sexta-feira, 19 de julho de 2024

Sadako vs. Kayako

Sadako vs. Kayako (貞子 vs 伽椰子), 2016. Japão. De Kōji Shiraishi

Sadako mata todos aqueles que assistem uma fita de VHS e Kayako todos os que entram em sua casa. O que aconteceria, porém, se alguém assistisse a fita na casa de Kayako? Adianto que não temos nenhum confronto de gigantes fantasmagóricos, pois o encontro entre as duas  criaturas simplesmente não convence.

O Chamado e O Grito foram apropriações das versões japonesas baseadas, por sua vez, em livros e mangás. Elas até exibem mais frescor e originalidade, porém são menos assustadoras do que as adaptações norte-americanas, com um maior esmero gráfico e visual. A versão de O Chamado de Gore Verbinsky, por exemplo, vale-se de uma ambiência aflitiva e de um horror construído no detalhe, ou seja, em toda a mise-en-scène. Por sua vez, as produções japonesas mostram-se desatentas à construção do universo fílmico.

Sadako vs. Kayako propõe um crossover das duas entidades, porém o filme enfoca mais o arco da primeira do que da segunda. Kayako e a criança Toshio (outro fantasma amaldiçoado) aparecem poucas vezes em uma trama paralela bem pouco convincente. De certa forma, o filme é da Sadako com uma ponta de Kayako.

A trama em si é desinteressante e dada a falta de desenvolvimento dos blocos de sequência resta apenas a sucessão de sustos e mortes de personagens secundários (colocados ali só para morrer mesmo). Tudo muito preguiçoso, preâmbulo para o confronto derradeiro entre as duas japonesinhas fantasmas.

No entanto, o embate final decepciona, tremendo anticlímax. Tudo ocorre muito rápido sem as preocupações de explorar as similitudes e as diferenças entre as duas maldições. O desfecho pode até ser aceitável por se tratar de um filme de terror, mas fica a sensação de que após 98 minutos nada de relevante foi exibido. Se havia alguma boa ideia nessa produção, ela não passou do título.

Assistido em 14/07/2024.

Cotação

sábado, 13 de julho de 2024

Retorno da Lenda

Retorno da Lenda (Old Henry), 2021. De Potsy Ponciroli

Hoje fala-se muito em representatividade, é preciso ter cota para tudo; as mulheres, inclusive, devem aparecer na telinha de projeção como fortes e empoderadas. Em caso contrário a crítica não perdoará. Então como explicar Old Henry que conta apenas com atores masculinos? Simples, o filme se apropria da tão propalada ideia de “toxcidade masculina”. Quer dizer, se deixados à própria os homens se brutalizam, engolem seus sentimentos, agridem-se mutuamente e fazem xixi na cama...

Desprovidos de lealdade e racionalidade eles encontram fadados a um ciclo de violência. Assim, quando um homem ferido aparece na porta de Henry McCarth, este reluta em ajudar o desconhecido, pois sua preocupação maior é com o filho, o jovem Wyatt. A história vai se complicando à medida em que o velho Henry precisa decidir entre abandonar o desconhecido de nome Curry – que pode ser tanto um xerife quanto um fora-da-lei – ou enfrentar o bando que almeja captura-lo.

O mundo masculino é brutal e o fazendeiro Henry traz em seu corpo a gestualidade de um passado de violência e rudeza. Seu jeito austero esconde, na verdade, um pistoleiro temido e procurado, algo que nem seu filho imaginava.

Empregando enquadramentos longos e médios a fim de mostrar a tentativa dos personagens se esconderem na natureza, o filme opta pela estilização em detrimento da verossimilhança. Com uma fotografia limpa e em tons pasteis a projeção contrapõe o modo de vida solitário e brutal do universo masculino com uma natureza que poderia ser apropriada de forma mais criativa. Assim, carcaças de aves depositadas sobre uma mesa indicam o tipo de civilização construída naquele meio e por aqueles personagens. Do mesmo modo, um pássaro entalhado na madeira é a oportunidade perfeita para um disparo a sangue frio.

Destoa desse universo o jovem Waytt em seus questionamentos sobre a escolha do pai por tal modo de vida. Com sentimentos e ambivalências mais profundas ela se conecta à figura da mãe falecida. Apontando para um modelo de conduta que não é masculino – embora ele tente se apropriar dos códigos de virilidade reinantes – Waytt busca uma alternativa para aquele espiral de aridez e violência. O confronto geracional introduz o elemento de desequilíbrio dramático.

