quinta-feira, 30 de abril de 2009

Divã


Divã, 2009. Brasil. De José Alvarenga Jr.

Repica Remi, repica!

O cinema brasileiro vai bem, é o que dizem.

Como assim? Bem mal?

Repica Remi, repica!

Salas lotadas e público se identificando com as temáticas brasílicas. Viva! É a retomada do cinema nacional. Por exemplo, em Divã vemos as aventuras e os tropeços de uma respeitável senhora meia idade (sem ofensas), típica classe média. Professora particular, pintora amadora e dedicada esposa. Acompanhamos seus receios (que tédio), suas aflições (saco!) e seus desejos mais íntimos (ih…).

Repica Remi, repica!

Ela e seu marido, ela e seus filhos, ela e seus amantes (nossa, que escândalo), tudo naquela design “moderninho mas comportado”. Enquadramentos medíocres, cortes e diálogos característicos de uma telenovela. Narrativa previsível, encadeamento linear, personagens que amadurecem a partir das escolhas efetuadas e vivências experimentadas.

Repica Remi, repica!

A mulher adormecida em si mesma quer sentir novos prazeres, descobrir outros mundos. Mas e o cinema? Perguntam os desavisados. Onde está a Sétima Arte? A provocação? Quem se importa! Os diálogos são engraçados, carinhas bonitinhas na medida certa. As donas de casa recalcadas terão a oportunidade, nem que em um faz de conta bem vagabundo, de se imaginarem como transgressoras.

O ponto alto do filme: a dedicada Mercedes finalmente encontra um amante a altura. Chego a pensar (que roteiro mal feito!) que é uma de suas fantasias solitárias de 20 minutos. Nada, ela realmente traçou o bonitão do Theo, interpretado pelo Reynaldo Gianecchini, um gentil rapaz que deve visitar os sonhos de muitas quarentonas com alianças na mão esquerda. Consumado o affair, vemos na cena seguinte nossa Dona Ruanita* no salão – feliz como só as mulheres conseguem ser após uma noite de lua de mel – exclamando para seu cabeleireiro:

Repica Remi, repica!

Tão contentinha a ponto de querer um novo corte, mais coerente com sua condição de super-woman.

Repica Remi, repica!

Repica Remi, repica essa película e joga no lixo.

Ah, faz favor, repica.

* Dona Ruanita = Don Ruan

Cotação: péssimo

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Ele não está tão a fim de você


Ele não está tão a fim de você (He's Just Not That Into You), 2009. EUA. De Ken Kwapis

Faz tempo que não escrevo sobre bons filmes, nos últimos posts tenho favorecido essas produções mais insossas, a razão para isso não é o interesse em criar polêmicas ou provocar o espectador médio, mas, confesso, são as nulidades que mais me despertam o fascínio.

O que alguém busca em um filme como esse? Quais os conteúdos ocultos existentes nessas películas?

Parece que estamos falando do amor, mas uma interpretação desse sentimento muito específica, baseada em preceitos próprios de uma sociedade conservadora e de consumo. O velho e desgastado modelo da comédia romântica, com algumas incrustações que iludem o desavisado, a falsa promessa de uma dinâmica mais modernosa.

É um mundo no qual inexiste a pobreza, as únicas preocupações são os beijinhos na boca e o sexo apaixonado. Mulheres buscam o par perfeito, objetivam casar, faz parte da essência feminina; uma das personagens, inclusive, evoca essa lei, ao falar para seu parceiro que o matrimônio é uma etapa obrigatória da vida a dois. Trata-se da naturalização de um modo de vida e da eleição de uma série de valores potencialmente machistas (há a esposa, o marido e as obrigações/funções decorrentes), mas legitimados por um discurso idílico e romântico.

Já os homens estão relutantes em aceitar essa “lei da natureza”, pois são garanhões natos, conquistadores – querem a quantidade e não a qualidade. Quanto mais mulheres passarem pelos seus leitos, melhor. Esforçam para se manterem livres da monotonia do sexo monogâmico, no fim das contas são um presente de Deus para as gentis donzelas.

Na grande batalha dos sexos cabe a mulher um papel fundamental: vencer a áurea cafajeste masculina e impor o desejo de uma vida sob a égide do “... até que a morte os separe”. Jogo da vida, alguns vencem e outros perdem, estes últimos ineptos para os prazeres dos atos conjugais.

