sexta-feira, 31 de maio de 2024

Shin Gojira


Shin Gojira
, 2016. Japão. De Hideaki Anno

O tom nacionalista de Shin Gojira (2016) passou despercebido: uma história sobre a reorganização militar do país a fim de superar as adversidades. Estas podem até ser os desastres naturais, mas a questão nuclear é o ponto inegável.

A abordagem é a política e não a história dos Kaijins em si; nem mesmo o cinema catástrofe domina a projeção. Trata-se da articulação política dos médios escalões do governo para impedir a perda de autonomia do país perante a comunidade internacional ou dos Estados Unidos.  Assim, uma mobilização para destruir a criatura que apareceu no território japonês e salvar vidas choca-se com a hesitação dos políticos convencionais e dos interesses internacionais. Trata-se, portanto, de defender a revitalização do Japão com a substituição da engessada burocracia por uma geração legitimada pelo mérito. A hierarquia e a respeitabilidade tradicionais são entraves à modernização – um mote discursivo que se repete por lá. Quando o mostro emerge, a sequência das decisões tomadas em reuniões regidas por uma pompa e um protocolo denunciam o imobilismo a ser superado pelos “modernos”.

O filme defende as premissas da maioridade do Japão e da sua saída da autônoma em relação dos Estados Unidos. Isso dito de forma explícita e didática, muitos diálogos, inclusive, são pronunciados para a câmera como a preleção de um professor diante da turma. Trata-se de um filme educativo que propõe o rearmamento da nação nipônica, mas tudo com a dita responsabilidade pois a própria arrogância imperial é lembrada.

O filme peca por esse excessivo empreendimento moral, tornando o mostro e mesmo o desastre aspectos quase acessórios. Os personagens são rasos e unidimensionais, estão ali para pensar a melhor solução para o país com uma abnegação típica de propaganda de guerra. Por tomarem decisões a uma distância considerável do monstro, o próprio perigo que correm é reduzido, embora haja, naturalmente, os sacrifícios e as expiações da rodada.

Além disso as cenas de destruição e do próprio monstro são apenas razoáveis. Há um aspecto retrô da criatura, bem em conformidade com um ideário político em si controverso. Os estereótipos japoneses são mostrados a exaustão revelando um filme antigo em roupagens hodiernas.

A representação dos norte-americanos é ambivalente, de um lado são apresentados como autoritários e com exigências exclusivamente favoráveis aos seus próprios interesses, mas, do outro lado, confiam aos japoneses uma solução própria. As menções aos ataques de Hiroshima e Nagasaki ocorrem mais de uma vez e o trauma do ataque nuclear paira durante toda a narrativa. A fim de evitar o pior, Estado e nação precisam da harmonia de modo que modo que o novo e o antigo possam ser integrados.

Enquanto isso, Godzilla vai se movimentando e cientistas, políticos e militares precisam conter seu avanço sobre Tóquio. Depois dos desarranjos iniciais criados pela paralisia política uma resposta técnico-militar é fabricada e colocada a prova. O sucesso dessa empreitada vai garantir a autonomia do país evitando, assim, sua invasão pelos estrangeiros. Os olhos dos Estados Unidos e da Europa estão voltados para a terra do sol nascente, já Rússia e China são colocadas de lado com uma certa suspeição.

A ideologia nacionalista e militarista não são propriamente novidades no Japão, mas esperamos que assim como o Gojira elas continuem adormecidas.

Cotação: ☕☕☕


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