Extermínio 2 (28 weeks later), 2007. Inglaterra. De Juan Carlos Fresnadillo
Da ordem ao caos, do caos a ordem e, da ordem, novamente ao caos.
A frase acima ilustra muito bem o sentido de Extermínio 2, uma excelente continuação do trabalho inicial de Danny Boyle. Nesse filme são abordadas as tentativas da reconstrução de Londres, 28 semanas após o incidente inicial da propagação do vírus.
O exército americano invadiu a Inglaterra, cabendo a si a responsabilidade de reconstrução. Os nossos bons ianques dão como certo a extirpação da doença e a eliminação dos infectados. Portanto são criadas zonas de segurança para o retorno dos refugiados.
Infelizmente, para os sobreviventes ingleses, os americanos são uma péssima tropa de ocupação (vide Vietnã, Afeganistão e Iraque). Como metáfora sócio-política, o filme alcançou seus objetivos, ao mostrar a inépcia dos americanos em administrarem uma zona pós-guera e como seu descuido e truculência atingiram resultados inversos aos esperados.
Quando a reinfestação começa, vemos a disposição do exército em eliminar todos, os infectados e os sãos (em uma atitude que seria congratulada pelo secretário de segurança do Rio...). Mas, é importante frisar que o filme não é maniqueísta, os americanos são bem intencionados, mas, ao se deparem com o caos, o desespero é inevitável.
Inclusive, é curioso pensarmos que neste filme temos uma novidade: o deflagrar de uma nova onda de contaminações era uma possibilidade prevista, daí a existência do esquema de segurança “Código Vermelho” – nos filmes tradicionais, a irrupção dos zumbis era uma imprevisibilidade, dificultando a organização de sistemas defensivos. Caberia entendermos como militares com armas e em prontidão puderam ser derrotados, mesmo com um planejamento prévio. O que temos é uma representação da falência do estado e de sua incapacidade para gerir o conflito civil.
Extermínio 2: uma continuação ou um recomeço?
De fato eu não esperava que a segunda versão tivessem muitas relações com o trabalho original, sobretudo ao saber que os atores e o diretor seriam trocados. Eu já estava esperando a carnificina sem sentido, ao ritmo de Resident Evil. Mas há uma unidade muito grande entre esses dois filmes: os planos gerais da cidade (revelando a desolação ou o recomeço), a fotografia azulada e melancólica (lembrando uma triste manhã de inverno) e o enfoque no desespero dos personagens. Além disso, como um eixo transversal, nos dois casos, teríamos uma trilha sonora similar, alucinada, mas não frenética.
Há algumas falhas no roteiro, entretanto, no próprio Extermínio 1 (28 days later), também existiam problemas, sobretudo na segunda metade, a ponto de alguns falarem em cada metade ser um filme diferente. Já na continuação, a coesão entre os capítulos é bem maior, ainda que o clímax deixe a desejar, resultando em um desfecho abrupto, que quase trai a premissa original. O confronto final, se é que podemos usar esse termo, não é marcado pela proliferação dos “zumbis”, mas sim por um único infectado que é a peça chave da trama.
Personagens: vítimas do caos
Além da crítica a ineficácia militar, a reflexão mais evidente se relaciona a sacralidade da família: ela é uma instância capaz de resistir às pressões da barbárie? Mais de uma leitura pode ser detectada. O enredo se desenvolve justamente a partir de uma cena em que um marido não hesita em abandonar sua esposa a horda de canibais. Arrependido e torturado por sua fraqueza, mais completamente ciente de que no momento do caos e horror a auto-preservação prevalece. Sua consciência é outra peça chave para o desenvolvimento do argumento central.
A principal falha de 28 weeks later reside na quantidade de personagens que dividem os atos. Inicialmente, é difícil sabermos quais serão os eleitos para a sobrevivência e só no meio da narrativa entendemos qual é a escolha feita. Chega a ser decepcionante vermos personagens mais interessantes serem abandonados em proveito de dois adolescentes. Talvez a última tentativa de defender a possibilidade de uma inocência e regeneração.
A globalização do desespero
O final de Extermínio 2 é o encontro com o prólogo de Madrugada dos Mortos. O que é uma pena, pois a singularidade desse trabalho era justamente enfocar na univocidade da experiência inglesa. A possibilidade do vírus sair da ilha, abre um novo caminho a ser explorado, derrubando as certezas de um porto seguro para a civilização. Mas é esperar para ver, por hora, cabe refletir porque as temáticas dos zumbi retornaram com força no cinema hegemônico e mesmo em produções semi-independentes.
