segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Restrospectiva 2024 - filmes assistidos

Com possíveis omissões e muitas redundâncias (os curtas enchem a lista) esses foram os filmes que eu assisti em 2024. Foi um ano de retorno à cinefilia. Espero explorar, em 2025, uma gama mais variada, inclusive o cinema brasileiro.

Total de filmes assistidos: 80.

Filmes vistos em 2024:

  • O Auto da Compadecida 2. De Guel Arraes e Flávia Lacerda, 2024.
  • Longlegs: vínculo mortal. Longlegs. De Oz Perkins, 2024.
  • Cuckoo. De Tilman Singer, 2024.
  • A armadilhaTrap. De M. Night Shyamalan, 2024.
  • Abigail. De Tyler Gillett e Matt Bettinelli-Olpin, 2024.
  • Desespero Profundo. No Way Up. De Claudio Fäh, 2024.
  • O dublê. The fallguy. De David Leitch, 2024.
  • Megatubarão 2. Meg 2: The Trench. De Ben Wheatley, 2023.
  • Jackpot: Loteria Mortal! Jackpot. De Camila José Donoso, 2023.
  • O jogo do elevador. Elevator game. De Rebekah McKendry, 2023.
  • Fale Comigo. Talk To Me. De Danny e Michael Philippou, 2023.
  • A Morte do Demônio: A Ascensão. Evil Dead Rise. De Lee Cronin, 2023.
  • A Avó. La Abuela. De Paco Plaza, 2023.
  • Os Vourdalak. Le Vourdalak. De Adrien Beau, 2023.
  • Tartarugas Ninjas: Caos MutanteTeenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem. De Jeff Rowe, 2023.
  • O homem dos Sonhos. Dream Scenario. De Kristoffer Borgli, 2023.
  • O mal que nos habita. Cuando acecha la maldad. De Demián Rugna, 2023.
  • O Protetor 3. The Equalizer 3. De Antoine Fuqua, 2023.
  • Não fale o mal. Speak no Evil. De Christian Tafdrup, 2022.
  • Na mente de um assassino em série. A Wounded Fawn. DeTravis Stevens, 2022.
  • O Chamado 4: Samara Ressurge. Sadako DX. De Hisashi Kimura, 2022.
  • Um Lugar SecretoJohn and the Hole. De Pascual Sisto, 2021.
  • Willy's Wonderland. De Kevin Lewis, 2021.
  • Retorno da Lenda. Old Henry. De Potsy Ponciroli, 2021.
  • Aloners. Honja Saneun Saramdeul. De Hong Sung-eun, 2021.
  • Benedetta. De Paul Verhoeven, 2021.
  • O Lobo de Snow Hollow. The Wolf of Snow HollowDe Jim Cummings, 2020.
  • 1BR – O apartamento. 1BR. De David Marmor, 2019.
  • Pequenos monstrosLittle monsters. De Abe Forsythe, 2019.
  • Limbo: Entre o céu e o inferno. Limbo. De Mark Young, 2019.
  • Hellraiser: Judgment. De Gary J. Tunnicliffe, 2018.
  • A freira. The Num. De Corin Hard, 2018.
  • VHS Viral. VHS Viral. De Justin Brooks, 2014.
  • Cadáver. The Possession of Hannah Grace. De Diederik Van Rooijen, 2018.
  • O Protetor 2. The Equalizer 2. De Antoine Fuqua, 2018.
  • Shin Gojira. Shin Gojira. De Hideaki Anno, 2016.
  • O chamado vs. o grito. Sadako vs. Kayako. De Kōji Shiraishi, 2016.
  • O Regresso. The Renevant. De Alejandro Gonzáles Iñárritu, 2015.
  • Garota sombria que anda a noite. A Girl Walks Home Alone at Night. De Ana Lily Amirpour, 2014.
  • O Protetor. The Equalizer. De Antoine Fuqua, 2014.
  • Jogos de Apocalipse. After the Dark. De John Huddls, 2013.
  • Senhorita Zumbi. Miss Zombie. De Yoshiki Kumazawa e Satake Kazumi, 2013.
  • 30 dias de noite. 30 Days of Night. De David Slade, 2007.
  • Madrugada dos Mortos. Dawn of the Dead. De Zack Snyder, 2004.
  • O Monge à Prova de Balas. The Bulletproof Monk. De Paul Hunter, 2003.
  • O Albino Noi. Noi Albínói. De Dagur Kári, 2003. 
  • O Carteiro nas Montanhas. Nàshān nàrén nàgǒu. De Huo Jianqi, 1999.
  • Jurassic Park - O Parque dos Dinossauros. Jurassic Park. De Steven Spielberg, 1993.
  • Visions of ecstasy. De Nigel Wingrove, 1989.
  • A maldição dos Mortos-Vivos. The Serpent and the Rainbow. De Wes Craven, 1988.
  • Silverado. Silverado. De Lawrence Kasdan, 1985.
  • Cavaleiros de açoKnightriders. De George Romero, 1981.
  • Vestida para matar. Dressed to kill. De Brian de Palma, 1980.
  • Apocalypse Now: Final Cut. De Francis Ford Copolla, 1979.
  • Duelo de Gigantes. The Misouri Breaks.De Arthur Penn, 1976.
  • As Troianas. The Trojan Women. De Michael Cacoyannis, 1971.
  • Os palhaços. I clown. De Frederico Fellini, 1970.
  • O garoto Toshio. Shōnen. De Nagisa Oshima, 1969.
  • O Vale do Gwangi. The Valley of Gwangi. De Jim O'Connolly, 1969.
  • A negra de... La noire de... França-Senegal. De Ousmane Sembène, 1966.
  • Elegia da briga. Kenka erejii. De Seijun Suzuki, 1966.
  • Cléo das 5 às 7. Cléo de 5 à 7. De Agnès Varda, 1962.
  • Cavalgada Trágica. Comanche Station. De Budd Boetticher, 1960.
  • O homem do Oeste. Man of the West. De Anthony Mann, 1958.
  • O Fantasma de Mora Tau. Zombies of Mora Tau. De Edward L. Cahn, 1957. 
  • A 7ª Cavalaria. Seventh Cavalry. De Joseph H. Lewis, 1956.
  • Noites de circo. Sawdust and Tinsel. De Ingmar Bergman, 1953.
  • Luzes da Ribalta. Limelight. De Charles Chaplin, 1952.
  • O Padre Voador. The Flying Padre. De Stanley Kubrick, 1951.
  • O baile na casa Anjo. Anjo no Yakata. De Kōzaburō Yoshimura, 1947.
  • Vítimas da Tormenta. Sciuscià. De Vittorio De Sica, 1946.
  • O Proscrito. The Outlaw. De Howard Hughes, 1943.
  • A Haunting We Will Go. De Burt Gillet, 1939.
  • Popeye. Blow me down. De Dave Fleischer, 1933.
  • The Skeleton Dance. De Walt Disney, 1929.
  • Hell’s Bells. De Ub Iwerks, 1929.
  • The Haunted Dance. De Walt Disney, 1929.
  • O Homem que Ri. The Man Who Laughs. De Paul Leni, 1928.
  • A morte cansada. Der müde Tod. De Fritz Lang, 1921.
  • One Week. De Buster Keaton, 1920.

