quarta-feira, 4 de março de 2009

Quem quer ser um milionário?


Quem quer ser um milionário? (Slumdog Millionaire), 2008. EUA/Inglaterra/Índia. De Danny Boyle

Definitivamente alguns filmes não passam de excesso de purpurina. A mesma baboseira, o chauvinismo de sempre, as pílulas de alienação... no entanto, vendidos em cores diferentes, nova embalagem, moderna e arrojada, para atrair o interesse do público (que tem uma memória muito fraca, diga-se de passagem).

O desenvolvimento da narrativa se revela eficaz e prende a atenção do espectador. Isso sem falar da habilidade do cineasta em percorrer as cidades indianas e escancarar suas gigantescas desigualdades sociais, mas o olhar do diretor é quase de dentro, sem a intenção de buscar exotismos. Há até algumas cenas que subvertem de todo esse ponto de vista ocidental, quando os turistas americanos são apresentados como inconseqüentes, desinformados e bocós.

O cenário vive: plenamente articulado à narrativa filmica, integra-se por completo às trajetórias dos personagens, esclarecendo suas motivações e personalidades. Acompanhamos a história do jovem Jamal que cresceu em um universo de favelas, orfanatos e lixões, quase sempre acompanhado por seu irmão mais velho Salim (ambíguo e imprevisível). Jamal vive em procura de Latika, sua amiga de infância, até surgir a possibilidade de participar de um programa televisivo ao estilo do Show do milhão. A resposta para a derradeira pergunta lhe traria a fama e milhões (mas não de dólares e sim de rúpias. Pena.).

Se Danny Boyle mostra corpos boiando em rios, casas construídas sobre aterros de lixo e ausência de esgoto e sistemas de água, sua intenção não é apresentar o “outro mundo” para além do ocidente, onde prevalece a barbárie. Também não há avaliação negativa da sociedade indiana, os personagens surgem tão somente como pessoas que buscam a sobrevivência em um contexto adverso.



[Ainda assim cabe a pergunta: alteridade cultural ou banalização da miséria em proveito do "american dream"?]

E é a ausência de um posicionamento político ou ético que elimina qualquer chance do filme agregar um valor mais expressivo. Trata-se somente de uma fábula de sucesso individual, o favelado que se dá bem em um universo onde milhões de outros favelados estarão inevitavelmente presos a um modo de vida inadmissível, seja qual for o padrão de sociedade escolhido (não há relativismo cultural que seja capaz de negar que uma favela ainda é uma favela).

O mundo retratado em Quem quer ser um milionário? se consiste em uma eterna disputa individualista, na ordem do um por um e um contra todos (revertendo a famosa frase dos três mosqueteiros, uma referência importante para o filme). Os mais fracos acabam por sucumbir e se Jamal consegue se safar desse mundo hostil é por um fortuito desígnio da providência, já que ele é uma flor tão rara, capaz de manter seus nobres sentimentos em qualquer contexto.

A típica história do azarão bem sucedido que já foi contada tantas vezes por Bollywood, digo, Hollywood, só que dessa vez com umas tonalidades novas, umas cores fortes, tão ao gosto da estética indiana, mas que por alguma razão sempre me remete às novelas mexicanas da década de 1990.

Dá-lhe Maria do Bairro, dá-lhe menina!

Cotação: Regular

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O Lutador

O Lutador (The Wrestler), 2008. EUA. De Darren Aronofsky

Agora os médicos dizem que não posso mais ser um lutador

Nossos corpos comportam temporalidades, rugas e cicatrizes são testemunhos de experiências, resistências e fraquezas. O cuidado ou descuidado com nós mesmos têm sentidos que muitas vezes nos escapam.

Pensando especificamente o caso masculino, o que mais me chama atenção é a dedicação de alguns gajos com suas aparências. Muito embora eu seja jovem, saudável e esteja no ápice das minhas capacidades físicas, frequentemente encontro rapazes que, apesar de terem a metade da minha idade (algo entre 14 e 15 anos), apresentam-se muito mais robustos.

Algo naturalmente conseguido através de muitas sessões de musculação, além de uma gama variada de produtos, que vão desde complementos alimentares até anabolizantes. Vale pensar o que se pretende com isso, pois parece que há algo mais do que a busca por um corpo saudável. O hedonismo e o individualismo exacerbado da contemporaneidade podem explicar esse comportamento, mas também permanece a busca pela virilidade, o sentimento de ser macho (seja lá o que isso queira significar) e a ilusão de ser um lutador.

Sim. Ilusão. Afinal de contas, um “guerreiro” pode esconder as mesmas fragilidades que um “não guerreiro”. O corpo humano é delicado e propenso a complicações, não importa: seja homem, mulher, varão ou fracote; todos estamos presos a vida por um fio.

Rand (interpretado por Michael Rourke) parece atinar para esse entendimento ao final de sua trajetória de wrestler. Um praticante profissional de luta livre, famoso em sua juventude, que ao se deparar com as complicações de sua atividade e as limitações impostas pela idade decide encerrar sua carreira de lutador. Contudo não é tão simples deixar cair a toalha, já que lhe resta somente a identidade de gladiador, a única vitória alcançada de fato em uma vida dissipada.

O filme, em alguns momentos, alcança uma tonalidade quase documental, quando percebemos os truques da luta livre (mas ainda que os combates sejam encenados, eles são dolorosos para seus participantes). Mais do que isso, o filme se ancora no real, tornando as decisões de Rand muito verossímeis, críveis para um integrante do “universo wrestler”.

