Fido – o mascote (Fido), 2006. Canadá. De Andrew Currie.
Enquanto os intelectuosos ficam a discutir se Tropa de Elite é a reinvenção do fascismo ou a profissionalização das baboseiras nacionais, o verdadeiro cinema passa despercebido pelas salas de exibição do circuito belorizontino.
Entretanto, cabe acrescentar, que para chegar ao cinema – que fica no Buritis, a favela rica de B.H – tive que pegar um ônibus, metrô, outro ônibus, e para voltar foram necessários um táxi, metrô e finalmente um último ônibus. E olha que o filme terminou às nove horas... Ou seja, o verdadeiro e pululante cinema está escondido nas medíocres salas dos bairros classe média.
Mas, não nos alonguemos nessas divagações. Porque eu assisti Fido, e tudo está bem.
O filme é ambientado nos anos cinqüenta, abordando o American Way of Life: waffles no café da manhã, família nuclear reduzida, mamãe com um inocente vestidinho (pero, muy sexy), papai que chega cansado do trabalho e... zumbis.
Essa produção, praticamente desconhecida, aborda uma temática pouco usual, o Dark American Way of life, com um enfoque que, senão brilhante, ao menos é muito eficiente.
O filme parte de premissas conhecidas sobre o gênero dos zumbis. As referências mais evidentes são aos trabalhos de George Romero, sobretudo O dia dos mortos (1985) e Terra dos Mortos (2005), outro título que também perfaz o diálogo é Shaun of the dead (2004), além, claro, de Plano nove do espaço sideral (1959).
Uma poeira cósmica (yes!) cobre a terra, animando os cadáveres, é quando ocorre a Zoombie War, que cronologicamente, eu presumo, estaria no lugar da Segunda Guerra Mundial. Nesse conflito entre vivos e quase vivos, os primeiros levam a melhor, conseguindo fortificar suas cidades e criar uma coleira que, quando colocadas nos zumbis, os domesticam. Entre as cidades fortificadas existiriam zonas livres, habitadas pelos mortos selvagens.
No interior das cidades, os zumbis se tornaram escravos, executando tarefas de jardineiros, entregadores de jornais, leiteiros, etc. Porém, quando as pessoas morrem (indendente da causa mortis), são reanimadas automaticamente como zumbis;já em outras situações os prisioneiros conseguem se libertar, ocasionando novo ciclo de mortes. É nesse momento que entra em ação a Zomcom, uma empresa voltada para a segurança contra os mortos vivos.
É dentro desse painel complexo e fascinante que conhecemos a família dos Robinsons, encabeçada por um pai que tem pavor de zumbis. Ele sofre uma dupla pressão, por viver no American Way of Life e também por está à mercê dos canibais. O personagem mais interessante do filme, seu olhar é angustiado, mal consegue saudar seu filho, pois ele não quer se apegar a ninguém, pois qualquer um pode se transformar em um zoombie. Seu maior divertimento é ir ao funeral, para ver as cabeças dos mortos serem enterradas. Tal personagem é obcecado pela morte, ele anseia deixar de existir definitivamente, seu maior receio é a morte em vida.
A esposa adaptou-se àquele desumano mundo, ela almeja os valores de uma sociedade consumista e exibicionista (ter muitos escravos é sinal de status), muito embora ressinta o fato do seu marido viver afastado, por temer tanto a vida quanto a morte. Essa senhora, uma excelente releitura de algumas heroínas da cinematografia clássica (vide suas frases inspiradas ao longo da projeção), comprou um zumbi (chamado de Fido) para lhe auxiliar nas tarefas do lar.
Não nos esqueçamos do protagonista, Timmy, o filho do casal. Um isolado, que, se não teme aos mortos vivos, também não aprecia o mundo em que vive. É esse jovem americano – abençoado por Deus – que irá travar amizades com Fido e colocar toda a cidade a beira do holocausto zoombie.
O filme desenvolve muito bem a premissa de uma sociedade sádica construída sobre a exploração dos mortos – que pode ser entendida como uma metáfora da opressão sobre os pobres, os trabalhadores, os imigrantes etc. Em um universo como esse, a morte recebe outro redimensionamento, há várias cenas em que pessoas são assassinadas, afetando muito pouco as sensibilidades dos personagens. Outro ponto de destaque é a insinuação do potencial necrófilo daqueles que optaram por controlar seus mortos – afetos para com os zumbis são menos incomuns do que se pensam.
A própria esposa dedicada, não deixa de trocar uns olhares (e que olhares) com o bom Fido – o zumbi quase bonzinho do filme. Uma relação quase adúltera, Beleza Americana, mas com defuntos...
Nos filmes clássicos de zumbis, o sentimento que impera é o do caos e do retorno a um estado de barbárie. Nessa produção, os humanos conseguem por ordem ao apocalipse, transformando os inimigos em, digamos, aparelhos celulares: dão problemas, mas, ainda sim, não ficamos sem eles. É o reflexo do cinismo atual, da crença de que as mega-corporações são indestrutíveis, suas mentiras são convertidas, por meio de manipulação de informações, em verdades.
O desfecho é um happy-end, se não nos importarmos com o individualismo em voga. Esse filme, tão modesto em suas intenções, é uma sutil alfinetada nessa vidinha da class media. E quando eu penso no Buritis, nos cinemas nos shoppings, nas linda famílias endinheiradas nas praças de alimentação, eu me convenço, cada vez mais, que há muita carne a disposição dos mortos vivos.
Fido, pega!
Cotação: Bom
domingo, 21 de outubro de 2007
Mares Violentos
Mares Violentos (The sea chase) 1955. EUA. De John Farrow
Através de um traveling vemos o navio cargueiro e seu capitão (John Wayne). No início do filme já é anunciado que ambos são um só. Força, resistência, coragem, homem e nave compartilham a mesma existência, o desfecho do filme, é uma conclusão coerente dessa premissa.
O enredo se centra na história do capitão alemão de um cargueiro chamado Ergenstrasse, ancorado em Sidney justamente no momento em que a Segunda Guerra foi declarada. Mesmo não sendo simpatizante do regime nazista, ele pretende conduzir seus homens e navio até à terra natal.
Como um exemplar do cinema clássico, o protagonista é um homem perfeito, sem qualquer falha moral. Suas ações são claras, ele sabe o que almeja e, para isso, traça um caminho legítimo até seu objetivo. Seus subordinados o respeitam e seus adversários o temem.
A marinha inglesa é sua antagonista, mas ela tem um motivo legítimo para persegui-lo, uma suposta chacina que ele cometeu em um porto para acolher náufragos. Inicia-se uma perseguição ao Ergenstrasse e, esse incidente isolado, acaba sendo motivo para propaganda de guerra tanto dos ingleses quanto dos alemães. Porém Capital Karl está pouco interessado na política – embora afirme seu não alinhamento com o regime nazista – sua pretensão é manter firme seus valores, mesmo que sejam incompatíveis em um mundo onde predomina a mentira e o ardil.
Ele é um herói clássico, incapaz de mentir ou se envolver em qualquer ação ambígua. Quando ele é confrontado, a câmera o mostra de perfil, para que possamos visualizar sua postura ereta perante seus oponentes. Quando ele discursa aos seus marinheiros, o vemos de frente, com rosto iluminado, pois ele é sincero e isso temos que perceber em suas próprias feições.
Talvez seu único erro seja ser alemão e ter que confrontar os ingleses, que também agem com justiça e destreza. Pois mesmo não sendo adepto dos nazistas, em momento algum pensa em trair seu país. A solução para esse impasse é resolvida de uma maneira bem hollywoodiana, heróica e trágica, mas nem por isso pessimista.
Estamos falando do cinema nos anos cinqüenta, a questão de fundo não é a política mas sim os valores. Nem Inglaterra e nem Alemanha ganham, a vitória cabe a um homem, que soube ser íntegro, mesmo em tempos de guerra, quando o próprio sentimento de humanidade é negligenciado.
Cinema clássico. A solução dos problemas não está no coletivo ou no público, pois é uma questão privada e íntima. Um herói fará a coisa certa, não importa sua origem ou a quem ele está submetido. Pois o que o herói aspira é a imortalidade, não da alma, mas de ter seus feitos relembrados por outros homens.
Navio e homem podem deixar de existir materialmente, mas a grandeza de seus feitos nunca será esquecida, pois sempre haverá homens de valor (os heróis de amanhã) dispostos a perpetuar essas lembranças.
Cotação: Regular
Através de um traveling vemos o navio cargueiro e seu capitão (John Wayne). No início do filme já é anunciado que ambos são um só. Força, resistência, coragem, homem e nave compartilham a mesma existência, o desfecho do filme, é uma conclusão coerente dessa premissa.
O enredo se centra na história do capitão alemão de um cargueiro chamado Ergenstrasse, ancorado em Sidney justamente no momento em que a Segunda Guerra foi declarada. Mesmo não sendo simpatizante do regime nazista, ele pretende conduzir seus homens e navio até à terra natal.
Como um exemplar do cinema clássico, o protagonista é um homem perfeito, sem qualquer falha moral. Suas ações são claras, ele sabe o que almeja e, para isso, traça um caminho legítimo até seu objetivo. Seus subordinados o respeitam e seus adversários o temem.
A marinha inglesa é sua antagonista, mas ela tem um motivo legítimo para persegui-lo, uma suposta chacina que ele cometeu em um porto para acolher náufragos. Inicia-se uma perseguição ao Ergenstrasse e, esse incidente isolado, acaba sendo motivo para propaganda de guerra tanto dos ingleses quanto dos alemães. Porém Capital Karl está pouco interessado na política – embora afirme seu não alinhamento com o regime nazista – sua pretensão é manter firme seus valores, mesmo que sejam incompatíveis em um mundo onde predomina a mentira e o ardil.
Ele é um herói clássico, incapaz de mentir ou se envolver em qualquer ação ambígua. Quando ele é confrontado, a câmera o mostra de perfil, para que possamos visualizar sua postura ereta perante seus oponentes. Quando ele discursa aos seus marinheiros, o vemos de frente, com rosto iluminado, pois ele é sincero e isso temos que perceber em suas próprias feições.
Talvez seu único erro seja ser alemão e ter que confrontar os ingleses, que também agem com justiça e destreza. Pois mesmo não sendo adepto dos nazistas, em momento algum pensa em trair seu país. A solução para esse impasse é resolvida de uma maneira bem hollywoodiana, heróica e trágica, mas nem por isso pessimista.
Estamos falando do cinema nos anos cinqüenta, a questão de fundo não é a política mas sim os valores. Nem Inglaterra e nem Alemanha ganham, a vitória cabe a um homem, que soube ser íntegro, mesmo em tempos de guerra, quando o próprio sentimento de humanidade é negligenciado.
Cinema clássico. A solução dos problemas não está no coletivo ou no público, pois é uma questão privada e íntima. Um herói fará a coisa certa, não importa sua origem ou a quem ele está submetido. Pois o que o herói aspira é a imortalidade, não da alma, mas de ter seus feitos relembrados por outros homens.
Navio e homem podem deixar de existir materialmente, mas a grandeza de seus feitos nunca será esquecida, pois sempre haverá homens de valor (os heróis de amanhã) dispostos a perpetuar essas lembranças.
Cotação: Regular
Seres Rastejantes
Seres Rastejantes (Slither), 2006. EUA. De James Gunn
Para assistir esse filme, em uma noite de domingo, tive que passar por vários percalços como enfrentar a parada gay de Contagem-MG (com homossexuais e evangélicos se provocando), suportar um mega engarrafamento, aturar uma inoportuna garoinha de inverno e voltar em um ônibus cujo sinuoso percurso era quase um quadro de Kandinsky.
A pergunta é: valeu a pena?
Em parte sim, Seres Rastejantes escrito e dirigido por James Gunn é algo entre a ficção científica e o horror, no estilo de filmes como A coisa, A bolha assassina e Criaturas. O esquemão é o mesmo: algo vem do espaço e passa a se expandir; desta vez, trata-se de uma “lesma alienígena” que chega à Terra dominando a mente das pessoas e transformando-as em zumbis telepaticamente conectados.
Não há muitas surpresas, tudo é previsível, em parte por isso mesmo a história é curta, 95 minutos. Uma opção interessante para quem quer reviver o “cinema B”.
Acho que James Gunn fez um trabalho satisfatório. Ele é conhecido como escritor de ficções científicas, autor de Os vendedores de felicidade, uma interessante história sobre uma sociedade condenada a ser feliz. Também é de sua autoria a adaptação do roteiro de Madrugada dos Mortos. Suas colaborações no cinema são freqüentes e, de um modo geral, adequadas.
Não sei se os “sustinhos” que tive compensaram minha Via Crucis para chegar ao cinema, mas de qualquer forma quando as luzes se ascenderam saí com aquela agradável sensação de final feliz.
