sábado, 7 de junho de 2008

O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford


O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (The Assassination of Jesse James for the Coward Robert Ford), 2007. EUA. De Andrew Dominik.

Pertencemos à história, mas nosso indício no imenso caudal do tempo se apagará rapidamente. Nenhuma crônica será escrita sobre nós e, com o passar de poucas gerações, não haverá quem faça idéia de que um dia existimos; enfim, condenados ao esquecimento. Mas, alguns demonstram capacidade de deixar rastros e lembranças de suas ações, outros vão além, e abandonam os anais da história para ingressar na narrativa mítica.

Jesse James era um ladrão e assassino, mas, ainda em vida, já havia aedos interessados em perenizar seus feitos. Homem temido, odiado e amado por seus comparsas e pelo público médio, interessado nos foras da lei. Esse herói moderno padece da constante sensação de que seu fim se aproxima, pois quanto mais afamado, mais perseguido – não há lugar para o mito entre os vivos. Por isso, perscruta com singular sadismo os atos, intenções e até pensamentos daqueles que o rodeiam

Brad Pitt desempenha com maestria esse papel, dando um verossímil estoicismo ao seu personagem, que parece antever, desde o primeiro momento, sua extinção. Lembramos de Aquiles (interpretado pelo mesmo ator) que, em Tróia, espera pela sua derrocada com igual coragem e resignação. A intrepidez e ousadia de Jesse James se revelam incongruentes com uma época na qual a imprensa cria figuras mais fantásticas que suas inspirações reais. Em um determinado momento, o criminoso lembra a um dos seus admiradores a falsidade daquelas bravuras descritas nos livretos.

O oposto de Jesse James é Robert Ford (Bob), jovem de inteligência mediana, leitor de textos populares e que se enveredou pela admiração de um personagem cujo desempenho parece mítico. Quando Ford diz que “Ele é só um humano”, sua frase entoa um auto-descrédito. A dramaticidade do filme reside na lembrança da missão que caberá a esse simplório. Não há martírio maior do que a necessidade ou dever de assassinar seu próprio Deus. A vitória não é uma vitória, pois se Jesse James se revela um mortal, nada mais faz sentido, não há mais lugar para o maravilhoso no mundo.

Em The Man Who Shot Liberty Vance, o idealista advogado (James Stewart) vive de uma glória que não a sua, foi seu rival quem abateu o temível bandido. Ao relatar (no final de sua trajetória) a verdade para um jornalista, este prefere manter a fábula, por ser mais poética e didática. Vemos aqui o mesmo desencantamento do mundo provocado pelo reconhecimento de que o herói pode morrer. Que Bob atirou em Jesse James todos sabem, porém, haveria algo de notável nessa execução? Poucos os que reconheceram a nobreza daquele tiro disparado pelas costas. Seu próprio autor acabou mergulhado na introspecção, obrigado a repetir indefinidamente (através de apresentações teatrais) aquele ato infame.

Punido com o esquecimento, pois Robert Ford não se eternizou nas memórias populares, nem recebeu, por muito tempo, o apreço da população, vezes ou outro lembrado, mas como o covarde, o covarde que matou Jesse James.

Cotação: ótimo

sábado, 31 de maio de 2008

Speed Racer


Speed Racer (Speed Racer), 2008. EUA. De Andy Wachowski e Larry Wachowski

Peguei o ônibus e fui ao cinema assistir Speed Racer. No caminho o trânsito estava engarrafado, como sempre, nas Mach 5 enfileiradas percebia-se a impaciência e o stress dos motoristas não tão indômitos quanto o personagem que dá título ao filme. Sem dúvida, se há alguma beleza ou grandeza no automobilismo sabe-se que são restritas a tela de projeção, pois, no mundo concreto (ou seria “de concreto”?), o que nos aguarda não são as manobras mirabolantes, mas sim o caos urbano.

Noventa por cento do filme pode ser jogado fora, incluídos as já citadas manobras mirabolantes (não há nada ali que nunca tenhamos visto) e aquele bla bla bla da importância da família e da defesa dos entes queridos. Visualmente, o produto final é arrojado, nos convence pela sua beleza, seu design, mas e daí? Não há como esquecer as gafes (que ninguém percebeu porque ninguém se importa) de se colocar uma criança para dirigir um automóvel ou o maravilhamento do público em observar veículos correndo em círculos e a queimar o tão escasso Sangue Negro.

Porém Speed Racer nem almeja um diálogo com o mundo real, ele pertence à fábula, lugar de imaginários e atributos bem definidos. O pequeno empresário e o destemido aventureiro (heróis da mitologia capitalista clássica) que se antepõem à corrupta corporação e aos monopólios (vilões da mitologia capitalista moderna). Enfim a dicotomia está traçada e não podemos esperar mais do que isso.

No entanto, aqui há a surpresa positiva, que faz o ingresso valer a pena, explorando as ambigüidades de alguns personagens o que presenciamos são as novas atualizações do confronto entre Davi e Golias. Destaque para o personagem Speed Racer e seus imprevisíveis aliados, o Corredor X e Taejo.