Megatubarão 2/Meg 2

Megatubarão 2. Meg 2: The Trench. De Ben Wheatley, 2023.

Filme com apelo comercial, a começar por contar com Jason Statham no elenco, o último dos moicanos dos filmes de ação. Megatubarão 2 é um híbrido: um pouco de catástrofe, um pouco de monstruosidade e umas doses exageradas de humor. Uma equipe de exploração desce até fossas subaquáticas nas quais ainda existem animais pré-históricos. Lá, sob intensa pressão da água (situação que o roteiro vai lembrar e esquecer conforme conveniência) os exploradores encontram uma estação de mineração clandestina.

As premissas que sustentam o filme dispensam maiores comentários, naturalmente. O plot descarta, também, a verossimilhança recuperando a despretensão criativa dos anos noventa. Naqueles tempos tudo era pretexto para dar ribalta ao mocinho com seus dotes físicos invejáveis e a sua perícia formidável. A narrativa, no entanto, custa a chegar a esse ponto, mostrando-se inicialmente muito mais séria do que necessário. A primeira parte é de claustrofobia com a tripulação dos submarinos presa entre tubarões pré-históricos e mineradores assassinos. Os ângulos de câmera fechados e a baixa iluminação sugerem situações de risco iminente, confirmadas pela morte de membros da equipe.

Durante boa parte do tempo, a Dona Morte parece pegar leve com o núcleo de personagens principal. Jonas Taylor, o herói interpretado por Statham, sua filha Meiying e seu cunhado Jiuming Zhang enfrentarão as criaturas marinhas, os criminosos e as traições internas no grupo. Meiying é uma jovem de 14 anos clandestinamente embarcada na  expedição, aumentando a sensação de urgência. Já o arrojado explorador Zhang, tio da menina, acredita ser possível “domesticar” os megatuberaões. Ele corre tantos riscos quanto Taylor. Durante os primeiros sessenta minutos, o filme segue essa toada colocando dilemas e riscos para os personagens. Na outra metade, porém, quando já estão na superfície o trilher levemente inspirado na ficção científica cede lugar à comédia de ação.

Planos abertos, micronarrativas com efeito cômico, fotografia limpa e bem iluminada destoam do primeiro arco, no qual a tensão estava presente. A própria necessidade de autossacrifício, inicialmente uma possibilidade, torna-se motiva de joça e piada entre os personagens. A segunda metade peca por introduzir desafios simultâneos, reduzindo a importância dos tubarões na trama. Ao emergirem à superfície eles arrastam consigo toda uma fauna aquática, incluindo um polvo gigante e alguns monstros que remetem às criaturas de Jurassic Park. Porém toda a tensão do arco anterior já está perdida.

Essa mudança no foco narrativo pode ser percebida, por exemplo, nas imagens idílias do resort para onde os monstros estão a se deslocar. As cenas das pessoas nadando, tomando drinks ou se apaixonando tem o efeito de preparar o espectador pela carnificina que se seguirá. Mas o efeito não é o de suspense e sim o de comicidade. De fato, como comédia de ação o filme funciona bem, mas para isso ele precisa deixar o drama e a tensão no fundo do mar.

A contraposição entre os defensores e os saqueadores da natureza mostra-se pífia, é um ponto do roteiro que só é citado sem qualquer desenvolvimento. Os exploradores mostram-se interessados em proteger a natureza, mas ao mesmo tempo mantém um megatubarão em cativeiro. E não fica claro porque a mineração naquela região seria ilegal, possivelmente por causa dos megas, mas isso é abordado de forma superficial. Esse parece ser o principal problema do filme: um excesso de temáticas e elementos, todos abordados de forma superficial. Isso resulta em sequências de ações dinâmicas, mas com pouco foco no que é relevante. Com os atos finais tal problema é intensificado. Os tubarões, sempre citados como as ameaças, ocupam um lugar pequeno, embora não desprezível, nos eventos.

O destaque reduzido dado aos tubarões vai de encontro às atuais produções de monstros. Filmes da já citada franquia Jurassic Park e de outros como Godzilla e King Kong, além do próprio subgênero dos megatubarões assassinos, sugerem que essa temática está em alta. No filme, os tubarões são o perigo de fundo, um background sem a consistência necessária para ocupar o plano principal. Com dificuldade em eleger “o inimigo” a narrativa alterna entre vários antagonistas até lembrar-se dos tubarões, mas nesse ponto tudo está fatalmente reduzido a um filme genérico de ação.

O filme é capaz de fornecer um momento pipoca para os apreciadores de filmes de monstros, mas está aquém de outras produções, inclusive com uma produção e um estrelato inferiores.

Cotação: ☕☕

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O Fantasma de Mora Tau/Zombies of Mora Tau

O Fantasma de Mora TauZombies of Mora Tau. De Edward L. Cahn, 1957.

O filme se passa na África e enfoca o esforço de uma equipe de exploradores em recuperar um antigo tesouro subaquático guardado por zumbis. É um filme de horror comercial lançado pela Columbia Pictures com temática e estrutura de um “Filme B” dos anos 50. O Fantasma de Moura Tau é econômico na apresentação dos personagens e da trama. Ao retornar para a casa da avó, Jan tem notícias da incursão dos zumbis na região. Ao longo da trama envolve-se com os mergulhadores e se apaixona por um deles.

O Fantasma de Mora Tau nos ajuda a compreender como a figura do zumbi modificou-se ao longo dos anos. Até A Noite dos Mortos-Vivos de George Romero (1968) parece ter existido uma polissemia de significados acerca de tais criaturas. A forma de representar os zumbis em Mora Tau aproxima-se do “terror de catacumbas” revelando a influência das histórias e vampiro. Antes dos filmes de Romero, os zumbis eram pensados como ghouls, entidades espirituais ligadas a um corpo. Há diálogo com as narrativas de fantasmas e, em diferentes momentos, os personagens precisam entrar em um mausoléu a fim de salvar vítimas (mulheres) dos mortos-vivos. Embora os monstros tenham uma dimensão corpórea, eles também se comportam como fantasmas.

O enredo busca transpor o espectador para uma região desconhecida e misteriosa. No entanto, a cultura africana não é abordada. Há referências despropositadas ao vodu que, diga-se de passagem, não consiste em uma prática africana, mas caribenha. O argumento de uma enseada na “África exótica” é o argumento inicial da história revelando um olhar colonialista ao representar o “Velho Mundo” como uma região na qual coisas absurdas e inexplicáveis acontecem. A narrativa segue o ponto de vista dos colonizadores brancos sem contatos ou menções aos povos nativos. É uma África sem africanos e com a memória apenas dos expedicionários que por ali passaram em busca dos diamantes.