Henry McCarthy, por sua vez, é uma figura poderosa demonstrando a perícia dos homens do bang-bang. Contudo, seu deslocamento denuncia o beco sem saída das privações e provações do lugar físico e simbólico do Oeste. Os cowboys e pistoleiros precisam desaparecer. Novamente anunciando um fim para o faroeste clássico, Retorno da Lenda é mais um episódio da “volta dos que não foram”.

Morte aos machões e que venham os rapazes repletos de expressividade. Na narrativa do filme tal temática se encarna no abandono do universo de violência por meio de uma lenta marcha rumo à costa leste. Deste modo, a metáfora inicial da narrativa, dar restos dos porcos aos próprios porcos, recobre todo o sentido ao sugerir uma relação canibalista e autodestrutiva da qual o Western tem dificuldades de se afastar. Mas é esse deslocamento diante das obsolescências que permitirá a chegada do novo.

Um argumento, uma aposta. Está aí. Compre-a quem quiser.

Cotação: 

quinta-feira, 4 de julho de 2024

O Protetor


O Protetor (The Equalizer), 2014. De Antoine Fuqua

Tudo bem, eu reconheço elementos do traço autoral do diretor Antoine Fuqua: apreço pelos personagens ambíguos, ou seja, os sujeitos situados nos limiares da bondade e da maldade. Isso pode ser visto no infame Dia de treinamento (2001) ou n'Os Sete magníficos (2016).

Há, também, uma preferência por heróis, anti-heróis ou, ainda, anti-vilões (personagens cujos propósitos e métodos positivos resultam no mal). Uma visão acrítica da história recente dos Estados Unidos e a busca pelo paladino perfeito disposto a fazer o trabalho sujo necessário completam o pacote: cosmovisão pautada em um tipo mais sofisticado de maniqueísmo.

Particularmente não aprecio.

Mas em O Protetor a construção minimalista do personagem Robert McCall tem seu valor. Um indivíduo bondoso cujas memórias muscular e emocional clamam por situações violentas. Tentando se passar por um simples funcionário de uma loja de construção ele oferece uma ordem ao mundo caótico com conselhos clichês e violência, por vezes, desproporcional.

Coach de dia e Batman de noite. Olha que estávamos em 2014...

O diretor Fuqua gosta da violência visceral, dos conflitos nas ruas, das espreitas e dos regimes de autoridade que prevalecem em paralelo, as leis escritas e as das ruas. O personagem de Denzel Washington não se importa em aceita-las ou confrontá-las, mas sempre conforme a conveniência de sua situação.

Mas é uma construção muito interessante, os TOCs, o estado de constante espera, o método de autoaperfeiçoamento – Robert McCall é uma arma aguardando a ocasião perfeita para ser colocado em ação. Antes de liberar todo seu potencial de justiceiro (ultrapassando sua atuação mais contida de vigilante) McCall necessita do aval do mundo da lei, de um representante do governo ainda que de forma oficiosa.

[A obsessão em orientar e proteger as prostitutas: quase um vício dos vigilantes noturnos. Está tudo certo, eles também são voyeurs.]

Nesse sentido, trata-se de um personagem extremamente conservador. Uma moralidade hipócrita assemelhada às figuras do Juiz Dredd da Marvel e do Morcego da DC. A referência ao universo dos quadrinhos não é despropositada pois o quadrinhesco faz parte da composição de O Protetor.

Um ótimo personagem em um universo ficcional cínico, calculista e violento. Mas mesmo com esse conjunto, ou talvez por isso mesmo, a trama se desenvolve de forma infantil naturalizando expedientes quase mágicos, dependentes de um frágil senso de realismo .

O filme poderia ser mais maduro, exaurindo a ontologia do protagonista e a compreensão de suas ações. Sua vinculação é de fato com a justiça ou com a nostalgia por uma suposta ordem social do passado mítico fundamentada na violência dos bons? Os cowboys solitários não existem já faz muito tempo.

Mas aí eu estou saindo do lugar do resenhista e entrando no restrito patamar do roteirista e argumentista.

Não dá para ser juiz e executor ao mesmo tempo. Disso, até eu mesmo sei.

Cotação: