quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Velozes e furiosos 2

Velozes e furiosos – desafio em Tókio (The Fast and the Furious: Tokyo Drift), 2006. EUA. De Justin Lin

Quando entrei na sala do cinema senti cheiro de pipoca, ouvi o barulho das latas de refrigerantes sendo abertas. A maior parte do público era casais de namorados; havia também grupinhos de amigos. Só eu não fazia parte daquele cenário. Procurei o assento mais distanciado e me preparei para as tolices de sempre.

Me surpreendi. Era bem pior do que eu pensava. Banal e ultrajante.

Uma moça propõe a dois competidores que o vencedor ficaria com ela; se coisificando de tão bom grado... Durante o racha: batidas, destruições e acidentes, mas parece que ninguém está preocupado com as conseqüências. Sean Boswell, o mocinho do filme – um jovem com menos de 18 anos –, ao capotar seu carro, sorri.

É esse o espírito do filme: inconseqüência perante tudo.

A própria narrativa é inconseqüente, pois em poucos minutos o garoto problema já está no Japão, estudando em uma escola japonesa, mesmo sem saber falar o idioma local. O garoto saiu dos E.U para evitar problemas, para isso foi morar com seu pai. Este pede que ele fique longe de carros e confusões. Na cena em seguida Sean Boswell já está atrás de um volante, flertando a namorada do bad boy local.

Corre-se. Assim é o filme, uma correria sem fim, carros e mulhres-objetos sendo exibidos. Uma musica dançante ao fundo e frases de efeito que não deveriam ser expressas nem nos para-choque dos caminhões.

Pasmem: o filme é anti-americano. Não há família no filme, apenas genitores relapsos, que não sabem cuidar dos seus rebentos. Não há comunidade, não há país, não há nada. Os carros correm, e isso é tudo. Nem o clássico conflito entre bem e mal está presente. Pois todas as personagens fazem parte do mesmo mundinho ridículo, você pode torcer pelo mocinho, mas sua causa não é melhor que a do “vilão”.

O desconforto que o filme me causou só não foi maior do que meu desprezo pelo público do cinema. Mastigava-se pipoca, dava-se beijos, urros, gritinhos, aplausos e comentários ridículos. Parecia que o filme só incomodava a mim.

Carros correm pelas ruas da cidade, passando por automóveis de motoristas “normais”, os carros batem, as vezes explodem, e as pessoas aplaudem. É inconseqüente, é anti-iluminista. A preocupação com o humano foi perdida, a relação de causa-efeito esquecida. O que importa é aprender a dar a manobra drift, o que vale a pena é faturar a garota.

No cinema, o público delira. Comenta-se a beleza dos carros, elogia o desempenho das manobras. Só eles não perceberam que é um racha. Só eles não perceberam que o filme é um elogio ao banal, (corre-se para ver quem é o melhor).

Quando o filme acaba, os casais se levantam abraçados, os rapazes comentam os carros. As moças arrumam o cabelo. O grupo de amigos brincam entre si, satisfeitos com o entretenimento. As latas de refrigerante estão vazias, assim como o saco de pipocas.

Eu continuo sentado, insatisfeito, perplexo. Filme e público me cansaram, levanto desanimado e vou para o ponto de ônibus. Final do espetáculo e eu estou infeliz:

... quero meu dinheiro de volta.

Cotação: Péssimo

Amantes constantes

Amantes constantes (Les Amants réguliers), 2004. França. De Philippe Garrel.

O cinema francês costuma ser ingrato com seu público, obrigando-o a acompanhar uma narrativa lenta e introspectiva, capaz de cansar até o espectador mais experimentado. Entretanto se essa dificuldade for transposta, muitas vezes temos a oportunidade de depararmo-nos com excelentes filmes.

Esse é o caso de Amantes Constantes, que consegue mostrar-se como um filme maduro e consistente. A autoconfiança do diretor é clara, pois ele faz um preâmbulo de uma hora, praticamente uma outra história dentro do enredo principal – mas de maneira alguma isolada.

Em um primeiro momento vemos o confronto entre estudantes parisienses e as forças policiais nas barricadas de 1968 – as esperanças, o medo e as expectativas com essa mobilização dos jovens e dos proletários. Em seguida (a maior parte do filme) acompanhamos o desfecho e o significado dessa experiência para os seus participantes.

Os protagonistas tiveram uma vivência fascinante durante as manifestações, contudo, ao serem política e taticamente derrotados, acabaram se voltando para uma atitude auto-contemplativa, sem força para criar novas estratégias de confrontação. Essa apatia dos personagens é bem expressa no vício pelo ópio, naquelas reuniões silenciosas, nas quais não há mais nada para ser discutido.

Essa ausência da ação política é refletida na própria fluidez do filme. A narrativa é arrastada, ela não se encaminha de evento a evento, é mais uma descrição: dos percursos pela cidade, dos encontros, dos amores. Só mais ao final “pescamos” a trama que orienta o filme. Dá até para ver um pouco de Godard em Amantes constantes, nos momentos em que os atores fixam diretamente a câmera e desafiam a verossimilhança cinematográfica, chegando ao ponto de citar Bertolucci...

Um cinema introspectivo, que para a câmera no rosto do personagem e deixa o tempo correr, cabendo ao expectador encontrar um sentido naquela expressão. O que fazer depois que o sonho da revolução não logrou? Como por o proletariado no poder se ele não quer estar lá? Talvez sejam essas as perguntas colocadas em rostos jovens mais distantes

Enquanto os operários retornam às fábricas, os jovens devem encontrar uma nova razão de ser. Esvaído o sonho revolucionário só cabe voltar para si mesmo, encontrando nos amores ou nas drogas uma sensação próxima ao que sentiram naquela estação de flores e contestação. Os personagens principais, um casal de amantes, são também um resultado da experiência de 1968. É através desse relacionamento que vislumbramos com maior clareza o que ficou e o que foi perdido dessa transformação política e cultural.

Trata-se de um filme denso, seus 171 minutos de duração, combinado com uma contrastante fotografia preto e branco certamente é um convite a manter as salas de projeção esvaziadas. Com uma temática que provavelmente interessará somente aos espectadores mais intelectualizados (e olha lá) Amantes constantes é um filme bem destoante do que estamos acostumados a ver nos cinemas – mesmo naqueles circuitos menos comerciais.

Um belo e forte filme, mas, quem é que vai vê-lo? Quem?

Cotação: Ótimo

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Editorial - fim do Cine Brasil

Muito além dos neo-pentecostais.

Na década de 1990, Belo Horizonte foi arrastada para o círculo de especulação imobiliária. No afã de se produzir milhões, picaretas foram encomendadas para por edifícios ao chão ou, ao menos, reestruturá-los completamente.

Vítima preferencial dessa horda comandada por engravatados foram os antigos cinemas da capital belorizontina. Eminentemente populares, eles representavam o acesso da população as salas de exibição, pagando um preço diminuto. Inseridos no coração das metrópoles, eram uma fonte de entretenimento bem localizada e inclusora, tratava-se da diversão para as massas, no melhor sentido da palavra.

Pois bem, tais espaços foram arrasados, fossem para ser convertidos a templos dos neo-pentecostais ou a shoppings-centers, os templos da classe média. Houve, na época, quem protestasse, mas o fizeram com tanta cautela que não foram ouvidos suficientemente.

O cinema ficou aos encargos dos shoppings, que perverteram sua idéia original. As salas foram reduzidas, os preços dos ingressos aumentaram (o da pipoca então, nem se fale), criou-se toda uma estrutura de consumismo, para prender o incauto público. Dos estacionamentos subterrâneos às salas de exibição (com baldão de pipoca a 10 reais), do cinema à praça de alimentação e, dali, para as lojas, para, finalmente, retornar ao subterrâneo, retirar o carro, e voltar para o sweet home, sem observar a cidade, o mundo ao redor – suas pobrezas e suas grandezas. Enfim, o cinema caiu numinvólucro asséptico.