O núcleo dos personagens divide-se entre os moradores locais, a Senhora Peters e sua neta Jan e os exploradores, com destaque para o capitão Harrison, sua esposa Mona e Jeff, o mergulhador responsável por retirar as joias o mar. Os antagonistas são os antigos marinheiros perecidos nos intentos anteriores, como assombrações mostram-se implacáveis. Possuem, de fato, semelhanças com os mortos-vivos de White Zombie (1932). Não são seres maus, mas não podem ter o descanso enquanto a maldição não for quebrada.

A construção da narrativa é trivial, como uma ghost story as situações são previsíveis. O desfecho para a personagem Mona, por exemplo, era esperado, afinal, uma mulher de moral ambígua nos anos cinquenta não poderia ir muito longe. Ela compete com Jan pela atenção do mergulhador chegando a beijá-lo na frente de seu marido. Em um outro polo, representando a conduta da esposa ideal, está a viúva Senhora Peters. Desejosa de libertar o marido da malidção zumbi, ela é a única com clareza da situação.

A relação com os cenários é esquemática. Os acontecimentos desenrolam-se na casa da Senhora Peters, na floresta ou no barco. As cenas dentro do oceano (cenários) não são amadoras, mas exalam o terror comercial do estúdio Colúmbia Pictures. O cenário revela um olhar sobre a alteridade, ou seja, como o outro é visto na perspectiva do ocidental. No caso, o outro é a própria África, afinal das contas, onde estaria esse lugarzinho chamado Mora Tau? O que temos aí não é o umbral entre a vida e a morte, mas o eterno retorno à região do ignoto.

O ignoto pode ser entendido como a terra distante e misteriosa. Há inclusive um tipo de romantização identificada na fala de Jan ao perceber que as estradas locais continuam abandonadas. Parece ser um lugar parado do tempo em conexão com forças antigas. O fracasso dos europeus revela um ambiente inóspito ao homem branco e, mesmo assim, há o fascínio por um região longínqua, onde a sexualidade reprimida das personagens femininas encontra algum tipo de vasão.

Mesmo para um cinema de entretenimento de curto fôlego, a mise-en-scène deixa muito a desejar: há o barco naufragado, o cemitério dos colonos europeus e só. As selvas são bem comportadas, não há animais por lá. Ora vejam, um filme na África sem leões! Tudo é muito superficial, e talvez o maior atrativo seja o próprio título chamativo. Mora Tau desperta a curiosidade, a habitação do diferente, ambiente desconhecido e inexplorado e, por isso, desejado.

Essess zumbis são o típico monstro dos anos cinquenta na forma de assombrações cobertas de algas marinhas avistadas nas estruturas tumulares, na praia ou debaixo d’água. Apesar das limitações da produção, o esforço de compreensão crítica do filme ajuda a entender as distintas representações dos mortos-vivos no cinema. Nos filmes, por vezes são representados como criaturas cadavéricas em decomposição e interessadas em alimentarem-se dos vivos, mas também podem ser vistas como almas penadas. De qualquer forma são eficazes para revelar os desejos reprimidos externados somente em um mundo distante da civilização.

Cotação: ☕☕

Filme assistido em 23 de dezembro de 2024.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

O homem do Oeste/Man of the West

O homem do Oeste. Man of the West. De Anthony Mann, 1958.

O fim do ciclo do Western é complexo, relacionando-se às mudanças de época e à forma de conceber as narrativas cinematográficas. A passagem dos anos cinquenta para os sessenta significou a revisão de paradigmas até então dominantes. Ao mesmo tempo, a linguagem cinematográfica passou a questionar suas abordagens, adicionando novas camadas de conflito e subjetividade nos personagens.

Esse é o caso de O homem do Oeste, um dos últimos filmes de Gary Cooper acerca dos dilemas de um ex-criminoso, Link Jones, acidentalmente envolvido com o antigo bando devido a um malsucedido assalto a um trem. Mesmo abandonando sua vida de crime, Link vê-se confrontado pelos outrora parceiros, agora interessados em seu retorno ao grupo. Esquecido na linha do trem com uma cantora e um jogador de cartas durante o assalto, Jones precisa fingir seu retorno ao crime para naõ ser morto. O líder dos bandidos é seu tio cruel, violento e com sinais de demência.

Observa-se na narrativa vários símbolos de decadência: os bandidos são degradados morais; o personagem de Cooper enfrenta a corrupção de precisar recorrer à violência. Há uma tensão profunda no personagem, apesar do seu distanciamento da vida criminosa ele não está livre do passado. No western, muitos os mocinhos são potencialmente bandidos e há até aqueles que sofrem com isso.

Jones precisa defender a cantora Billie Ellis de ser violentada pelo grupo, mas desarmado fica à mercê dos. Há mesmo um componente de terror e suspense quando ele e os outros dois prisioneiros são confrontados pelo tio, o velho Dock Tobin. A fragilidade do personagem mostra-se essencial para a construção de um clima de desespero.  A ausência do revólver no coldre é o sinal da castração.

As cenas com enquadramentos fechados e baixa iluminação conduzem o homem adulto ao tempo em que era um agregado do bando sob a dominação do tio. Esse arco de impotência vai permanecer até sua vitória na briga com um dos integrantes devolvendo sua viralidade. De dia e em um ângulo aberto, o filme abandona o aspecto mais sombrio ao afiançar a capacidade de justiceiro de Link Jones.

Porém o quadro de incerteza não está superado, pois o grupelho de decadentes celibatários atiçados pela presença da cantora é o resquício do Oeste selvagem. Perigo e decadência andam lado a lado, conforme se verá no projeto de furtar o banco de uma cidade mineradora. Os bandidos, no entanto, descobrem que a localidade foi abandonada e se tornou um vilarejo fantasma. Nesse ambiente de profunda decadência, casebres malcuidados, carroças abandonadas, terra árida, Jones poderá acertar as contas com os antigos comparsas em seu novo papel da justiceiro.

O tio permanece no acampamento, isolado com a prisioneira, ampliando o clima de ameaça e decadência. Provavelmente violentada pelo velho, o herói recebe, assim, a “permissão” para matar o próprio tio. Um entrelaçamento de situações beirando aos desfechos trágicos, impedidos somente pela capacidade do protagonista fazer apenas a escolha pelo caminho correto.

O aspecto sombrio do filme antecipa as ambiguidades do western tardio. Os próprios criminosos recebem uma parcela de humanização e é com relutância que o herói os elimina. Jones precisa recuperar sua potência, isto é, sua ação. O seu acesso à jovem como parceira romântica está fechado por ele ser casado e com filhos. A violência serve como válvula de escape das tensões e parece ser a única forma de afeto em uma família criminosa. Este é o Oeste que precisa ser esquecido.

Um Gary Cooper envelhecido vai tirar de dentro de si a energia necessária para transformar-se, mais uma vez, em herói, devolvendo Billie ao mundo da lei e da ordem. Ambos partem do Oeste sentido o vazio, pois a experiência foi profunda e não há muito a se esperar do fim da jornada. Afinal Jones ainda pode ser imputado como criminoso e a jovem sabe que ao seu lado está o último dos heróis.

