nota-se a ausência de uma reflexão mais contextualizada, ora, nos anos 60 o islã atraiu membros da comunidade negra como resposta às tensões raciais então vivenciadas. Quais seriam as tensões vivenciadas por Mark para optar por uma resolução tão drástica?

Autodestrutiva e possivelmente sem retorno, é esta solução o verdadeiro fantasma de Sugar Land. O quão tentador seria tal caminho aos outros jovens em situação análoga ao de Mark? Protegidos pelo anonimato das máscaras de super-heróis, os jovens muçulmanos anseiam uma compreensão definitiva sobre a perda de alguém tão próximo e, paradoxalmente, tão distante.

Outro nome para filme: Ghosts in the shells...

Cotação: ☕☕☕☕

Observação: disponível no Netflix.


quarta-feira, 17 de abril de 2024

O Chamado 4: Samara Ressurge

O Chamado 4: Samara Ressurge (Sadako DX), 2022. De Hisashi Kimura

Durante muitos anos, nenhum filme remetia-me tanto ao medo como O Chamado (The Ring, 2002). A ambientação (da floresta, do poço e do farol) e as regras da maldição da garotinha de cabelo escorrido vingativa eram um exemplo perfeito do medo privado. Quero dizer, os terrores que você passa solitariamente, justamente ao contrário dos filmes zumbis nos quais os terrores são coletivos. Inclusive tenho um texto comparando Madrugada dos Mortos com O chamado.

Eu assisti algumas das versões japonesas, a franquia é numerosa, porém, sempre achei a americana mais consistente. E eis que nos chega esse intempestivo O chamado 4: Samara ressurge que não tem nenhuma relação com a sequência norte-americana (daí esse título ser muito apelativo).

O filme é até divertido, mas se você suprimir a expressão patacoada do seu vocabulário. A ideia original da versão japonesa continua: quem assiste a película amaldiçoada, amaldiçoado será. A fita VHS é o vetor de um vírus intrapsíquico. O vírus/maldição se tornou mais letal porque se dispersa em uma velocidade maior (pós-modernidade!). Os elementos básicos continuam, porém em um clima de terrir. Os personagens principais são estudantes com comportamentos estereotipados, um roteiro bem irregular com clima de Todo mundo em pânico.

Ayaka Ichijo é uma secundarista com QI 200 (sei, vai vendo) que precisa derrotar a maldição recaída sobre a irmã, para tal  propósito conta com a ajuda do inútil Oji Maeda, um aprendiz de paranormal que aprecia pagar de galã no jeitinho sul-coreano de ser. Ayaka o gênio passa toda a projeção a se contradizer, correndo de um lado para o outro e usando as redes sociais do celular para buscar uma pista.

A pobre Samara (na verdade, Sadako) encontra-se tão despersonalizada que muda de rosto a todo instante, uma de suas estratégias para confundir as vítimas (nesta versão ela não sai da televisão). Sua manifestação lembra a criatura de Corrente do mal (It follows, 2014), mas neste último caso temos um monstro que quanto mais se aproximava mais amedrontador ficava. Nesta versão Sadako está mais para timer do que para um fantasma incompreendido e raivoso.

Com um desfecho pastelão, “O chamado 4” é um ótimo ensejo para refletirmos que alguns dos medos do passado precisam ficar por lá, caso contrário você se dará conta que as noites de sono mal dormidas foram causadas por um canastrão com peruca espalhafatosa.

Cotação☕☕