Dentro desse universo previsível agem os personagens, que mais parecem autômatos, desde o início condicionados em buscar a “cara metade”, o “par perfeito”, a “alma gêmea”. As personagens femininas são tão estúpidas que realmente merecem a solidão, presas às mentiras masculinas, revelam-se incapazes de escapar do desejo de construir e viver em uma casinha de bonecas. Despendem um bom tempo construindo suas casas (real ou figurativamente), a cenografia diz tudo: “Estamos brincando de The Sims, onde coloco essa cadeira? Qual o ladrilho devo escolher?”.

Os homens são adoráveis vagabundos – com exceção dos pobres coitados que padecem da falta de virilidade e assim não arrebatam as gatinhas mais prendadas, tal como a Scarlett Johansson. Riem da paixão e do casamento até a descoberta do grande amor, nessa ocasião se atirarão encantados em direção aos braços de suas Dulcinéias ou Clementinas. Pelo grau de imaturidade e incapacidade de uma relação responsável com o mundo, todos eles mereceriam câncer de próstata e calvície avançada.

A fórmula do filme segue abaixo.

Ele não está a fim de você. Por quê? É um babaca, um imaturo, não está pronto para o amor, só quer sexo, não quer ter filhos, recusa compromissos, não acredita nos verdadeiros sentimentos. Ele finalmente ficou a fim de você! E aí, o que acontece? Vocês se casam, têm filhos, mudam-se para o subúrbio, andam abraçadinhos e viverão um para o outro.

É um discurso convincente, há sempre um público para acreditar nessas promessas. Mas do ponto de vista da narrativa fílmica percebe-se a previsibilidade e os lugares comuns repletos de moralismos, com implícitos chauvinismos e as homofobias de sempre (mesmo que diluídas em um grau de aceitação social).

Já disse, é a naturalização de um modo de vida, a hipertrofia da esfera privada, o deleite extremo do intimismo. Me fascina a idéia de que tais banalidades tem público cativo, todos os problemas do mundo, dentro de tal perspectiva, findam-se no altar.

Conveniente. Mas para quem? Essa é a pergunta.

Cotação: péssimo

sábado, 4 de abril de 2009

Monstros Vs. Alienígenas



Monstros Vs. Alienígenas (Monsters Vs. Aliens), 2009. EUA. De Rob Letterman e Conrad Vernon

Essa semana o feminismo foi um tema que me veio à tona em várias ocasiões. Lendo um dossiê da Cult sobre o assunto fico sabendo sobre a teologia feminista e o esforço de algumas filósofas para desconstruir a concepção de um Deus patriarcal. Também, meio por acaso, encontrei algumas antigas anotações que eu havia feito sobre O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir. Finalmente, entregando-me ao ato ilícito de assistir um Dvd pirata na casa de um amigo, deparo com esse novo produto da DreanWorks.

Produto embaladinho, bem feitinho e divertido, nada demais, mas desta vez colocando uma mocinha na condição de protagonista, o que garante o charme do filme. No dia do seu casamento, Susan é atingida por um meteorito e sofre um processo de gigantismo transformando-se na quase heroína Ginórmica. Desesperada com sua condição, ela é capturada por agentes do governo e trancafiada junto a outros “monstros” (uma barata cientista, uma gosma indestrutível, um anfíbio e um inseto super-gigante).

Criaturas que fogem aos nossos padrões antropormóficos e por isso mesmo devem ser escondidos dos olhares do restante, até que o aparecimento de um malévolo vilão cria uma oportunidade para que os monstros demonstrem seu valor. São os resquícios da Era Shrek de animações: o permanente desejo de aceitação social.

Salva o filme as referências aos clássicos da ficção científica (algumas sutis e outras nem tanto) e a divertidíssima figura do presidente americano retratado como um idiota (estamos cansado de saber disso, mas eles lá não), além, claro, da personagem principal, Susan, a menina de 15 metros.

Inicialmente uma genuína casadoira, frágil e feminina, mas que no decorrer da história se reconhece como capaz, percebe que seu noivo é um cafajeste de pequena grandeza e que sua felicidade não está condicionada a um anelzinho em seu dedo. No final, sua opção é ser uma profissional de sucesso no especialíssimo mercado de defesa planetária. Bem, não sei se isso pode ser chamado de feminismo, mas já é um passo adiante em relação aos finais ultra-açucarados da Disney.



[Ginórmica, uma citação à mulher de 50 pés ou só o atestado já corriqueiro do esgotamento da criatividade em Hollywood?]