Interesse pela crítica social? Ou simplesmente um sentimento de desolação e abandono causado pelas perversidades da globalização?
Cotação: Bom
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Velozes e furiosos 2
Velozes e furiosos – desafio em Tókio (The Fast and the Furious: Tokyo Drift), 2006. EUA. De Justin Lin
Quando entrei na sala do cinema senti cheiro de pipoca, ouvi o barulho das latas de refrigerantes sendo abertas. A maior parte do público era casais de namorados; havia também grupinhos de amigos. Só eu não fazia parte daquele cenário. Procurei o assento mais distanciado e me preparei para as tolices de sempre.
Me surpreendi. Era bem pior do que eu pensava. Banal e ultrajante.
Uma moça propõe a dois competidores que o vencedor ficaria com ela; se coisificando de tão bom grado... Durante o racha: batidas, destruições e acidentes, mas parece que ninguém está preocupado com as conseqüências. Sean Boswell, o mocinho do filme – um jovem com menos de 18 anos –, ao capotar seu carro, sorri.
É esse o espírito do filme: inconseqüência perante tudo.
A própria narrativa é inconseqüente, pois em poucos minutos o garoto problema já está no Japão, estudando em uma escola japonesa, mesmo sem saber falar o idioma local. O garoto saiu dos E.U para evitar problemas, para isso foi morar com seu pai. Este pede que ele fique longe de carros e confusões. Na cena em seguida Sean Boswell já está atrás de um volante, flertando a namorada do bad boy local.
Corre-se. Assim é o filme, uma correria sem fim, carros e mulhres-objetos sendo exibidos. Uma musica dançante ao fundo e frases de efeito que não deveriam ser expressas nem nos para-choque dos caminhões.
Pasmem: o filme é anti-americano. Não há família no filme, apenas genitores relapsos, que não sabem cuidar dos seus rebentos. Não há comunidade, não há país, não há nada. Os carros correm, e isso é tudo. Nem o clássico conflito entre bem e mal está presente. Pois todas as personagens fazem parte do mesmo mundinho ridículo, você pode torcer pelo mocinho, mas sua causa não é melhor que a do “vilão”.
O desconforto que o filme me causou só não foi maior do que meu desprezo pelo público do cinema. Mastigava-se pipoca, dava-se beijos, urros, gritinhos, aplausos e comentários ridículos. Parecia que o filme só incomodava a mim.
Carros correm pelas ruas da cidade, passando por automóveis de motoristas “normais”, os carros batem, as vezes explodem, e as pessoas aplaudem. É inconseqüente, é anti-iluminista. A preocupação com o humano foi perdida, a relação de causa-efeito esquecida. O que importa é aprender a dar a manobra drift, o que vale a pena é faturar a garota.
No cinema, o público delira. Comenta-se a beleza dos carros, elogia o desempenho das manobras. Só eles não perceberam que é um racha. Só eles não perceberam que o filme é um elogio ao banal, (corre-se para ver quem é o melhor).
Quando o filme acaba, os casais se levantam abraçados, os rapazes comentam os carros. As moças arrumam o cabelo. O grupo de amigos brincam entre si, satisfeitos com o entretenimento. As latas de refrigerante estão vazias, assim como o saco de pipocas.
Eu continuo sentado, insatisfeito, perplexo. Filme e público me cansaram, levanto desanimado e vou para o ponto de ônibus. Final do espetáculo e eu estou infeliz:
... quero meu dinheiro de volta.
Cotação: Péssimo
Quando entrei na sala do cinema senti cheiro de pipoca, ouvi o barulho das latas de refrigerantes sendo abertas. A maior parte do público era casais de namorados; havia também grupinhos de amigos. Só eu não fazia parte daquele cenário. Procurei o assento mais distanciado e me preparei para as tolices de sempre.
Me surpreendi. Era bem pior do que eu pensava. Banal e ultrajante.
Uma moça propõe a dois competidores que o vencedor ficaria com ela; se coisificando de tão bom grado... Durante o racha: batidas, destruições e acidentes, mas parece que ninguém está preocupado com as conseqüências. Sean Boswell, o mocinho do filme – um jovem com menos de 18 anos –, ao capotar seu carro, sorri.