Escapismo? Por que não?
Cotação: Regular
segunda-feira, 15 de outubro de 2007
Stardust
Stardust – o enigma da estrela (Stardust), 2007. EUA/Inglaterra. Matthew Vaighn
Na melhor das hipóteses é uma péssima comédia romântica escondida em um clima de fantasia medieval.
Porém, a maneira apropriada de se referir a esse filme é como a mais constrangedora história na mais medíocre direção.
Como desancar um filme tão ruim como esse? Começamos dizendo que existe um muro em um povoado inglês cuja abertura dá passagem para um (oh!) outro mundo. Outro mundo? Outro mundo! Outro mundo com:
Reis? Sim.
Princesas? É claro.
Bruxas? Pois então.
Artefatos mágicos que devem ser encontrados? Óbvio.
Unicórnios? Evidente...
Donzelas a serem resgatadas? Yes, you can believe!
Jovem plebeu que descobre seu valor e se torna príncipe? Sim, sim, sim e sim!
Todos os estereótipos, os clichês, os plots convencionais, os motes batidos estão reunidos nessa produção pessimamente dirigida. Basta lembrar a tendência do diretor em fazer vários planos de poucos segundos, com cortes abruptos e recomeços desordenados de outras cenas. O único momento em que ele se alonga é na exibição dos planos gerais, ao apresentar os cenários criados pela computação gráfica. O verdadeiro cinema para espetáculo: e o pior é que o público embarca na picaretagem, batendo palminhas para o patético herói e dando suspiros românticos nos poucos momentos em que ele dá uns apertos na Claire Danes, vulgo miss canastrona. A propósito, houve um momento em que me confundi, achei que estava no cinema assistindo Titanic (só faltou a frase I’m the king of world).
É um filme abrangente, tem de tudo. Um pouco de humor negro, gags físicas (reparem o momento em que o herói, sob um fundo musical grandiloqüente, se atira sobre a carruagem em movimento, mas é arremessado para outra direção – rá rá rá, que engraçado), pitadinhas de lição de moral (algo do tipo: “seja você mesmo”) e a clássica dinâmica da screwball (um casal que briga o tempo todo, mas que no final descobrem que foram feitos um para o outro – que lindo!)
Nada convence, as tramas são desinteressantes e previsíveis, basta lembrarmos que a motivação inicial do herói era buscar uma estrela cadente para provar seu amor para sua (suposta) amada. Isso sem falar que há bruxas em procura pelo rejuvenescimento, ou um príncipe em sua tentativa de ser rei.
Temos na verdade um Filme B, escondido em uma produção de primeira linha. Bons tempos aqueles de Ed Wood, quando a incompetência era explicitada no amadorismo e na ausência de uma composição cinematográfica. Hoje, ocorre é que o cinema da mediocridade é o mais badalado, enredos e narrativas que deveriam ser exibidas somente para crianças com dificuldades de aprendizagem recebem um verniz todo especial, posto a disposição de um público que adora ser ultrajado.
Piratas voadores, bruxas sensuais ou decrépitas, beldades das mais variadas, heróis bobalhões que redescobrem seu valor, furos no roteiro (por que o pai de Tristan nunca voltou ao outro mundo? Por que ele não tentou resgatar seu “amor”?). Enfim, o cinema elevado à enésima mediocridade, é como se fosse um falatório que não diz nada.
Espetáculo: barulhos, imagens. Soltem fogos de artifícios que o povão, esses morto-vivos, gosta!
Me desculpem se pareço desconexo, mas só agora percebo o valor de Terra dos Mortos de George Romero. Compreendo. É muito fácil distrair os zumbis com sinais luminosos, pois, afinal de contas, eles já não têm mais cérebros.
Cotação: Péssimo
Na melhor das hipóteses é uma péssima comédia romântica escondida em um clima de fantasia medieval.
Porém, a maneira apropriada de se referir a esse filme é como a mais constrangedora história na mais medíocre direção.
Como desancar um filme tão ruim como esse? Começamos dizendo que existe um muro em um povoado inglês cuja abertura dá passagem para um (oh!) outro mundo. Outro mundo? Outro mundo! Outro mundo com:
Reis? Sim.
Princesas? É claro.
Bruxas? Pois então.
Artefatos mágicos que devem ser encontrados? Óbvio.
Unicórnios? Evidente...
Donzelas a serem resgatadas? Yes, you can believe!
Jovem plebeu que descobre seu valor e se torna príncipe? Sim, sim, sim e sim!
Todos os estereótipos, os clichês, os plots convencionais, os motes batidos estão reunidos nessa produção pessimamente dirigida. Basta lembrar a tendência do diretor em fazer vários planos de poucos segundos, com cortes abruptos e recomeços desordenados de outras cenas. O único momento em que ele se alonga é na exibição dos planos gerais, ao apresentar os cenários criados pela computação gráfica. O verdadeiro cinema para espetáculo: e o pior é que o público embarca na picaretagem, batendo palminhas para o patético herói e dando suspiros românticos nos poucos momentos em que ele dá uns apertos na Claire Danes, vulgo miss canastrona. A propósito, houve um momento em que me confundi, achei que estava no cinema assistindo Titanic (só faltou a frase I’m the king of world).
É um filme abrangente, tem de tudo. Um pouco de humor negro, gags físicas (reparem o momento em que o herói, sob um fundo musical grandiloqüente, se atira sobre a carruagem em movimento, mas é arremessado para outra direção – rá rá rá, que engraçado), pitadinhas de lição de moral (algo do tipo: “seja você mesmo”) e a clássica dinâmica da screwball (um casal que briga o tempo todo, mas que no final descobrem que foram feitos um para o outro – que lindo!)
Nada convence, as tramas são desinteressantes e previsíveis, basta lembrarmos que a motivação inicial do herói era buscar uma estrela cadente para provar seu amor para sua (suposta) amada. Isso sem falar que há bruxas em procura pelo rejuvenescimento, ou um príncipe em sua tentativa de ser rei.
Temos na verdade um Filme B, escondido em uma produção de primeira linha. Bons tempos aqueles de Ed Wood, quando a incompetência era explicitada no amadorismo e na ausência de uma composição cinematográfica. Hoje, ocorre é que o cinema da mediocridade é o mais badalado, enredos e narrativas que deveriam ser exibidas somente para crianças com dificuldades de aprendizagem recebem um verniz todo especial, posto a disposição de um público que adora ser ultrajado.
Piratas voadores, bruxas sensuais ou decrépitas, beldades das mais variadas, heróis bobalhões que redescobrem seu valor, furos no roteiro (por que o pai de Tristan nunca voltou ao outro mundo? Por que ele não tentou resgatar seu “amor”?). Enfim, o cinema elevado à enésima mediocridade, é como se fosse um falatório que não diz nada.
Espetáculo: barulhos, imagens. Soltem fogos de artifícios que o povão, esses morto-vivos, gosta!
Me desculpem se pareço desconexo, mas só agora percebo o valor de Terra dos Mortos de George Romero. Compreendo. É muito fácil distrair os zumbis com sinais luminosos, pois, afinal de contas, eles já não têm mais cérebros.
Cotação: Péssimo
sábado, 6 de outubro de 2007
Bled Bumber One
Bled Number One (Back Home), 2006. Argélia. De Rabah Ameur-Zaïmeche
[Festival Indie 2007]
Eis um dos melhores filmes que eu já assisti.
Um filme constituído em cima de paradoxos e ambigüidades.
Ainda no começo do filme uma cena forte, que expulsou 10 por cento do público para fora da sala de exibição. Uma maneira direta de proclamar: “esse não é um filme ocidental”.
Kamel retornou da França. Chegando a Argélia, sua terra natal, ele percebe que lá não pode ser seu lar. Ele não consegue se adaptar, pois o Ocidente já o contaminou. Muito embora ele tente reconstruir sua identidade de mulçumano, a sua recusa àqueles valores é evidente.
É uma sociedade ambígua, presa entre o desejo de emancipação e as constantes reafirmações de uma moralidade mulçumana – na maior parte das vezes opressiva para com as mulheres.
Os homens querem o direito de ingerir bebidas alcoólicas e praticar jogos de azar, entretanto não aceitam que suas mulheres cantem em público ou se divorciem. Em alguns momentos pedem o relaxamento das Leis do Islão, mas em outra situações elas as reforçam.
Perdido nesse contraditório universo está Kamel, o duplo exilado. Ele nunca será francês, mas também não se transformará em um argeliano. Há uma certa obstinação em seu rosto, mas também um cansaço, uma resignação, uma aceitação perante as intransigências da vida.