Cotação: ☕☕☕☕

domingo, 22 de dezembro de 2024

O baile na casa Anjo/Anjo no Yakata

O baile na casa Anjo. Anjo no Yakata. De Kozaburo Yoshimura, 1947.

Há o pecado de didatismo no filme, pois ele aborda temáticas candentes de uma maneira muito evidente e elementar. A família Anjo, nobres japoneses bastante europeizados, precisa lidar com a sua derrocada após o término da Segunda Guerra. Presos nos valores tradicionais, eles lamentam o novo mundo burguês que se anuncia.

A família Anjo, ciente de que vai perder a casa para um credor, um homem de negócios ressentido contra a nobreza, decide fazer um baile de despedida. No decorrer do festejo os não-ditos são explicitados, evidenciando a necessidade da nobreza abrir mão de seus valores aristocráticos para a autossobrevivência. Nesse contexto dois personagens merecem destaque: Tadahiko Anjo, o conde e patriarca relutante em fazer concessões, e Atsuko Anjo, a habilidosa e diplomática filha. O filme passa-se na casa do manso senhorial acompanhando os dramas familiares tais como o orgulho excessivo e os casos de amor com os empregados.

O filme é um importante registro das transformações socias vivenciadas pelo Japão. O diretor Kozaburo Yoshimura é conhecido por arcos dramáticos e comportamentais. Mas as metáforas em O baile na casa Anjo são muito óbvias. A armadura do samurai caída ao chão, as pérolas largadas sobre a praia e a etiqueta deslocada da aristocracia mimetizam os conflitos profundos enfrentados por aquele país tão orgulhoso, mas derrotado por uma jovem nação capitalista. Assim, o jovem chofer Kurakichi Toyama, capaz de comprar a mansão dos Anjo com o dinheiro fruto do seu trabalho, representa os próprios Estados Unidos da América.

A própria espacialidade da casa carrega várias camadas de tensão: o salão principal com sua decoração europeia, o quarto do filho do conde, como um lugar de conquistas amorosas, afora os espaços anexos, como a área dos empregados. A execução do baile é o momento no qual os conflitos até então latentes tomam o primeiro plano. Tensionando, inclusive, os personagens coadjuvantes, tanto aqueles que abraçam quanto os que se opõem às mudanças em curso.

Com alusões pouco sutis, mas em um período de desenvolvimento da linguagem cinematográfica, Anjo no Yakata consiste em uma porta de entrada para compreender o cinema nipônico.

Cotação: ☕☕☕☕

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Não fale o mal/Speak no Evil

Não fale o mal (Speak no Evil), 2022. De Christian Tafdrup.

Filme que aborda de forma brutal os convencionalismos do mundo moderno em meio a um processo de corrosão civilizacional. É possível considerarmos as contradições de uma Europa que teme a perda de seus pilares éticos e políticos por meio do brutalismo contemporâneo. No entanto, foram os países europeus que guiaram o mundo a uma destruição cultural em escala global, frisa-se bem.

Longe de tecer qualquer discurso de culpabilização é necessário apontar na narrativa a gestação de um senso de perigo para o ethos europeu. A história de uma família dinamarquesa “aprisionada” pelas regras de educação a permanecer na casa de uma outra família, esta holandesa, enquanto os indícios parecem sugerir a necessidade de ir embora imediatamente do luar. As boas maneiras perante os bárbaros, compreende-se, é arriscada!

Na versão americana de O homem que odiava mulheres (2011) havia uma reflexão sobre o risco de colocar o senso de civilidade acima da autopreservação, algo também visto em Jogos de violência, tanto na versão austríaca original (1997) quanto na americana (2007). Em Não fale o mal essa situação é ampliada em uma trama-metáfora acerca da violência contemporânea.

O filme também aciona o nosso senso de fobia social ao mostrar a excessiva tolerância e passividade para com desconhecidos. Abrir-se demais pode ser arriscado. Isso é explicitado no trágico desfecho, quando um subtexto referente ao multiculturalismo emerge e é escancarado no primeiro plano. Há um personagem secundário de nome Muhajid que fantasmagoriza o islã como algo que já está do “lado de dentro”. A narrativa também incorpora elementos sobre mutilação e silenciamento dos mais frágeis podendo ser interpretado como uma crítica à boa vontade para com a alteridade – leia-se o fundamentalismo islâmico.

Mostrando a impotência do bom senso, da razão e da educação perante a loucura e a maldade o filme atira o espectador ao senso do vazio. Há um mundo pedregoso, arenoso, estéril disposto a extinguir a vida e a drenar a beleza da civilização. Os europeus parecem temer os bárbaros do Terceiro Mundo.

Nós deveríamos, em nosso turno, recear o próprio monstro fascista que eles trazem dentro de si. E escrevo isso porque é preciso falar o nome do mal.

Cotação: ☕☕☕

sábado, 23 de novembro de 2024

Cuckoo

Cuckoo, 2024. Alemanha, Estados Unidos. De Tilman Singer

Filme de terror com ênfase no senso de incapacitação e sofrimento corporais ambientado em um resort alemão, com alguns sustos eficazes, mas sem a capacidade real de aterrorizar. Uma moça em luto pela morte da mãe vai morar com o pai, a madrasta e a meia-irmã trabalhando para um filantropo bem intencionado, um tipo de Georges Soros.

A jovem rebelde, chamada Gretchen, desconfia de coisas estranhas no hotel e na cidade: vultos, ruídos e náuseas frequentes nas hóspedes. Perseguida por uma estranha criatura, Gretchen não recebe ajuda da polícia local, com exceção de um ambíguo investigador. Além disso, o empregador do seu pai demonstra um comportamento estranho e invasivo. Descobrir o que se passa no lugar é o meio de salvar não só a si mesma como a própria irmã.

A narrativa parte de uma série de premissas absurdas envolvendo determinadas entidades (não dá para falar muito sem revelar a trama), modificações na percepção da realidade e uma série de provações físicas. A relação de Gretchen com o pai é tensa, pois ela sente-se relegada pela devoção paterna à nova família. O subtexto de “fraternidade feminina” mostra-se essencial para caracetrizar os personagens masculinos como assustadores e desnecessários. A maturação da protagonista dá-se na reavaliação de sua relação com a irmã e com a figura feminina de um modo geral.

A ambiência do filme lembra, em vários aspectos, “A cura” (2016) marcando uma interface com o plot “cientistas loucos obcecados”; dessa vez a tematização é ecológica e não eugênica. Outra semelhança temática (não pensem muito ou poderão desvendar a charada) encontra-se no filme “Vivarium” (2019) em que também há menções aos incomuns hábitos dos cucos.

Sua sútil crítica ao ecologismo radical sugere os bem intencionados defensores da fauna e flora como darwinistas inclementes com os próprios seres humanos. Aliás, o filme mostra-se eficaz por apresentar um cenário natural deslubramente incapaz de despertar qualquer reação na jovem fragilizada por seus conflitos familiares.