É esse o espírito do filme: inconseqüência perante tudo.
A própria narrativa é inconseqüente, pois em poucos minutos o garoto problema já está no Japão, estudando em uma escola japonesa, mesmo sem saber falar o idioma local. O garoto saiu dos E.U para evitar problemas, para isso foi morar com seu pai. Este pede que ele fique longe de carros e confusões. Na cena em seguida Sean Boswell já está atrás de um volante, flertando a namorada do bad boy local.
Corre-se. Assim é o filme, uma correria sem fim, carros e mulhres-objetos sendo exibidos. Uma musica dançante ao fundo e frases de efeito que não deveriam ser expressas nem nos para-choque dos caminhões.
Pasmem: o filme é anti-americano. Não há família no filme, apenas genitores relapsos, que não sabem cuidar dos seus rebentos. Não há comunidade, não há país, não há nada. Os carros correm, e isso é tudo. Nem o clássico conflito entre bem e mal está presente. Pois todas as personagens fazem parte do mesmo mundinho ridículo, você pode torcer pelo mocinho, mas sua causa não é melhor que a do “vilão”.
O desconforto que o filme me causou só não foi maior do que meu desprezo pelo público do cinema. Mastigava-se pipoca, dava-se beijos, urros, gritinhos, aplausos e comentários ridículos. Parecia que o filme só incomodava a mim.
Carros correm pelas ruas da cidade, passando por automóveis de motoristas “normais”, os carros batem, as vezes explodem, e as pessoas aplaudem. É inconseqüente, é anti-iluminista. A preocupação com o humano foi perdida, a relação de causa-efeito esquecida. O que importa é aprender a dar a manobra drift, o que vale a pena é faturar a garota.
No cinema, o público delira. Comenta-se a beleza dos carros, elogia o desempenho das manobras. Só eles não perceberam que é um racha. Só eles não perceberam que o filme é um elogio ao banal, (corre-se para ver quem é o melhor).
Quando o filme acaba, os casais se levantam abraçados, os rapazes comentam os carros. As moças arrumam o cabelo. O grupo de amigos brincam entre si, satisfeitos com o entretenimento. As latas de refrigerante estão vazias, assim como o saco de pipocas.
Eu continuo sentado, insatisfeito, perplexo. Filme e público me cansaram, levanto desanimado e vou para o ponto de ônibus. Final do espetáculo e eu estou infeliz:
... quero meu dinheiro de volta.
Cotação: Péssimo
Amantes constantes
Amantes constantes (Les Amants réguliers), 2004. França. De Philippe Garrel.
O cinema francês costuma ser ingrato com seu público, obrigando-o a acompanhar uma narrativa lenta e introspectiva, capaz de cansar até o espectador mais experimentado. Entretanto se essa dificuldade for transposta, muitas vezes temos a oportunidade de depararmo-nos com excelentes filmes.
Esse é o caso de Amantes Constantes, que consegue mostrar-se como um filme maduro e consistente. A autoconfiança do diretor é clara, pois ele faz um preâmbulo de uma hora, praticamente uma outra história dentro do enredo principal – mas de maneira alguma isolada.
Em um primeiro momento vemos o confronto entre estudantes parisienses e as forças policiais nas barricadas de 1968 – as esperanças, o medo e as expectativas com essa mobilização dos jovens e dos proletários. Em seguida (a maior parte do filme) acompanhamos o desfecho e o significado dessa experiência para os seus participantes.
Os protagonistas tiveram uma vivência fascinante durante as manifestações, contudo, ao serem política e taticamente derrotados, acabaram se voltando para uma atitude auto-contemplativa, sem força para criar novas estratégias de confrontação. Essa apatia dos personagens é bem expressa no vício pelo ópio, naquelas reuniões silenciosas, nas quais não há mais nada para ser discutido.
Essa ausência da ação política é refletida na própria fluidez do filme. A narrativa é arrastada, ela não se encaminha de evento a evento, é mais uma descrição: dos percursos pela cidade, dos encontros, dos amores. Só mais ao final “pescamos” a trama que orienta o filme. Dá até para ver um pouco de Godard em Amantes constantes, nos momentos em que os atores fixam diretamente a câmera e desafiam a verossimilhança cinematográfica, chegando ao ponto de citar Bertolucci...