O cenário em que a história se desenvolve é fabuloso. Uma paisagem terceiro-mundista, que não impressiona os já acostumados com as favelas brasileiras. Algo que os participantes do Festival Indie , representantes da classe média brasileira, não vão entender [vide o Editorial do mês].
O mais fascinante, no entanto, é a presença do “Ocidente” no filme. As referências são, às vezes, sutis, mas se fazem existentes. A música cantada em inglês e a canção de rock é uma ligação com todo um legado de modernização cultural vivenciado pelo mundo ocidental – que vai desde a laicização do Estado até a Revolução sexual e o feminismo.
O cineasta, sem muita piedade, revela facetas do mundo argelino, que transforma as mulheres contestadoras do Status Quo em loucas de sanatório, enquanto seus agressores ficam impunes.
Bled Number One é um filme para os argelianos, mas também para o ocidente. É um convite à reflexão, é um pedido de ajuda, é uma lufada de otimismo. Uma genuína expressão da ânsia de alguns, para que o mundo mulçumano vivencie a tão benéfica modernidade.
Cotação: Ótimo
[Festival Indie 2007]
Eis um dos melhores filmes que eu já assisti.
Um filme constituído em cima de paradoxos e ambigüidades.
Ainda no começo do filme uma cena forte, que expulsou 10 por cento do público para fora da sala de exibição. Uma maneira direta de proclamar: “esse não é um filme ocidental”.
Kamel retornou da França. Chegando a Argélia, sua terra natal, ele percebe que lá não pode ser seu lar. Ele não consegue se adaptar, pois o Ocidente já o contaminou. Muito embora ele tente reconstruir sua identidade de mulçumano, a sua recusa àqueles valores é evidente.
É uma sociedade ambígua, presa entre o desejo de emancipação e as constantes reafirmações de uma moralidade mulçumana – na maior parte das vezes opressiva para com as mulheres.
Os homens querem o direito de ingerir bebidas alcoólicas e praticar jogos de azar, entretanto não aceitam que suas mulheres cantem em público ou se divorciem. Em alguns momentos pedem o relaxamento das Leis do Islão, mas em outra situações elas as reforçam.
Perdido nesse contraditório universo está Kamel, o duplo exilado. Ele nunca será francês, mas também não se transformará em um argeliano. Há uma certa obstinação em seu rosto, mas também um cansaço, uma resignação, uma aceitação perante as intransigências da vida.
O cenário em que a história se desenvolve é fabuloso. Uma paisagem terceiro-mundista, que não impressiona os já acostumados com as favelas brasileiras. Algo que os participantes do Festival Indie , representantes da classe média brasileira, não vão entender [vide o Editorial do mês].
O mais fascinante, no entanto, é a presença do “Ocidente” no filme. As referências são, às vezes, sutis, mas se fazem existentes. A música cantada em inglês e a canção de rock é uma ligação com todo um legado de modernização cultural vivenciado pelo mundo ocidental – que vai desde a laicização do Estado até a Revolução sexual e o feminismo.
O cineasta, sem muita piedade, revela facetas do mundo argelino, que transforma as mulheres contestadoras do Status Quo em loucas de sanatório, enquanto seus agressores ficam impunes.
Bled Number One é um filme para os argelianos, mas também para o ocidente. É um convite à reflexão, é um pedido de ajuda, é uma lufada de otimismo. Uma genuína expressão da ânsia de alguns, para que o mundo mulçumano vivencie a tão benéfica modernidade.
Cotação: Ótimo
Editorial: Indie - Festival de Cinema
Zoológico.
Casais gays hardcores, casais heteros metaleiros, punks, hippies, aspirantes a modelos, playboys, black-boys, japan-girls. Em suma, toda a galeria de alternativos de B.H reunidos em um mesmo lugar, unidos por um mesmo evento.
Claro, e entre eles eu. O sujeito normal, o servente de pedreiro, aquele que gasta uma hora e meia para chegar até o cinema.
A fila para a retirada dos ingressos é quilométrica e suas chances de não assistir a sessão não são pequenas. Até mesmo porque os fura-filas são a espécie mais abundante do local.
Indie: Mostra Mundial de Cinema. Não entendo. Festivais como esse, ao invés de popularizarem o cinema, afastam o público normal, que se sentem constrangidos em dividir o mesmo espaço com essa fauna belorizontina.