Susan é referência direta à personagem do clássico fic-sci Attack of the 50 ft. Woman, uma provocação divertida, mas inofensiva acerca da suposta superioridade masculina. Não estamos falando de sutiãs em chamas ou revisão dos cânones da civilização ocidental, trata-se somente de uma animação que não bate nas mesmas teclas do chauvinismo reinante em produções do gênero. O que já é algum consolo.

Agora, fala sério, que homem em sã consciência dispensaria uma mulher de 15 metros? Vê se isso não é um mulherão...

Cotação: regular

Fome animal


Fome Animal (Dead Alive), 1992. Nova Zelândia. De Peter Jackson

Tem filme que foi feito por cinéfilo e para cinéfilo, o público usual simplesmente não entende qual o fascínio uma produção ao estilo de Fome Animal é capaz de exercer.

Posso dizer que estamos diante de um clássico dos filmes de zumbis, possível e ironicamente o melhor trabalho de Peter Jackson, infelizmente mais conhecido por ter contado uma história sobre garotos descalços, anéis e elfas peitudas...

Um filme cheio de citações divertidíssimas: vemos um rapaz filho de uma mulher castradora, eles moram em uma casa no alto da colina (Psicose). Também vemos um carrinho de bebê meio sinistro, em seu interior esconde-se uma assustadora criatura (O bebê de Rosemary), isso sem falar do diálogo – se voluntário ou ao acaso, isso não importa – com o excelente A morte do demônio de Sam Raimi.

Lionel é um bom rapaz, porém facilmente dominado pelas pessoas, sobretudo se forem mulheres. Além de ser tiranizado pela sua mãe ainda há os encantos da jovem Paquita – cujo nome, carinha e atuação parecem lembrar os atributos de uma atriz pornô.

Entretanto, um raro macaco da Sumatra (!) mordisca o braço da mãe de Lionel, a Senhora Cosgrove, que se transforma em um... isso mesmo, não precisa nem continuar...

Essa grotesca velha desenvolve uma apetência bem incomum, atacando várias pessoas ao seu redor e, naturalmente, infectando-as. Enquanto isso, a versão neozelandesa de Norman Bates (personagem de Psicose) esforça-se para conter sua genitora e as pessoas por ela agredida, mas sua inépcia faz com que os problemas assumam dimensões cada vez mais desastrosas.

Vale lembrar que Peter Jackson se preocupa em fornecer todos os detalhes para o espectador. Um navio negreiro parou em uma Ilha da Sumatra, ratos gigantescos desceram e estupraram as macacas nativas, desse cruzamento surgiu uma rara espécie capaz de transmitir a peste dos mortos vivos. Quando um desses animais é capturado e levado ao zoológico da Nova Zelândia, os problemas começam. A história se passa em 1957, o que acresce um ar especial ao cenário, ao retratar um modo de vida bem ao estilo do American Way of Life.

Os personagens são muito bem desenvolvidos, mesmo aqueles que aparecem em uma única cena cumprem seu papel, ao exemplo do veterinário nazista. Mas bacana mesmo é o padre que decide “Dar porradas nos zumbis em nome de Deus” ou algo do gênero.

Podemos dizer que Lionel Cosgrave é o oposto de Ash Willians, o personagem do já citado A morte do demônio, um conquistador de mulheres que não tem pejos em mandar os possuídos para o outro mundo. O protagonista de Peter Jackson, no entanto, só se aproxima do seu contra-exemplo nos momentos finais quando, de posse de um cortador de gramas, passa a proferir frases de efeito ao estilo do nosso querido Ash.

O confronto final fica por conta de Lionel com sua mama, que tenta devolvê-lo ao seu ventre, de um jeito ou de outro. Mas até chegar nesse momento, todos os exageros do gore terão sido mostrados... dando enjôos nos estômagos mais fraquinhos e desavisados.

Um filme primoroso, mas que infelizmente tende a agradar somente os fãs do gênero ou os cinéfilos de carteirinha.

Ainda bem que não sou nenhum desses dois...

Cotação: Ótimo

sábado, 21 de março de 2009

Gran Torino



Gran Torino (Gran Torino), 2008. EUA. De Clint Eastwood

O filme interessa para os estudiosos do cinema, uma vez que ele é extremamente autoral, isto é, visita temas recorrentes da filmografia do diretor/ator Clint Eastwood. No entanto, não há como não apontar as gritantes falhas dessa produção.

A grande pergunta é se Walt Kowalski (interpretado pelo próprio Eastwood) é, de fato, um homem durão ou se trata somente de um babaca genuinamente americano. A história começa em um templo católico com uma missa de corpo presente, o velório da Sra. Kowalski. Enquanto as pessoas se voltam para o altar, acompanhando a pregação do jovem e titubeante padre Janovich, o recém viúvo prefere encarar seus parentes, com um rosnado mal humorado e um olhar de desaprovação direcionado para minúcias sem importância, como o pircing no umbigo de sua neta.