Um cinema introspectivo, que para a câmera no rosto do personagem e deixa o tempo correr, cabendo ao expectador encontrar um sentido naquela expressão. O que fazer depois que o sonho da revolução não logrou? Como por o proletariado no poder se ele não quer estar lá? Talvez sejam essas as perguntas colocadas em rostos jovens mais distantes
Enquanto os operários retornam às fábricas, os jovens devem encontrar uma nova razão de ser. Esvaído o sonho revolucionário só cabe voltar para si mesmo, encontrando nos amores ou nas drogas uma sensação próxima ao que sentiram naquela estação de flores e contestação. Os personagens principais, um casal de amantes, são também um resultado da experiência de 1968. É através desse relacionamento que vislumbramos com maior clareza o que ficou e o que foi perdido dessa transformação política e cultural.
Trata-se de um filme denso, seus 171 minutos de duração, combinado com uma contrastante fotografia preto e branco certamente é um convite a manter as salas de projeção esvaziadas. Com uma temática que provavelmente interessará somente aos espectadores mais intelectualizados (e olha lá) Amantes constantes é um filme bem destoante do que estamos acostumados a ver nos cinemas – mesmo naqueles circuitos menos comerciais.
Um belo e forte filme, mas, quem é que vai vê-lo? Quem?
Cotação: Ótimo
O cinema francês costuma ser ingrato com seu público, obrigando-o a acompanhar uma narrativa lenta e introspectiva, capaz de cansar até o espectador mais experimentado. Entretanto se essa dificuldade for transposta, muitas vezes temos a oportunidade de depararmo-nos com excelentes filmes.
Esse é o caso de Amantes Constantes, que consegue mostrar-se como um filme maduro e consistente. A autoconfiança do diretor é clara, pois ele faz um preâmbulo de uma hora, praticamente uma outra história dentro do enredo principal – mas de maneira alguma isolada.
Em um primeiro momento vemos o confronto entre estudantes parisienses e as forças policiais nas barricadas de 1968 – as esperanças, o medo e as expectativas com essa mobilização dos jovens e dos proletários. Em seguida (a maior parte do filme) acompanhamos o desfecho e o significado dessa experiência para os seus participantes.
Os protagonistas tiveram uma vivência fascinante durante as manifestações, contudo, ao serem política e taticamente derrotados, acabaram se voltando para uma atitude auto-contemplativa, sem força para criar novas estratégias de confrontação. Essa apatia dos personagens é bem expressa no vício pelo ópio, naquelas reuniões silenciosas, nas quais não há mais nada para ser discutido.
Essa ausência da ação política é refletida na própria fluidez do filme. A narrativa é arrastada, ela não se encaminha de evento a evento, é mais uma descrição: dos percursos pela cidade, dos encontros, dos amores. Só mais ao final “pescamos” a trama que orienta o filme. Dá até para ver um pouco de Godard em Amantes constantes, nos momentos em que os atores fixam diretamente a câmera e desafiam a verossimilhança cinematográfica, chegando ao ponto de citar Bertolucci...
Um cinema introspectivo, que para a câmera no rosto do personagem e deixa o tempo correr, cabendo ao expectador encontrar um sentido naquela expressão. O que fazer depois que o sonho da revolução não logrou? Como por o proletariado no poder se ele não quer estar lá? Talvez sejam essas as perguntas colocadas em rostos jovens mais distantes
Enquanto os operários retornam às fábricas, os jovens devem encontrar uma nova razão de ser. Esvaído o sonho revolucionário só cabe voltar para si mesmo, encontrando nos amores ou nas drogas uma sensação próxima ao que sentiram naquela estação de flores e contestação. Os personagens principais, um casal de amantes, são também um resultado da experiência de 1968. É através desse relacionamento que vislumbramos com maior clareza o que ficou e o que foi perdido dessa transformação política e cultural.
Trata-se de um filme denso, seus 171 minutos de duração, combinado com uma contrastante fotografia preto e branco certamente é um convite a manter as salas de projeção esvaziadas. Com uma temática que provavelmente interessará somente aos espectadores mais intelectualizados (e olha lá) Amantes constantes é um filme bem destoante do que estamos acostumados a ver nos cinemas – mesmo naqueles circuitos menos comerciais.
Um belo e forte filme, mas, quem é que vai vê-lo? Quem?
Cotação: Ótimo
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