Sem recorrer, diretamente, ao sobrenatural, o filme carece de uma maior razoabilidade em sua argumentação interna. Nas situações clímax há muitos pontos de desencaixe e desdobramentos desconexos. A tese sustentada assinala a demanda masculina de redução da mulher ao papel de mãe. Uma forma de escapar dessa “invasão de propósito” seria por meio de vínculos horizontais estabelecidos entre as fêmeas.

Mulheres e passarinhas, uni-vas!

Cotação: ☕☕☕

sábado, 16 de novembro de 2024

Hellraiser: Judgment

Hellraiser: Judgment (2018). De Gary J. Tunnicliffe

SinopseO filme acompanha três detetives no encalço de assassino em série. No decorrer da investigação eles entram em contato com os Cenobitas. A ênfase do filme recai sobre os processos de julgamento no inferno.

O filme sustenta-se em uma única ideia interessante: como seria um julgamento dentro do inferno? Para responder tal questão, a narrativa esforça-se em delinear a “burocracia” e os procedimentos adotados pelos cenobitas. Porém, para além desse argumento sumário, restam atuações frágeis, cenários escuros e mal delineados, roteiro preguiçoso e uma incapacidade de criar um horror descente.

Valendo-se de todos os clichês possíveis, o filme exala fragilidade com o núcleo de personagens principais; são três detetives em uma dinâmica não muito saudável. Nutrindo suspeitas uns pelos outros, a incomunicabilidade entre eles dificulta, ainda mais, o processo de investigação de um criminoso conhecido como o “Preceptor”.

Com uma fotografia televisiva e uma produção econômica o filme acaba por enfocar os problemas do policial Sean Carter: veterano de uma das tantas guerras norte-americanas (aparentemente com procuração divina e demoníaca para matar muçulmanos). A frase dita por um dos cenobitas “Você estava defendendo seu país” coloca uma nova cláusula nos Dez Mandamentos, “Não matarás, salvo se for do interesse dos norte-americanos”.

Carter consegue vislumbrar o mundo dos cenobitas e parece disposto a ir atrás de tais criaturas, priorizando tal propósito à captura do próprio “Preceptor”, algo revelado e explicado no arco final. Por isso mesmo, as reviravoltas da trama só podem ser assimiladas por alguém que tenha enfiado um prego no cérebro, caso contrário não fazem nenhum sentido.

Valendo-se dos aspectos visuais sombrios para manter o interesse do espectador, o filme não tem muito a entregar. Personagens pouco carismáticos, antagonistas difusos e pouca integração com a mitologia de Hellraiser. Sabemos que a franquia tem potencial, mas ela está macetada pela excessiva quantidade de filmes ruins. Em certa medida, assistir Hellraiser: Judgment é também uma forma de pagar tributo ao Pinehead...

Assistido em 16/11/2024.

Cotação:

domingo, 10 de novembro de 2024

Trap/Armadilha

Armadilha (Trap), 2024. De M. Night Shyamalan

Os vários plots twists fazem desse filme um exercício de paciência. Apreciá-lo é colocar de lado o bom senso. E para que possamos acompanhar as tentativas de captura de um perigoso e astuto sociopata teremos que fazer vistas grossas a uma série de fragilidades de um roteiro irregular.

Armadilha foca nas peripécias de Cooper Adams em esconder a sua identidade de serial killer (o Açougueiro) durante um show no qual ele assiste com sua filha. O filme é bem sucedido na criação de um vilão apto a integrar outros universos ficcionais maniqueístas de Shyamalan. Com duas vidas em paralelo, Cooper é tanto um bom pai quanto um assassino impecável. Ele foi ao show de Lady Raven para agradar a filha adolescente, mas percebe uma movimentação atípica de policiais. Sem maiores embaraços descobre, como objetivo de tudo isso, a sua própria prisão. Embora os investigadores não saibam a real identidade de Açougueiro desconfiam que ele estará no local a partir de indícios obtidos anteriormente.

Há uma construção adequada do espaço no qual desenvolve-se a trama. O estádio é o lugar da emboscada, mas o filme não se atém a tal cenário e recorre a outros ambientes como o interior de uma limusine e a própria casa do assassino. Entretanto, quando a cenas se afastam do estádio, há uma perda de impacto dramático.

A vontade de surpreender a audiência de forma constante cria inconveniências, precisando de premissas cada vez mais inesperadas e, infelizmente, absurdas. Tomar Cooper como uma pessoa inteligentíssima é aceitável, mas as autoridades em seu entorno padecem de uma falta de nteligência. Funcionários e até policiais dão dicas fundamentais para que Adams elabore suas rotas de fuga. Todo o destacamento policial é liderado por uma velhinha caquética (ai ai cultura woke) especializada no Açougueiro, mas com dificuldades de pegá-lo quando ele passa por debaixo do nariz dela.

Outras heroínas improváveis são a cantora Lady Raven (a propósito, filha do Shyamalan) e a esposa de Cooper. Raven ganha uma projeção desnecessária ao longo da narrativa e é utilizada como um enxerto. Sua participação é um “minifilme” dentro do arco principal. Só o amor paterno justificaria tamanho pedestal à canastrice...

Contando com uma estilização detalhista e uma direção madura Shyamalan faz um bom bolo a partir de ingredientes ruins. As reviravoltas na trama entregam seu “DNA” fílmico. No fim das contas tudo só se torna palatável se tomarmos o “Açougueiro” não como um típico psicopata do cinema, mas sim como o próprio mágico Houdini.

Porque fazendo o que ele faz, só com capa de invisibilidade. Senhoras e senhores eis o Mister Night Shyamalan 2024.

Assistido em 10/11/2024.

Cotação: ☕☕

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Dressed to kill/Vestida para matar

Vestida para matar (Dressed to kill), 1980. De Brian de Palma

Com uma apropriação muito pessoal de Psicose, Brian de Palma brinca em ser Hitchcock. A história do assassinato de uma mulher de alta classe permite a reelaboração do suspense em suas linhas clássicas, porém com os recursos narrativos do cinema erótico e da produção televisiva.

Vestida para matar segue, de fato, as trilhas de Psicose. Há, inicialmente, a desconstrução do protagonismo: quem pensamos ser a personagem principal morre no primeiro arco. Além disso, o psiquiatra (interpretado por Michael Caine) carrega em si uma dualidade similar ao do personagem Norman Bates, o contraponto mais evidente é entre o médico e o monstro. O assassinato de Kate Miller (paciente do médico) resulta de uma pulsão sexual não resolvida sugerindo a morbidez do voyerismo, isto é, no trabalho de escuta da paciente, o médico depara-se com um desejo inconciliável com suas questões profundas.

[A cidade é uma fonte de sedução, mas a morte ronda].

A personagem Liz Blake precisa provar a inocência: estar no lugar errado na hora errada é, também, um tema hitchcockiano. Acusada de assassinato, Liz procura pistas e para isso necessita da boa vontade do psiquiatra. Ao longo da trama nos deparamos mais de uma vez com o tema do duplo, pois o Dr. Robert Elliott é tanto o médico quanto o transsexual inconformado com seu lado masculino dominante. Essa duplicidade empalidece diante do eremitério de Norman Bates, mas retrabalha adequadamente a noção de uma personalidade dividida em duas. A tensão entre culpa e desejo gera violência.

