segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Restrospectiva 2024 - filmes assistidos

Com possíveis omissões e muitas redundâncias (os curtas enchem a lista) esses foram os filmes que eu assisti em 2024. Foi um ano de retorno à cinefilia. Espero explorar, em 2025, uma gama mais variada, inclusive o cinema brasileiro.

Total de filmes assistidos: 80.

Filmes vistos em 2024:

  • O Auto da Compadecida 2. De Guel Arraes e Flávia Lacerda, 2024.
  • Longlegs: vínculo mortal. Longlegs. De Oz Perkins, 2024.
  • Cuckoo. De Tilman Singer, 2024.
  • A armadilhaTrap. De M. Night Shyamalan, 2024.
  • Abigail. De Tyler Gillett e Matt Bettinelli-Olpin, 2024.
  • Desespero Profundo. No Way Up. De Claudio Fäh, 2024.
  • O dublê. The fallguy. De David Leitch, 2024.
  • Megatubarão 2. Meg 2: The Trench. De Ben Wheatley, 2023.
  • Jackpot: Loteria Mortal! Jackpot. De Camila José Donoso, 2023.
  • O jogo do elevador. Elevator game. De Rebekah McKendry, 2023.
  • Fale Comigo. Talk To Me. De Danny e Michael Philippou, 2023.
  • A Morte do Demônio: A Ascensão. Evil Dead Rise. De Lee Cronin, 2023.
  • A Avó. La Abuela. De Paco Plaza, 2023.
  • Os Vourdalak. Le Vourdalak. De Adrien Beau, 2023.
  • Tartarugas Ninjas: Caos MutanteTeenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem. De Jeff Rowe, 2023.
  • O homem dos Sonhos. Dream Scenario. De Kristoffer Borgli, 2023.
  • O mal que nos habita. Cuando acecha la maldad. De Demián Rugna, 2023.
  • O Protetor 3. The Equalizer 3. De Antoine Fuqua, 2023.
  • Não fale o mal. Speak no Evil. De Christian Tafdrup, 2022.
  • Na mente de um assassino em série. A Wounded Fawn. DeTravis Stevens, 2022.
  • O Chamado 4: Samara Ressurge. Sadako DX. De Hisashi Kimura, 2022.
  • Um Lugar SecretoJohn and the Hole. De Pascual Sisto, 2021.
  • Willy's Wonderland. De Kevin Lewis, 2021.
  • Retorno da Lenda. Old Henry. De Potsy Ponciroli, 2021.
  • Aloners. Honja Saneun Saramdeul. De Hong Sung-eun, 2021.
  • Benedetta. De Paul Verhoeven, 2021.
  • O Lobo de Snow Hollow. The Wolf of Snow HollowDe Jim Cummings, 2020.
  • 1BR – O apartamento. 1BR. De David Marmor, 2019.
  • Pequenos monstrosLittle monsters. De Abe Forsythe, 2019.
  • Limbo: Entre o céu e o inferno. Limbo. De Mark Young, 2019.
  • Hellraiser: Judgment. De Gary J. Tunnicliffe, 2018.
  • A freira. The Num. De Corin Hard, 2018.
  • VHS Viral. VHS Viral. De Justin Brooks, 2014.
  • Cadáver. The Possession of Hannah Grace. De Diederik Van Rooijen, 2018.
  • O Protetor 2. The Equalizer 2. De Antoine Fuqua, 2018.
  • Shin Gojira. Shin Gojira. De Hideaki Anno, 2016.
  • O chamado vs. o grito. Sadako vs. Kayako. De Kōji Shiraishi, 2016.
  • O Regresso. The Renevant. De Alejandro Gonzáles Iñárritu, 2015.
  • Garota sombria que anda a noite. A Girl Walks Home Alone at Night. De Ana Lily Amirpour, 2014.
  • O Protetor. The Equalizer. De Antoine Fuqua, 2014.
  • Jogos de Apocalipse. After the Dark. De John Huddls, 2013.
  • Senhorita Zumbi. Miss Zombie. De Yoshiki Kumazawa e Satake Kazumi, 2013.
  • 30 dias de noite. 30 Days of Night. De David Slade, 2007.
  • Madrugada dos Mortos. Dawn of the Dead. De Zack Snyder, 2004.
  • O Monge à Prova de Balas. The Bulletproof Monk. De Paul Hunter, 2003.
  • O Albino Noi. Noi Albínói. De Dagur Kári, 2003. 
  • O Carteiro nas Montanhas. Nàshān nàrén nàgǒu. De Huo Jianqi, 1999.
  • Jurassic Park - O Parque dos Dinossauros. Jurassic Park. De Steven Spielberg, 1993.
  • Visions of ecstasy. De Nigel Wingrove, 1989.
  • A maldição dos Mortos-Vivos. The Serpent and the Rainbow. De Wes Craven, 1988.
  • Silverado. Silverado. De Lawrence Kasdan, 1985.
  • Cavaleiros de açoKnightriders. De George Romero, 1981.
  • Vestida para matar. Dressed to kill. De Brian de Palma, 1980.
  • Apocalypse Now: Final Cut. De Francis Ford Copolla, 1979.
  • Duelo de Gigantes. The Misouri Breaks.De Arthur Penn, 1976.
  • As Troianas. The Trojan Women. De Michael Cacoyannis, 1971.
  • Os palhaços. I clown. De Frederico Fellini, 1970.
  • O garoto Toshio. Shōnen. De Nagisa Oshima, 1969.
  • O Vale do Gwangi. The Valley of Gwangi. De Jim O'Connolly, 1969.
  • A negra de... La noire de... França-Senegal. De Ousmane Sembène, 1966.
  • Elegia da briga. Kenka erejii. De Seijun Suzuki, 1966.
  • Cléo das 5 às 7. Cléo de 5 à 7. De Agnès Varda, 1962.
  • Cavalgada Trágica. Comanche Station. De Budd Boetticher, 1960.
  • O homem do Oeste. Man of the West. De Anthony Mann, 1958.
  • O Fantasma de Mora Tau. Zombies of Mora Tau. De Edward L. Cahn, 1957. 
  • A 7ª Cavalaria. Seventh Cavalry. De Joseph H. Lewis, 1956.
  • Noites de circo. Sawdust and Tinsel. De Ingmar Bergman, 1953.
  • Luzes da Ribalta. Limelight. De Charles Chaplin, 1952.
  • O Padre Voador. The Flying Padre. De Stanley Kubrick, 1951.
  • O baile na casa Anjo. Anjo no Yakata. De Kōzaburō Yoshimura, 1947.
  • Vítimas da Tormenta. Sciuscià. De Vittorio De Sica, 1946.
  • O Proscrito. The Outlaw. De Howard Hughes, 1943.
  • A Haunting We Will Go. De Burt Gillet, 1939.
  • Popeye. Blow me down. De Dave Fleischer, 1933.
  • The Skeleton Dance. De Walt Disney, 1929.
  • Hell’s Bells. De Ub Iwerks, 1929.
  • The Haunted Dance. De Walt Disney, 1929.
  • O Homem que Ri. The Man Who Laughs. De Paul Leni, 1928.
  • A morte cansada. Der müde Tod. De Fritz Lang, 1921.
  • One Week. De Buster Keaton, 1920.

Megatubarão 2/Meg 2

Megatubarão 2. Meg 2: The Trench. De Ben Wheatley, 2023.

Filme com apelo comercial, a começar por contar com Jason Statham no elenco, o último dos moicanos dos filmes de ação. Megatubarão 2 é um híbrido: um pouco de catástrofe, um pouco de monstruosidade e umas doses exageradas de humor. Uma equipe de exploração desce até fossas subaquáticas nas quais ainda existem animais pré-históricos. Lá, sob intensa pressão da água (situação que o roteiro vai lembrar e esquecer conforme conveniência) os exploradores encontram uma estação de mineração clandestina.

As premissas que sustentam o filme dispensam maiores comentários, naturalmente. O plot descarta, também, a verossimilhança recuperando a despretensão criativa dos anos noventa. Naqueles tempos tudo era pretexto para dar ribalta ao mocinho com seus dotes físicos invejáveis e a sua perícia formidável. A narrativa, no entanto, custa a chegar a esse ponto, mostrando-se inicialmente muito mais séria do que necessário. A primeira parte é de claustrofobia com a tripulação dos submarinos presa entre tubarões pré-históricos e mineradores assassinos. Os ângulos de câmera fechados e a baixa iluminação sugerem situações de risco iminente, confirmadas pela morte de membros da equipe.