Claro que houve alguns cinemas que, para o bem ou para o mal, resistiram, entretanto se tornaram demasiadamente elegantes, nostálgicos e auto-centrados. Porém, bem ao centro de B.H, um grande edifício se tornou remanescente, escapando dos neo-pentecostais e dos neo-consumistaa. O Cine Brasil permaneceu, ao menos, como um esqueleto, uma ruína do que um dia foi o cinema na capital mineira. Essa estrutura era coerente com a atual fisiognomia da metrópole, uma perfeita representação do nosso abandono.

Mas eis que a camarilha de Pimental percebem o potencial político de tal edificação e, como já haviam feito com outros espaços públicos, decidiram capitalizar essa construção em proveito próprio.

Ratos. Bando de ratos.

Não satisfeitos com essa calhordagem, entregaram esse patrimônio coletivo a gestão privada de um cartel multinacional de siderúrgicas, as empresas Vallourec e Mannesmann, formando a V&M.

Resultado, o antigo Cine Brasil será transformado na V&M Brasil. Entenderam a sutileza do nome? Sacaram o deboche? Viram como eles estão rindo de nós? De fato, é engraçado, o que era público agora é a V&M.

Estou equivocado, dirão alguns. A V&M somente está a patrocinar esse projeto cultural, que difundirá a cultura para todos, o bom gosto, os altos padrões estéticos. Balela. É outro espaço de B.H que se aristocratiza, pois sabemos que a população, de um modo geral, não freqüenta esses espaços culturais “requintados”, vide o caso do Humberto Mauro.

São sempre as mesmas gentinhas, a classe média e os estudantes de ciências humanas que fazem daquela localidade um ponto de encontro para o happy hour. O povão, raramente adentra nesses espaços, e quanto isso ocorre são tratados com uma condescendência horrorosa. Caridade, isso é o que as elites julgam fazer.

Por mim, que ponham fogo no Cine Brasil, pois esse fim é mais glorioso ao futuro que o espera: o cinema do povão vai virar casa de culturinha para os maconheiros da Savassi. Isso é difícil de engolir.

Quem viabilizou esse assassinato foram os intelecutalóides de Pimentel e quem o perpetrará será uma siderúrgica, que se preocupa com o ambiente e a cultural. Claro, alguns verão incoerência em um conglomerado industrial e empresaria que vilipendia o meio ambiente e explora a força de trabalho nacional e, ao mesmo tempo, afirma seu interesse com a natureza e a arte.

De fato, se almejasse uma obra para o público, o caminho seria outro, bem diferente, jamais passando pela concepção da V&M Brasil. Mas estamos falando de auto-promoção. É a globalização: a corja belorizontina e a corja gringa sentadas na mesma mesa, se deleitando com a ingenuidade dos parvos e com o cinismo da realpolitik contemporânea.

sábado, 3 de novembro de 2007

E Deus disse a Caim

E Deus disse a Caim (E Dio disse a Caino), 1969. Itália. De Anthony Dawnson (Antonio Margheriti)

Dá trabalho redigir esses textos. Além disso, não é nem um pouco gratificante, pois ninguém ler. Sempre estou às vias de desistir desse blog. Mas felizmente ou infelizmente sempre surge um filme que me faz escrever mais uma crítica.

Gary Hamilton (interpretado por Klaus Kinski) é um homem que foi injustamente acusado, depois de 10 anos de prisão ele volta querendo vingança. É dentro dessa premissa clássica (para não dizer batida) que o roteiro se desenvolve. O filme tem uma direção competente, com movimentos de câmeras típicos do western italiano do período.

Quando o protagonista visualiza seus inimigos, a câmera faz um zoom e para no seu olhar, fixo, inexpressivo e cheio de ódio – sim, as fontes de Tarantino passam por aqui. A propósito, a câmera se movimenta muito bem, fazendo interessantes trajetórias, indo do plano geral, o cenário, para um primeiríssimo plano, centrado no rosto dos personagens.

Via de regra, eu não gosto de filmes do gênero: a cenografia repetitiva, os argumentos eternamente reciclados, a péssima maquiagem, o excesso de luz me desmotivam. Além disso, a estrutura básica – diplomacia a base de chumbo – nunca me convenceu completamente. Mas que existem inúmeros bons exemplares, isso há!