Passei horas na fila, ouvindo todo um rol e besteiras pseudo-intelectualóides e proto-pretensiosas. Era o rapaz que dizia ter assistido Bertoulucci na França e que a tradução em português seria incapaz de transmitir a “essência última” do diretor. Então que diabos ele fazia naquela fila? Roubando meu ingresso, com certeza.
Era a menina loira do cursinho pré-vestibular, preocupada em assistir filmes que falem da globalização, ou então o aprendiz de Martin Luther King reclamando a pouca presença de filmes sobre o gueto (observação: a jaqueta dele alimentaria uma família do “gueto” inteirinha...).
Eu também tenho um sonho! E nele esse povo é mudo.
Esse festival só é freqüentado por aqueles que não precisam trabalhar, aqueles que têm tempo disponível para ficar uma hora fila da bilheteria e mais trinta minutos para entrar na sala de projeção.
Se isso é a democratização do cinema, que não se questione o império dos Shoppings centers!
Porém, ainda que o público seja sempre o mesmo é inquestionável a importância de oferecer um cardápio variado de filmes. Desse modo, o Indie é uma oportunidade para presenciarmos os cinemas de outros rincões do mundo – embora, por razões óbvias, eu ache excessiva a concentração de filmes norte-americanos e franceses.
Mesmo depois de anos, o Indie é somente uma promessa, e cada vez mais difícil de se realizar. Há de se modificar essa situação, redimensionando o uso desse espaço de exibições fílmicas. Que os falsos entendidos sejam enxotados do Usina Unibanco de Cinema e do Cine Humberto Mauro.
Xô falsos entendidos! Seus all-stars multicores, seus trejeitos artificiais, seus brincos escandalosos, suas tatuagens, suas camisas irreverentes não são bem vindos! Abram espaço que o povo quer entrar!!
Casais gays hardcores, casais heteros metaleiros, punks, hippies, aspirantes a modelos, playboys, black-boys, japan-girls. Em suma, toda a galeria de alternativos de B.H reunidos em um mesmo lugar, unidos por um mesmo evento.
Claro, e entre eles eu. O sujeito normal, o servente de pedreiro, aquele que gasta uma hora e meia para chegar até o cinema.
A fila para a retirada dos ingressos é quilométrica e suas chances de não assistir a sessão não são pequenas. Até mesmo porque os fura-filas são a espécie mais abundante do local.
Indie: Mostra Mundial de Cinema. Não entendo. Festivais como esse, ao invés de popularizarem o cinema, afastam o público normal, que se sentem constrangidos em dividir o mesmo espaço com essa fauna belorizontina.
Passei horas na fila, ouvindo todo um rol e besteiras pseudo-intelectualóides e proto-pretensiosas. Era o rapaz que dizia ter assistido Bertoulucci na França e que a tradução em português seria incapaz de transmitir a “essência última” do diretor. Então que diabos ele fazia naquela fila? Roubando meu ingresso, com certeza.
Era a menina loira do cursinho pré-vestibular, preocupada em assistir filmes que falem da globalização, ou então o aprendiz de Martin Luther King reclamando a pouca presença de filmes sobre o gueto (observação: a jaqueta dele alimentaria uma família do “gueto” inteirinha...).
Eu também tenho um sonho! E nele esse povo é mudo.
Esse festival só é freqüentado por aqueles que não precisam trabalhar, aqueles que têm tempo disponível para ficar uma hora fila da bilheteria e mais trinta minutos para entrar na sala de projeção.
Se isso é a democratização do cinema, que não se questione o império dos Shoppings centers!
Porém, ainda que o público seja sempre o mesmo é inquestionável a importância de oferecer um cardápio variado de filmes. Desse modo, o Indie é uma oportunidade para presenciarmos os cinemas de outros rincões do mundo – embora, por razões óbvias, eu ache excessiva a concentração de filmes norte-americanos e franceses.
Mesmo depois de anos, o Indie é somente uma promessa, e cada vez mais difícil de se realizar. Há de se modificar essa situação, redimensionando o uso desse espaço de exibições fílmicas. Que os falsos entendidos sejam enxotados do Usina Unibanco de Cinema e do Cine Humberto Mauro.
Xô falsos entendidos! Seus all-stars multicores, seus trejeitos artificiais, seus brincos escandalosos, suas tatuagens, suas camisas irreverentes não são bem vindos! Abram espaço que o povo quer entrar!!
Assinar:
Postagens (Atom)