Emile Hirsch abandonou as terras selvagens do Alasca (e sua revolução espiritual) para desempenhar um novo papel, novamente épico. Speed Racer é um exímio (sim! Eu já usei essa palavra antes), há algo que ele pode fazer como ninguém, pilotar Mach 5 é mais do que um esporte. O volante se converte em suas mãos em um pincel, no qual ele descreve inusitadas curvas e singulares rotações e revoluções. Ele almeja ser o melhor, movido por um código de conduta que tende ao arcaico: sua intenção é provar a viabilidade do self made man e da iniciativa individual em um universo marcado por corporações e embustes. Ele corre para se aproximar do seu irmão, que já não está mais entre os vivos, pois faleceu em empreitada semelhante. Na grande corrida, transparece em suas feições a agonia do processo criativo, ao final, seu semblante não traz a expressão da vitória, mas sim os sinais de exaustão física e mental.

Já Matthew Fox desistiu de ser um exemplo moral na Ilha da Fantasia e se mascarou para uma nova missão, dessa vez desempenhar a função do anti-herói, o liberal desiludido que decide enfrentar o sistema com táticas quase de guerrilhas. Misterioso, desafiador, mas confiável, Corredor X trás a imprevisibilidade às pistas, mas também revelas as diferentes manifestações da justiça, conseguindo cooptar o não menos ambíguo Taejo em sua Missão.

Cena emblemática do filme: momentos finais, o grande duelo se aproxima. Um novo carro sai das oficinas do Papai Racer, resultado dos esforços de toda a família. O jovem Speed se encontra no cock-pit, no seu belo automóvel branco e vermelho. Seu clã está em segundo plano, cansados e felizes, com macacões azuis e blusas vermelhas.

Ao fim e ao cabo somente mais uma atualização da família americana, da bandeira pátria e das motivações individualistas que regem essa maravilhosa sociedade do ocidente. Os automóveis correm, mas nenhum piloto sabe ao certo o que o motiva, não faz mal, do lado de fora do cinema, no exterior do shopping, todos correm também, e, igualmente, desconhecem-se suas motivações.


Acima, vemos a bela bandeira americana

Cotação: Regular

domingo, 6 de abril de 2008

Sangue Negro


Sangue Negro (There Will Be Blood), 2007. EUA. De Paul Thomas Anderson.

O Atual contexto justifica as representações negativas do petróleo e posso adiantar que em vários momentos o filme é assustador. A música de fundo soa como um prenúncio fúnebre, mesmo nos momentos em que os personagens revelam uma comedida felicidade.

O protagonista parece saído de um conto de fadas, mas não é um cavaleiro ou príncipe, trata-se de um ogro que, no desenrolar da história, acaba por revelar suas sinistras facetas. Daniel Planiwiel é um perscrutador de petróleo que em finais do século XIX e começos do XX anda pelas terras da Califórnia, em companhia de seu filho, a procura de lugares para furar novos poços.

A princípio ele se apresenta como um empreendedor, ganancioso e ambicioso, mas humano. Na medida em que seu corpo passa a ser coberto pelo negro óleo e sangue (esses dois fluidos, afinal, não seriam a mesma coisa?) a sua malícia e desdém pela humanidade vêm à tona. Por vezes, ele surge como um Mefistófeles, disposto a comprar não só a terra, mas também a alma daqueles que cruzam seu caminho.

Sua aparência rústica e burlesca esconde uma vocação arrivista insuperável. O personagem, na verdade, revela-se como uma profecia das futuras companhias petrolíferas que passariam todo o século XX a fender profundamente o solo, na incansável busca por esse sangue da terra.

O filme, no entanto, não se limita a esse personagem, ele traz uma série de seqüências e coadjuvantes que beiram o insólito. O jovem pastor Eli Sunday se expõe como o contraponto àqueles que buscam o petróleo. Ele é o elemento pré-moderno da sociedade que tenta hostilizar a racionalidade e indiferença das técnicas contemporâneas. Como todo passadista o que ele mais ressente é a perda do controle sobre a comunidade tradicional, o que, no filme, pode ser lido como a chegada de Planiwiel.

Os diversos embates entre Sunday e Paliniwiel marcam claramente o que cada um está disposto a ceder para conquistar os objetivos. Trata-se do confronto entre a alienação religiosa pentecostal e a ganância ensandecida do capitalismo moderno.

Uma das cenas mais fortes é aquela seqüência na qual Daniel Planiwiel corre com seu filho ferido no colo, atrás si está um poço a expelir um denso jacto negro. A música no fundo (mecânica, impessoal, sinistra) confirma o evidente: algo começou a dar muito errado. Em poucos segundos, as chamas se ascendem e se propagam, com elas se incinera o restante da alma desse homem do petróleo.

Os cenários, o acompanhamento musical e os personagens sugerem, de forma inequívoca, que a busca daqueles homens é pela poção infernal. Bebida do Demo.

Do Demo.

Cotação: Ótimo