Brian de Palma revela-se bem sucedido ao arrastar o tema da transexualidade para o ambiente urbano, conferindo à cidade os atributos de acaso e de risco iminente. Na multidão anônima, qualquer pessoa pode ser perigosa, mas a concretização dessa experiência e a constatação de sua inevitabilidade acrescentam uma camada de reflexão adicional que não havia em Psicose.

Cotação: ☕☕

sábado, 5 de outubro de 2024

A Haunting We Will Go

📺 História da animação

A Haunting We Will Go, 1939. De Burt Gillet. 7 minutos

A primeira vez que assisti essa animação foi em um DVD com vários episódios do Walter Lantz. Fiquei surpreso com os estereótipos raciais e escrevi minha primeira resenha sobre o assunto. Tentei buscar maiores informações, mas não consegui. Em meados dos anos 2000 não havia tanta informação, livros sobre a história dos desenhos animados eram pouco acessível.

Recentemente revi essa animação reiterando as minhas impressões sobre a historieta de um garoto negro sulista careca chamado de Lil’ Eightball. Ele alega não ter medo de fantasmas e acaba arrastado para um velho moinho, no qual uma horda de assombrações perseguem-no até quebrar sua resistência e deixá-lo amedrontado.

[O garoto negro x os lençois brancos. Tudo inofensivo. Confia.]

Eightball tem uma aparência peculiar, veste um tipo de camisola sem nada por baixo, ele é um sulista pobre vivendo em uma casa rural. Tem jeito de sabichão e gosta de bancar o esperto. Expressão do imaginário coletivo, o personagem evoca a visão negativa sobre os afro-americanos, sua primeira aparição na animação é com um fade-in, no qual ele sai da escuridão abrindo seus olhos. A cor da sua pele mescla-se, em um primeiro momento, à escuridão do ambiente.

Mas há, também, a denúncia quanto à perseguição e ao barbarismo impetrado contra os que na época eram chamados de “pessoas de cor”. Uma de suas frases – que pode variar a depender da tradução – é: “Não tenho medo de lençóis velhos”. Tal sentença constitui uma alusão (inconsciente) ao movimento Klu Klux Klan, pois os fantasmas agem como uma turba motivada em aterrorizar e expulsar o garoto do velho moinho. Os integrantes do movimento extremista vestem-se com roupas e capuzes brancos, nesse sentido a associação com fantasmas decorre com naturalidade. A própria paisagem da animação remete ao cenário das cidades racistas sulistas.

Na The encyclopedia of animated cartoons (LENBURG, 1999, p.89) encontramos a seguinte referência sobre personagem:

Lil’ Eightball

Former Disney protégé Burt Gillett was responsible for creating this stereotyped black youngster who, after a brifef opportunity at movie stardom, resurfaced in Walter Lantz comic books of the 1940s. Directed by Burg Gillet. Black-and-white. Voice credits unknown. A Waler Lantz Production released through Universal Pictures.

1939: “Stubborn Mule (July 3); and “Silly Superstition” (Aug. 28).

Curiosamente, o fragmento acima suprime a menção ao episódio colorizado A Haunting We Will Go (Sep. 4, 1939). De qualquer forma, não obstante os aspectos controversos do personagem a animação tem interesse diegético devido as suas ambivalências. Detém uma paleta de cores em tons esmaecidos e uma construção narrativa com aspectos surrealistas. A ontologia da imagem construída em tal animação comporta um incômodo e uma possibilidade de maravilhamento. Por fim, o tom infantil não elimina de todo o aspecto de terror da narrativa.

Cotação: ☕☕

Referências

LENBURG, Jeff. The encyclopedia of animated cartoons. 2. Ed. New York: Facts on File, 1999.

domingo, 22 de setembro de 2024

1BR - O apartamento

1BR – O apartamento (1BR), 2019. De David Marmor

Um filme simples, redondinho, um suspense de baixo orçamento relativamente livre dos clichês mais grosseiros. Trabalhando a noção de camadas em uma grande cidade, a narrativa segue os encalços de Sarah em sua nova vida na cidade de Los Angeles. Ao locar um apartamento, Sarah passa a fazer parte de uma comunidade interessada em fomentar os laços pessoais. No entanto, a comunidade funciona como um tipo de seita cujo intuito é ter um controle cada vez maior sobre seus integrantes.

A proposta de uma subcultura (uma comunidade) contraposta à indiferença da sociedade urbana consiste em um ponto interessante, pois o esforço em criar um senso de vicinalidade é, em si, assustador. Além disso, as relações entre os moradores parecem sugerir como o atual individualismo almeja e repele a socialização do tipo interiorano.

Mesmo parecendo interessada em se integrar ao grupo, é a ameaça de violência que convence Sarah a permanecer nos limites da comunidade. A história carece, no entanto, de maior contexto para a construção do universo fílimico, por exemplo: como eles se sustentavam? Quais os mecanismos efetivos para evitar a deserção e como passavam o tempo nos limites daquele conjunto condominial? Meio tedioso não?

O filme lembra Vivariun de Lorcan Finnegan, também de 2019: a oferta de locação de imóvel como uma armadilha e a existência de um microcosmos sufocante e aterrorizador são pontos comuns. Mas 1BR é bem menos radical aproximando-se mais de um Wild Wild Country (2018), ou seja, insatisfeitos com a vida moderna buscando alternativas ainda piores.

O desfecho em aberto, mas sem picaretagem, reforça as dificuldades de escapar das redes tecidas pelos terraplanistas de plantão. De fato, permanece atual a questão da impotência da racionalidade diante dos fluxos de surto coletivo. A autopreservação torna-se ineficaz perante a manipulação das redes, o olhar panóptico e o desejo de pertencimento.

Assim, ao fim e ao cabo a seita atesta vocações autoritárias latentes, mas emasculadas, sem músculos adequados para a realização totalitária. Seus mecanismos são suficientes para transformar ovelhas desgarradas em cobaias de um viveiro chinfrim. Eis um filme de baixo orçamento que, involuntariamente, consegue um certo nível de precisão sociológica.

Cotação: ☕☕

domingo, 15 de setembro de 2024

Teenage Mutant Ninja Turtles/Tartarugas Ninjas

📺 História da animação
Tartarugas Ninjas: Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem), 2023. De Jeff Rowe

Animação engraçadinha dando uma roupagem nova e orgânica ao desenho animado que fez sucesso em começos dos anos 90 – por sua vez uma adaptação em tons mais infantilizados dos quadrinhos.

Tartarugas, rato, insetos, rinoceronte e javali contaminados por um composto radioativo tornam-se humanoides. Historieta que já assistimos várias vezes nos diversos reboots e versões da franquia. Mas Caos Mutante merece o destaque pela animação estilizada em cores fortes e vibrantes, inspirando-se em um estilo urbano. As paletas do grafite reconstroem uma Nova York vívida e frenética, cidade agitada e até repulsvia em alguns aspectos, mas de bem consigo mesma.