Durante boa parte do tempo, a Dona Morte parece pegar leve com o núcleo de personagens principal. Jonas Taylor, o herói interpretado por Statham, sua filha Meiying e seu cunhado Jiuming Zhang enfrentarão as criaturas marinhas, os criminosos e as traições internas no grupo. Meiying é uma jovem de 14 anos clandestinamente embarcada na  expedição, aumentando a sensação de urgência. Já o arrojado explorador Zhang, tio da menina, acredita ser possível “domesticar” os megatuberaões. Ele corre tantos riscos quanto Taylor. Durante os primeiros sessenta minutos, o filme segue essa toada colocando dilemas e riscos para os personagens. Na outra metade, porém, quando já estão na superfície o trilher levemente inspirado na ficção científica cede lugar à comédia de ação.

Planos abertos, micronarrativas com efeito cômico, fotografia limpa e bem iluminada destoam do primeiro arco, no qual a tensão estava presente. A própria necessidade de autossacrifício, inicialmente uma possibilidade, torna-se motiva de joça e piada entre os personagens. A segunda metade peca por introduzir desafios simultâneos, reduzindo a importância dos tubarões na trama. Ao emergirem à superfície eles arrastam consigo toda uma fauna aquática, incluindo um polvo gigante e alguns monstros que remetem às criaturas de Jurassic Park. Porém toda a tensão do arco anterior já está perdida.

Essa mudança no foco narrativo pode ser percebida, por exemplo, nas imagens idílias do resort para onde os monstros estão a se deslocar. As cenas das pessoas nadando, tomando drinks ou se apaixonando tem o efeito de preparar o espectador pela carnificina que se seguirá. Mas o efeito não é o de suspense e sim o de comicidade. De fato, como comédia de ação o filme funciona bem, mas para isso ele precisa deixar o drama e a tensão no fundo do mar.

A contraposição entre os defensores e os saqueadores da natureza mostra-se pífia, é um ponto do roteiro que só é citado sem qualquer desenvolvimento. Os exploradores mostram-se interessados em proteger a natureza, mas ao mesmo tempo mantém um megatubarão em cativeiro. E não fica claro porque a mineração naquela região seria ilegal, possivelmente por causa dos megas, mas isso é abordado de forma superficial. Esse parece ser o principal problema do filme: um excesso de temáticas e elementos, todos abordados de forma superficial. Isso resulta em sequências de ações dinâmicas, mas com pouco foco no que é relevante. Com os atos finais tal problema é intensificado. Os tubarões, sempre citados como as ameaças, ocupam um lugar pequeno, embora não desprezível, nos eventos.

O destaque reduzido dado aos tubarões vai de encontro às atuais produções de monstros. Filmes da já citada franquia Jurassic Park e de outros como Godzilla e King Kong, além do próprio subgênero dos megatubarões assassinos, sugerem que essa temática está em alta. No filme, os tubarões são o perigo de fundo, um background sem a consistência necessária para ocupar o plano principal. Com dificuldade em eleger “o inimigo” a narrativa alterna entre vários antagonistas até lembrar-se dos tubarões, mas nesse ponto tudo está fatalmente reduzido a um filme genérico de ação.

O filme é capaz de fornecer um momento pipoca para os apreciadores de filmes de monstros, mas está aquém de outras produções, inclusive com uma produção e um estrelato inferiores.

Cotação: ☕☕

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O Fantasma de Mora Tau/Zombies of Mora Tau

O Fantasma de Mora TauZombies of Mora Tau. De Edward L. Cahn, 1957.

O filme se passa na África e enfoca o esforço de uma equipe de exploradores em recuperar um antigo tesouro subaquático guardado por zumbis. É um filme de horror comercial lançado pela Columbia Pictures com temática e estrutura de um “Filme B” dos anos 50. O Fantasma de Moura Tau é econômico na apresentação dos personagens e da trama. Ao retornar para a casa da avó, Jan tem notícias da incursão dos zumbis na região. Ao longo da trama envolve-se com os mergulhadores e se apaixona por um deles.