Ao contrário do “Rocky, um lutador”, que remonta a fábula do self-made-man, o filme de Darren Aronofsky quer um diálogo mais direto com a crueza dos ringues e bastidores. O suposto cuidado que os lutadores têm com seus corpos só parcialmente é verdadeiro, pois todos estão dispostos a consumi-los em pelejas feitas unicamente com a intenção de agradar o público – uma forma de alcançar fama e dinheiro.

Sylvestre Stallone criou um personagem que digladiava por valores – a crença nos Estados Unidos, na família, nos laços de amizade, no sucesso individual – enquanto Rand apenas quer se afastar de um “mundo baunilha” que lhe reserva um emprego medíocre. Seu hedonismo é a manifestação da solidão, das dificuldades de se relacionar com a filha ou de seus descompassos com a dançarina Cassidy, sua quase namorada.

Aliás, Marisa Tomei é o contraponto feminino, ela interpreta uma striper, inserida em um meio similar ao de Rand, pois assim como o lutador ela deve se expor ao olhar público. Uma outra faceta do culto ao corpo e da supervalorização da imagem, igualmente ameaçada pela fugacidade das coisas.

Agora os médicos dizem que não posso mais ser um lutador

É nessa frase que se esconde o dilema existência do personagem. Não faz sentido uma outra vida que não aquela. Para preservar a imagem de um corpo perfeito vale arriscar seu próprio bem estar.

Não é a força ou a juventude que se busca preservar, mas a ilusão de poder possuí-las por um tempo indeterminado. Os derradeiros momentos do filme nos permitem intuir que Rand atingiu essa compreensão.

Mas os rapazes de 15 anos, entrelaçados naquelas máquinas de levantar pesos, não conseguem atinar para essa sabedoria. Não conseguiram ainda. O tempo cuida disso, já-já.

Cotação: Bom.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Operação Valquíria


Operação Valquíria (Valkyrie.), 2008. EUA. De Bryan Singer


Tom Cruise não andava muito bem das pernas. Depois de subir nos sofás e se dedicar a explanações filosóficas (vide a cientologia) ele percebeu que sua carreira estava por um triz. Então, para salvar sua reputação (ou o restante dela), ele decidiu aceitar esse trabalho e ir para o tudo ou nada.


Pobre Tom, decidiu salvar sua carreira interpretando um oficial nazista que tenta reiteradas vezes matar Hitler, sendo mal sucedido em todas elas; um conceito um tanto heterodoxo para um (ex)galã hollywoodiano. Aliás, o filme começa com ele levando uma sova de caças aliados e termina com sua punição exemplar pela tentativa de assassinato de füher. Ou seja, assim como o ator, o personagem só leva bofetadas...


A maneira como o espectador é introduzido na narrativa é inteligente, inicialmente fala-se em alemão, mas os sons e frases começam a se transformar em inglês, uma maneira de “fazer de conta” que se está falando alemão. Pena que o diretor não era o Mel Gibson, daí todo o elenco teria que fazer uma temporada no Cultura Alemã...


Vakkyrie é o nome do plano utilizado pelos dissidentes para tentar eliminar Hitler. Lastimavelmente esse filme é mal sucedido em todas suas tentativas, as representações de um Hitler medíocre e maligno são redundantes (já vimos isso várias vezes). Há uma cena em que ele aparece de costas, sentado em uma cadeira acariciando, um cachorro (sim! eles usam esse clichê) – eu quase exclamei “Dr. Evil!”, isso sem falar que o brilhante estadista alemão assina documentos importantíssimos sem se dá o trabalho de lê-los...


Já o personagem de Tom Curise, coronel Stauffenberg, é um cristão, corajoso, temente a Deus, fiel a Alemanha, pai amoroso, marido exemplar que decide ingressar no movimento de resistência alemã. Dessa vez ele atinge laivos impressionantes de canastrice, sua expressão é sempre a mesma, ou ele é um homem sob tensão ou sofre de cálculos renais.


O filme tem dois tipos de personagens, os feios e antipáticos, que são fiéis ao ditador, e os belos e de bons corações, mas que são ou incompetentes ou covardes. O general Olbricht, por exemplo, só toma as decisões erradas, totalmente incapacitado para a condição de liderança do alto oficialato. Aliás, ele me lembrou outro general incompetente, cujo nome não me lembro, do livro de A festa do bode de Vargas Llosa – este sim, um interessante trabalho que também aborda a organização de um golpe para eliminar um ditador, dessa vez um caribenho.


O filme é a crônica de um fracasso anunciado, basta esperarmos os planos falharem, os pelotões de fuzilamento entrarem em ação e as previsíveis declarações de coragem serem enunciadas. Mas dispensável mesmo é a família de Sauffenberg, que só aparece para reforçar as características simpáticas do personagem.


As interpretações, os cenários e o próprio roteiro não possuem vida, que não há como nos identificarmos com a história. O efeito de real é mínimo. Há vários bons trabalhos direcionados para a crítica ou mesmo a tentativa de compreensão do nazismo. Operação Valquíria com certeza não é um deles. Trata-se de uma dessas “fitas” descartáveis que Hollywood faz sem levar muito a sério; só mesmo alguém que se macaqueia em frente a Oprha para considerar esse fracasso evidente como a tábua da salvação.


Decadente.


Cotação: Fraco