E Deus disse a Caim é um exemplo. A história é levemente inspirada em O conde de Monte Cristo, tanto que há uma referência explícita a um dos livros de Alexandre Dumas. Por mais que a estrutura seja previsível –, dezenas de homem tentam capturar o vingador esquivo – ela funciona. Gary Hamilton é um justiceiro implacável, ele não esboça felicidade ou tristeza, mas só a determinação de eliminar eu algoz. O aparecimento desse justiceiro coincide com a chegada de um tornado à cidade, o que amplia a sensação de caos no povoado.

Embora seja um western, suas tramas paralelas são melodramáticas, com revelações de segredos, prantos e até os tão esperados incêndios. É interessante que os vilões, talvez com exceção do líder do grupo, são muito humanos, eles se preocupam com seus comparsas, resgatam seus corpos e choram sobre eles.

Outro dado a ser destacado no filme é a cenografia, influenciada pela direção de arte européia, que pode ser percebido no cômodo espelhado (bem afrancesado) ou nos quadros dependurados (também muito europeus). Já o penteado de Marcella Michelangeli, que interpreta a mulher que traiu Hamilton, denúncia que é um filme dos anos sessenta.

Produzido em techinocolor para ser exibido em cinemoscope, o filme apresenta uma fotografia e composição interessantes quando são mostrados os espaços abertos e desertos, principalmente no início da projeção, quando é cantada uma canção de escravos americanos falando de liberdade.

Em suma, trata-se de um bom filme, nesse caso o melodrama e o western deram um feliz resultado. Nos dez primeiros minutos do filmes você já é capaz de decupá-lo de antemão, dado sua previsibilidade. No entanto, a direção competente, que sabe trabalhar bem as nuances, acaba conferindo uma densidade ao filme, ainda meio que involuntária.

E o blog continua.

Cotação: Bom

Superbad

Superbad - é hoje (Superbad), 2007. EUA. De Greg Motolla

Embora seja um filme sobre adolescentes e para adolescente, Superbad se revela uma produção interessante e inteligente, ainda que comprometido por algumas falhas imperdoáveis.

O ponto de partida é conhecido, dois jovens estão se formando na high-school e, antes de entrar na faculdade, querem ter a primeira relação sexual. Como é de praxe, os dois não são populares, são meio esquisitos e pouco atraentes – mas nem por isso se assemelham aos personagens “nerds” ou “losers”, também comum nesse tipo de filme.

O que ocorre é que eles são garotos, quase rapazes, mas ainda distantes de uma identidade adulta. O cômico no filme é justamente a interação entre o tímido Evan e o ativo, inusitado e egoísta Seth (que é quase uma encarnação do personagem Cartman do South Park). Para além desses dois, há outro jovem que, por vezes, rouba a sena, Fogell (mas conhecido como Fogay...). Este sim, um nerd de primeira linha, que acaba ganhando amizade de dois policiais que são mais irresponsáveis, e divertidos, do que toda a galerinha de seven-teen e six-teen years.

O filme mostra, de forma bem apropriada, como os adolescentes interpretam a vida adulta, considerando como se ela se restringisse somente a possibilidade do sexo e a liberdade de comprar a bebida onde bem entender.

O plano de Seth é simples, embriagar-se com sua amiga e tentar converter sua primeira transa. Sua objetividade só é contrariada pela inépcia de seus amigos e, claro, pela dificuldade de conseguir a bebida, que ele havia prometido a todos.

Contudo, os tempos de Porks e O Último americano virgem se foram. De modo que, no decorrer da história, vai se evidenciando os valores da virgindade, do amor, da necessidade de se conhecer melhor seu parceiro e de todo aquele chauvinismo contemporâneo.

Felizmente, o desfecho é melancólico, conseguindo capturar, como poucos filmes desse gênero foram capazes, a fugacidade desse momento de crescimento. Os rapazes percebem que suas amizades se desfarão, pois um rabo de saia é um rabo de saia. Contido e quase auto-reflexivo, Superbad é cinema para adolescentes, divertido e descontraído, mas sem resvalar nas escatologias.

Cotação: Regular