O Fantasma de Mora Tau nos ajuda a compreender como a figura do zumbi modificou-se ao longo dos anos. Até A Noite dos Mortos-Vivos de George Romero (1968) parece ter existido uma polissemia de significados acerca de tais criaturas. A forma de representar os zumbis em Mora Tau aproxima-se do “terror de catacumbas” revelando a influência das histórias e vampiro. Antes dos filmes de Romero, os zumbis eram pensados como ghouls, entidades espirituais ligadas a um corpo. Há diálogo com as narrativas de fantasmas e, em diferentes momentos, os personagens precisam entrar em um mausoléu a fim de salvar vítimas (mulheres) dos mortos-vivos. Embora os monstros tenham uma dimensão corpórea, eles também se comportam como fantasmas.

O enredo busca transpor o espectador para uma região desconhecida e misteriosa. No entanto, a cultura africana não é abordada. Há referências despropositadas ao vodu que, diga-se de passagem, não consiste em uma prática africana, mas caribenha. O argumento de uma enseada na “África exótica” é o argumento inicial da história revelando um olhar colonialista ao representar o “Velho Mundo” como uma região na qual coisas absurdas e inexplicáveis acontecem. A narrativa segue o ponto de vista dos colonizadores brancos sem contatos ou menções aos povos nativos. É uma África sem africanos e com a memória apenas dos expedicionários que por ali passaram em busca dos diamantes.

O núcleo dos personagens divide-se entre os moradores locais, a Senhora Peters e sua neta Jan e os exploradores, com destaque para o capitão Harrison, sua esposa Mona e Jeff, o mergulhador responsável por retirar as joias o mar. Os antagonistas são os antigos marinheiros perecidos nos intentos anteriores, como assombrações mostram-se implacáveis. Possuem, de fato, semelhanças com os mortos-vivos de White Zombie (1932). Não são seres maus, mas não podem ter o descanso enquanto a maldição não for quebrada.

A construção da narrativa é trivial, como uma ghost story as situações são previsíveis. O desfecho para a personagem Mona, por exemplo, era esperado, afinal, uma mulher de moral ambígua nos anos cinquenta não poderia ir muito longe. Ela compete com Jan pela atenção do mergulhador chegando a beijá-lo na frente de seu marido. Em um outro polo, representando a conduta da esposa ideal, está a viúva Senhora Peters. Desejosa de libertar o marido da malidção zumbi, ela é a única com clareza da situação.

A relação com os cenários é esquemática. Os acontecimentos desenrolam-se na casa da Senhora Peters, na floresta ou no barco. As cenas dentro do oceano (cenários) não são amadoras, mas exalam o terror comercial do estúdio Colúmbia Pictures. O cenário revela um olhar sobre a alteridade, ou seja, como o outro é visto na perspectiva do ocidental. No caso, o outro é a própria África, afinal das contas, onde estaria esse lugarzinho chamado Mora Tau? O que temos aí não é o umbral entre a vida e a morte, mas o eterno retorno à região do ignoto.

O ignoto pode ser entendido como a terra distante e misteriosa. Há inclusive um tipo de romantização identificada na fala de Jan ao perceber que as estradas locais continuam abandonadas. Parece ser um lugar parado do tempo em conexão com forças antigas. O fracasso dos europeus revela um ambiente inóspito ao homem branco e, mesmo assim, há o fascínio por um região longínqua, onde a sexualidade reprimida das personagens femininas encontra algum tipo de vasão.

Mesmo para um cinema de entretenimento de curto fôlego, a mise-en-scène deixa muito a desejar: há o barco naufragado, o cemitério dos colonos europeus e só. As selvas são bem comportadas, não há animais por lá. Ora vejam, um filme na África sem leões! Tudo é muito superficial, e talvez o maior atrativo seja o próprio título chamativo. Mora Tau desperta a curiosidade, a habitação do diferente, ambiente desconhecido e inexplorado e, por isso, desejado.

Essess zumbis são o típico monstro dos anos cinquenta na forma de assombrações cobertas de algas marinhas avistadas nas estruturas tumulares, na praia ou debaixo d’água. Apesar das limitações da produção, o esforço de compreensão crítica do filme ajuda a entender as distintas representações dos mortos-vivos no cinema. Nos filmes, por vezes são representados como criaturas cadavéricas em decomposição e interessadas em alimentarem-se dos vivos, mas também podem ser vistas como almas penadas. De qualquer forma são eficazes para revelar os desejos reprimidos externados somente em um mundo distante da civilização.

Cotação: ☕☕

Filme assistido em 23 de dezembro de 2024.