Crítica a jato ✈
O
Carteiro nas Montanhas (
Nàshān
nàrén nàgǒu),
1999. De Huo Jianqi.
Pai, filho e um cachorro caminham pelas montanhas para fazer a
entrega de cartas. Mestre e aprendiz. Cada um se depara com seu horizonte, a aposentadoria forçada e a futura vida de longas jornadas por vales e montanhas. O percurso do carteiro inclui vários dias na estrada e dezenas de quilômetros percorridos em uma região íngreme e úmida.
A Belíssima paisagem com cenários rurais, campos de arroz e antigas vilas é Hunan,
a região onde nasceu Mao Zedong, o grande líder da Revolução Chinesa. Essa
ambiência é a chave para um minimalismo em que o silêncio compõe o intervalo
entre os diálogos e os momentos de descanso. Há muitas sutilezas que se
desvelam ao longo da caminhada como o estigma sobre os montanheses, a
lenta chegada da tecnologia e o confronto entre as gerações. Também há a noção
de piedade filial e a deferência para com os anciões.
O respeito
familiar entre os protagonistas constitui o eixo da história. A proposta é tomar
a relação entre pai e filho como parte de um modo de vida em processo de apagamento
pelo mundo urbano-industrial. O caminhão que passa ao longe e o rádio levado a
tiracolo pelo jovem carteiro anunciam o ruído inevitável do progresso.
Trata-se
de um filme viagem no qual os pequenos acontecimentos vão tecendo um plano
maior, memórias e projeções de pai e filho se entrelaçam. As discordâncias são
pontuais e não ameaçam a continuidade entre os caminhos do velho e do jovem funcionário
público.
Esse
panorama geral remete ao filme de Kelly Reichardt chamado Old Joy (2006),
aqui também temos dois homens e um cachorro que percorrem uma área erma e arborizada
em uma interação silenciosa e reflexiva. O elo, no entanto, não é tão contínuo,
pois o estranhamento dos amigos explica-se no distanciamento ocorrido entre eles ao
longo dos anos. Em O Carteiro nas Montanhas o esforço é maior pelo fato de
os viandantes desfrutarem de uma incômoda intimidade.
As viagens
do pai transformaram-no em um imponente desconhecido em sua própria casa, seu grande companheiro foi o cachorro Laoer. No
momento em que o carteiro retirado do trabalho por questões de saúde se
estabelece em casa o jovem (por um ato de vontade própria) começa a sua caminhada. Laoer não parece disposto a acompanhar o rapaz, por isso o pai se apronta para a última viagem em um rito de passagem.
É a
própria continuidade que impõe o conflito a ser desbaratado. O olhar paternal
denuncia a conhecimento das dificuldades, já os murmúrios do novato revelam uma envergonhada
recriminação quanto a algumas das escolhas paternas.
A vida
camponesa – em sua plena idealização – encontra-se ameaçada, mas no alto das montanhas
ela consegue se renovar a partir de uma temporalidade que é a da própria vida. Enfim,
sugere-se na continuidade e na tradição as benesses e o antídoto contra o modo
de fazer errático do mundo lá fora.
Cotação: ☕☕☕☕