Vestida para matar (Dressed to kill), 1980. De Brian de Palma
Com
uma apropriação muito pessoal de Psicose, Brian de Palma brinca em ser Hitchcock.
A história do assassinato de uma mulher de alta classe permite a reelaboração
do suspense em suas linhas clássicas, porém com os recursos narrativos do
cinema erótico e da produção televisiva.
Vestida
para matar segue, de fato, as trilhas de Psicose. Há, inicialmente,
a desconstrução do protagonismo: quem pensamos ser a personagem principal morre
no primeiro arco. Além disso, o psiquiatra (interpretado por Michael Caine)
carrega em si uma dualidade similar ao do personagem Norman Bates, o
contraponto mais evidente é entre o médico e o monstro. O assassinato de Kate
Miller (paciente do médico) resulta de uma pulsão sexual não resolvida sugerindo
a morbidez do voyerismo, isto é, no trabalho de escuta da paciente, o médico depara-se
com um desejo inconciliável com suas questões profundas.
A personagem Liz Blake precisa provar a inocência: estar no lugar errado na hora errada é, também, um tema hitchcockiano. Acusada de assassinato, Liz procura pistas e para isso necessita da boa vontade do psiquiatra. Ao longo da trama nos deparamos mais de uma vez com o tema do duplo, pois o Dr. Robert Elliott é tanto o médico quanto o transsexual inconformado com seu lado masculino dominante. Essa duplicidade empalidece diante do eremitério de Norman Bates, mas retrabalha adequadamente a noção de uma personalidade dividida em duas. A tensão entre culpa e desejo gera violência.
Brian
de Palma revela-se bem sucedido ao arrastar o tema da transexualidade para o
ambiente urbano, conferindo à cidade os atributos de acaso e de risco iminente. Na
multidão anônima, qualquer pessoa pode ser perigosa, mas a concretização dessa
experiência e a constatação de sua inevitabilidade acrescentam uma camada
de reflexão adicional que não havia em Psicose.
Cotação: ☕☕☕