As adolescentes tartaruguinhas estão lá, como sempre, buscando pedaços de pizzas, autocompreensão e diversão descompromissada. Dessa vez wi-fi conected onde o mundo pode ser conhecido sem sair do lugar. No entanto, mais do que nunca elas são representadas como frágeis e inseguras; smartphone em demasia dá nisso, certo? A tecnologia gera solidão e as tartarugas estão mais sós do que nunca. Não são os heróis cartunescos e sim jovens mutantes complexados com a intolerância do humanos - uma interessante alegoria da pertinência das minorias nos discursos contemporâneos.

Com uma habilidade acima da média para metaforizar os problemas e os interesses da atual juventude, Caos Mutante nos entrega uns quelônios preocupados com a representatividade da causa em um subtexto repleto de referências à cultura Lgbtxyz. Os heróis em formação também precisam dividir espaço de tela com a jornalista April, caracterizada nessa versão como uma patinha feia. Sim, agora as protagonistas precisam ser inseguras e esteticamente destituídas de qualquer traço do belo. Por isso, April virou uma adolescente gordinha tribufu que vomita diante das telas, mas com muita atitude para salvar o dia mutante.

Compensa essa cantilena uma animação boa o suficiente para representar a vida urbana como o palco dos grandes acontecimentos. Os atos de heroísmo aos quais as tartarugas performam no arco final vão ao encontro da mítica da cidade de Nova York na história do cinema. Além disso, a relação desenvolvida entre as tartarugas e os novaiorquinos lembra a franquia do Homem-Aranha produzida por Sam Raimi: cidade e heróis acabam tendo que dar as mãos!

Bastante inofensivo para o filme merecer maiores considerações, temos uma narrativa voltada ao público infanto-juvenil entregando muita estética e pouca história. Mas tudo na medida certa, não compensa o bilhete do cinema, mas enfim, estamos em tempos de ver streaming na tela do celular.

E ainda nos perguntamos porque as tartaruguinhas estão deprimidas...

Cotação: ☕☕

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Girl Walks Home Alone at Night/Garota sombria


Garota sombria que anda a noite (A Girl Walks Home Alone at Night), 2014. De Ana Lily Amirpour

Bad City é uma cidade de cenários pós-industriais vazios, praticamente mortos-vivos. Os galpões, as máquinas e as luzes tremeluzentes destacam a solidão e a perda dos laços sociais. Os poucos transeuntes são seres solitários: velhos, prostitutas e cafetões. Embora haja indústrias por todos os lugares não se vê trabalhadores, as máquinas são os seres híbridos em movimento, assim como os vampiros.

Uma moça vampira percorre as ruas atacando homens e protegendo mulheres. Ela atua como compensação à hipocrisia da sociedade iraniana. Seu caminho se cruza com o de Arash, um jovem traficante também defrontado pela aridez de Bad City. Ambos estabelecem uma ligação fortalecida pelos pontos em comuns: vampira e traficante sentem-se pessoas ruins, piores do que gostariam de ser.

O filme enfatiza a influência da cultura norte-americana como uma arma contra à opressão, desse modo a garota vampira escuta rock e dança ao som do rockabilly em seu quarto. Fragiliza o filme justamente a intenção pedagógica de construir sujeitos contestadores por meio do olhar ocidental. A alegoria tangencia em alguns momentos a picaretagem, pois todos os componentes da tessitura fílmica precisam falar algo. O hamburguer, o skate e as festas vão organizando as coisas de modo a compor um discurso politicamente alinhado à condenação do Irã.

Assim, alguns bairros de Bad City lembram regiões ricas de Teerã conhecidas por seus jovens mimados apreciadores de rock e hamburguers. Ironicamente a locação desse cenário destituído de vida ocorreu nos Estados Unidos. Em 2016, o filme The Transfiguration de Michael O’Shea retomaria algumas das temáticas de Garota Sombria ao trazer a figura do vampiro proletário. A relação entre vampirismo, marginalidade e misantropia faz-se presente nos dois contextos fílmicos.

A fotografia em preto e branco, as panorâmicas e a estilização constroem um clima noir com doses bem distribuídas de tristeza e desesperança - há também tentativa de diálogo com o western, embora um tanto quanto deslocada. O desfecho do filme tem sabor agridoce e remete, talvez até involuntariamente, ao famoso final de Bonequinha de Luxo com um gato interpondo-se entre o casal. O resultante é a necessidade de autoaceitação e recomeço.

Garota sombria que anda a noite é um filme hábil em decodificar as contradições da sociedade iraniana, mas peca pelo excesso de pastiche; o filme poderia ter sido em inglês e não persa por exemplo. O viés feminista ocidental soa arrogante, em compensação dá o ritmo à narrativa inserindo uma discussão sobre o multiculturalismo, entendido como vampirismo, na sociedade contemporânea.

Cotação: ☕☕☕☕

domingo, 1 de setembro de 2024

Longlegs

Longlegs: Vínculo Mortal (Longlegs), 2024. De Oz Perkins

Long Legs = Pernas longas = Pernalonga? melhor se assim o fosse...

Aquele coelhinho era danado, não? Bem, o nome dele no original não é Longlegs, mas sim Bugs Bunny. Não há ligação, embora quando um caçador enfiava uma arma na toca do Pernalonga e puxava o gatilho a carga acertava, misteriosamente, os fundilhos do disparador. E vejam só, isso faz mais sentido do que toda a baboseirada de Longlegs, supostamente o filme mais assustador de 2024.

Estamos falando de um filme no qual a agente especial Dana Scully, digo a agente especial Lee Harker, com uma intuição acima da média (habilidades psíquicas ao estilo Frank Black, também personagem do Chris Charter) inicia uma investigação sobre o misterioso serial killer mesmo demonstrando sinais de instabilidade psicológica, depressão, síndrome do pânico, isolamento social etc. Mas seu consciencioso chefe decide apostar todas as fichas nos poderes mediúnicos (digo, intuição acima da média) da agente.

Polícia científica? Para quê? Nós acreditamos em ocus-pocus.

O assassino autonomeado como Longlegs, por sua vez, é uma figura tão convincente quanto um quadro maneirista do século XVI. Sim, meus caros, Nicholas Cage está overacting; eliminem as texturas, a boa vontade do público e o marketing e teremos apenas uma canastrice. E de pensar que no passado eu já critiquei o coringa de Heath Ledger...

Ao longo da investigação evidencia-se um elo obscuro entre Harker e o Longpernas, uma situação perceptível até para o nada perspicaz chefe da investigadora. Mesmo assim ele não se perturba com pequeníssimo detalhe, afinal Harker tem poderes intuitivos de decodificar instantâneamente cartas satanistas... coisa trivial que se aprende em um curso de verão.