Se nem a morte da “mulher mais maravilhosa do mundo”, como será dito em algum momento por Kowalski, consegue desarmar sua carranca, tudo mais cai no implausível. O personagem acaba por soar muito caricato, uma auto-paródia de todos os tipos vivenciados por aquele ator. Se “Walt” é divertido para o espectador – afinal suas más respostas e seu mau humor surpreendem e fulminam – o mesmo não pode ser dito para as pessoas que são obrigadas a conviver com ele. Não há paciência de Jô que suporte alguém que se refira aos outros norte-americanos como “chinas”, “negrinhos” ou chicanos... Não fica claro se a postura do protagonista transmite um racismo sincero ou apenas revela uma de suas facetas de “cara durão”, mascarando seus verdadeiros sentimentos.

Walt Kowalski insiste em morar em seu antigo bairro, que agora está completamente esvaziado dos bons (e brancos) americanos. A comunidade foi tomada por descendente de mexicanos, negros e imigrantes do Laos (Ásia). Claro, onde não há o homem branco prevalece a

Bagunça.

Sim. Casas descuidadas, brigas de gangues e atos primitivos. Pelo menos na interpretação do nosso amigo “Walt” – que só não é 100% USA por ser descendente de polonês e católico.

Seu cotidiano consiste em ganir para os vizinhos, beber cerveja, cuidar de seu gramado e polir seu carro Gran Torino 1972. Até que ele começa a se envolver com seus vizinhos, descendentes de um povo chamado hmong. Os irmãos Sue e Thao conquistam a simpatia desse recluso rabugento. Com dificuldade em relacionar com seus filhos, que parecem não têm o menor tato para lidar com o pai, Kowalski acabará por encontrar algum conforto no convívio com a família Lor.

Mas aí é que a vaca vai pro brejo (e o filme também), porque esqueci de mencionar que esse aposentado ex-operário da Ford tem uma predileção por andar armado e apontar suas guns na cara (ou devo dizer fuças?) do primeiro pobre coitado que ameace a compurscar seu american drean. Problema é que Sue e Thao estão sendo perseguidos por uma gangue local, e o octogenário se sente apto a interferir nessa situação.

Nesse meio tempo Kowalski decide transformar Thao em homem, leia-se ensiná-lo a usar ferramentas, a falar palavrões (uhu! Que macho!) e a paquerar garotinhas incautas (bem, essa lição eu também gostaria de aprender). Enfim, nem drama e nem comédia: mas uma tragicomédia!


[Amerika: the car, the gun and the flag!]

O desafio que a narrativa coloca para o protagonista é grande demais, não há como ele vencer uma gangue de rapazes fortemente armados.

Aí está Clint Eastwood, aí está a auto-confissão de que estás velho.

Com cinco anos a menos, Kowalski seria o treinador sisudo que prepararia o jovem Thao para massacrar os bárbaros também asiáticos.

Com vinte anos a menos, Kowalski seria o sargento durão (vide O destemido senhor da guerra) que entraria no gueto com um fuzil militar dilacerando a carne dos malditos chinas.

Com quarenta anos a menos, Kowalski seria o policial machão, uma pistola em cada mão, chute na porta e bala nos meliantes, depois viriam as outras viaturas para ensacar os corpos.

Com cinqüenta anos a menos, Kowalski seria o cawboy implacável, um revolver, seis balas e a determinação, o resto já se sabe.

Porém, com uns 80 anos, não há muito a ser feito. Suas atitudes são, portanto, inconseqüentes e sugerem um alheamento do mundo próprio dos senis. O único personagem que parece pensar é o padre, que pergunta “Por que você não chamou a polícia?”, pergunta óbvia, mas com resposta igualmente evidente: porque Walt Kowalski se julga capaz de resolver o problema das gangues ao mesmo tempo em que protege seu gramado.

Não há nem muitos elementos para justificar sua personalidade agressiva, apesar de ter participado da Guerra da Coréia, no restante de sua vida ele viveu como um civil, tendo trabalhado em um “emprego comum”. Nada que explique esse comportamento, excetuando, claro, a crença em uma América linda, rica, ostentosa e segregacionista, porém perdida, existente somente ao nível da memória.

Daí o Gran Torino, carro americano por excelência, outra relíquia do passado.

Cotação: fraco