O suspense policial cede lugar ao terror aumentado as fragilildades da narrativa; com a evocação da figura do diabo (não como psicopatia do sujeito, mas como entidade real) tudo fica fácil para os propósitos da trama... Afinal, uma vez delineado um componente sobrenatural para as ações do serial-killer (algo que apenas Lee Harker admite) torna-se apenas uma questão de tempo ver como os propósitos irão se realizar.

[Não adianta tentar me pegar velhinho, disse o Longlegs]

Os norte-americanos levam essa coisa de tinhoso a sério, pois quando ele entra por uma porta o bom senso sai pela janela. Assim, tudo se torna previsível, pois as tentativas de detê-lo irão apenas fortalece-lo. O demônio surge como a representação do mal absoluto e mesmo aqueles que deveriam pará-lo acabam, de um jeito ou de outro, servindo-lhe.

Desculpem-me se repito, mas vejam só: se o caçador enfiar um rifle na toca do Pernalonga e puxar o gatilho estará disparando em si próprio.

Tão óbvio, mas infelizmente quem está na perseguição do Longpernas NÃO sabe disso.

Cotação: ☕☕

Filme assistido em 25 de agosto de 2024.

sábado, 24 de agosto de 2024

Knightriders/Cavaleiros de Aço

Cavaleiros de Aço (Knightriders), 1981. De George Romero.

George Romero, conhecido por seus filmes de zumbis, nos entrega uma pérola em forma de um filme sobre um grupo de motoqueiros itinerantes que vivem segundo os códigos da cavalaria medieval. Uma apreciação positiva da contracultura aliada à denúncia da conspurcação provocada pela sociedade de massas.

Os motoqueiros precisam seguir Billy, o rei, até que este seja derrotado em uma peleja, mas essa não é uma tarefa fácil, porque além dele ser habilidoso existe o séquito de cavaleiros com a função de defende-lo. Os combates são organizados conforme as justas medievais, eles constroem armaduras e armas e tentam se derrubar para delírio do público provinciano.

Ao chegarem nas cidadezinhas americanas os cavaleiros se tornam a sensação local atraindo tanto entusiastas quanto opositores. Com uma arrecadação espontânea conseguem os recursos para continuar as suas atividades, ou seja, trata-se de um estilo de vida até certo ponto anticapitalista. Mas no interior do grupo dissensos aparecem, uma ala passa a questionar o idealismo do rei propondo uma abordagem mais comercial e com maior publicidade.

[Escapismo ou Idealismo?]

O estilo de filmagem de George Romero valoriza ângulos diferentes sobre as motos, optando por manter uma certa distância, reforçando a perspectiva do espectador com o contraste antigo-novo. O mundo moderno aparece ser um elemento intrusivo na história, pois os cavaleiros motociclistas optam por desafiar o consumismo. As comunidades visitadas pela trupe demonstram pobreza espiritual; caipiras conservadores presos à miséria cotidiana.

A banalidade da sociedade norte-americana destoa dos propósitos elevados do grupo, no entanto não há um consenso sobre o que significa ser um cavaleiro nos dias de hoje. Nesse sentido, o filme dialoga com o ultrarromantismo a partir do escapismo de Billy. Interpretado pelo jovem Ed Harris, o rei dos motoqueiros busca um tipo de transcendência ao qual os seus companheiros não conseguem atingir. Sua melancolia, no entanto, enfatiza a resolução do coletivo em ressignificar a vida moderna de forma alternativa.

A disposição ao sacrifício e ao martírio entregam um personagem depressivo, mas apaixonado por uma causa até certo ponto intangível. Nesse sentido parece ser uma despedida dos últimos lampejos da rebeldia não cooptada. A recusa radical em fazer qualquer tipo de concessão é o ponto de inflexão que coloca não só Billy, mas todo o grupo, em crise existencial.

Quase um filme-manifesto Romero parece mostrar, mais uma vez, a existência dos mortos-vivos. Agora não se trata de monstros decompostos e sim da mediocridade suburbana demarcada no excesso de álcool e fast-food, além da violência doméstica e da religiosidade opressiva. Compartilhando temas comuns com o famoso Easy Rider (1969), Knightriders também aposta nas motos como vetor de fuga dos insubmissos e contestadores rumo à autenticidade da vasta América.

Cotação: 

sábado, 17 de agosto de 2024

The Outlaw/O Proscrito

O Proscrito (The Outlaw), 1943. De Howard Hughes.

Dando continuidade a minha imersão no Western chego a esse “clássico maldito”. Uma história, diríamos hoje, de bromancers, tratando-se apenas da velha e genuína sociedade machista dos cowboys. A história se passa no Oeste bravio com as figuras históricas do xerife Pat Garret e dos foras da lei Doc Hollyday e Billy the Kid em uma perseguição um tanto quanto desconexa.

Doc e Billy integram um triângulo amoroso com Rio (interpretada por Jane Russell), embora o pivô da rivalidade entre eles seja a propriedade do cavalo Red. A valorização do animal em detrimento da bela moça (mencionada como uma “mestiça”) constitui-se em um dos elementos cômicos, pois não é ela a causa da contenda.

Trata-se de um universo no qual a sociabilidade masculina prevalece, mesmo com amizade e inimizade andando juntas. Cabe ao feminino a cozinha, o cuidado e o sexo. Rio revela uma das representações femininas recorrentes na história do cinema: bela, voluvél, imprevisível e insensat, capaz de declarar o amor verdadeiro momentos após a flagrante traição. O cavalo, por sua vez, é sempre leal gerando por isso disputas acirradas.

Rio, relegada várias vezes, vinga-se de seus amantes entregando-lhes ao xerife. Há excesso de reviravoltas que prejudica o desenvolvimento da narrativa. O aparecimento dos nativos Mescaleros, por exemplo, acontece somente para abrir o arco final, uma situação reputada como grave para ser descartada logo em seguida.

[O marketing do filme girou em torno dos atributos físicos de Jane russel].

As atuações e os diálogos são típicos desse cinema teatralizado onde não há intenção de naturalidade. Estamos falando da década de 1940 com dramatização trabalhada por meio de frases de efeito e tiradas inteligentes. Assim, o desempenho de Jane Russel é eficaz sobretudo pela contenção. O filme, no fim das contas, tem sua elegância nos enquadramentos e nas alocações dos cenários externos e internos. A câmera, também, mostra-se atenta para acompanhar os rápidos sacar de armas dos atiradores.

O foco da narrativa desloca-se da ação para os conflitos do grupo destacando mais os aspectos psicológicos do que o bang-bang convencional. A tensão (quase sexual, diriam os amigos da Queer Theory) entre Doc e Billy ancora o conjunto da obra. De fato, em verdade, em verdade, dá para ficar em dúvida se Doc e Billy querem se matar ou se beijar. Já Garret age como um marido traído, não perdoando Doc ter se voltado contra ele. O desfecho alimenta a lenda de Billy the Kid, mas diminui a dos outros dois, sobretudo Garret. O filme, afinal, é uma história de parcerias entre homens, armas e cavalos.

A fraternidade é masculina, mas o amor, puro e platônico, equino.

Cotação: 

Assistido em 16/08/2024.