domingo, 7 de abril de 2019

O retorno dos malditos


O retorno dos malditos
(The hills have eyes 2), 2007. De Martin Weisz.

Antes de ser fascista ou racista, trata-se de algo simplesmente americano, talvez eticamente incorreto, mas também mera expressão de mau gosto. Os americanos têm um apreço pelo freak, pelo estranho e anormal. Os circos de aberrações são tão americanos quanto a torta de maçã.

Há uma tradição literária e cinematográfica de qualidade “B” que mantém como tema principal a existência de monstros no coração da América. Lendas que partem de um fundo histórico real, pois no processo de colonização dos Estados Unidos, sobretudo com a expansão para o Oeste, muitas famílias ficaram isoladas nas novas terras ocupadas, sendo comuns os relatos de relações incestuosas e enlouquecimentos.

Visão construída pelo leste urbano e cosmopolita sobre o oeste provinciano. Muito antes de representar o preconceito contra os negros ou os mexicanos, prevalecia o senso de desvalorização do pobre branco, o caipira.

Em relação ao cinema podemos citar filmes como O massacre da serra elétrica (original e remake), O homem de Palha (original e remake), Viagem Maldita (original e remake), além do Padrasto, Pânico na Floresta, Rejeitados pelo Diabo e muitos outros. A mensagem em todos esses filmes é a mesma, fora das cidades, das rodovias principais, existem pequenos povoados, regidos por outra racionalidade que não a judaico-cristã.

Os mutantes canibais devoradores de pessoas incautas constituem personagens recorrentemente visitados, temática muito coerente com as tendências eugenistas que permearam a história intelectual dos Estados Unidos. Acontece uma equivalência entre a deformidade física e a mental, com clara sugestão de que aqueles que não possuem a simetria bilateral, a pele clara, os olhos azuis, os cabelos loiros e lisos estão singularmente predispostos à brutalidade. Em suma, o monstro é o não branco.

Portanto, O retorno dos malditos, continuação do remake de um clássico faz parte dessa tradição, você pode até não gostar, mas deve entender sua proposta e situá-la no cinema de terror/horror americano. Pesa contra este filme, especificamente um tom proto-fascista indisfarçável, uma imbecilidade profunda no roteiro e a total incapacidade de criar empatia com o público.

O mais estúpido pelotão em treinamento de todo o exército americano (sendo mais preciso, da Guarda Nacional) vai parar nas colinas onde existe uma família canibal. Com coletes, capacetes, fuzis, e outras bugigangas militares, esses soldados conseguem levar uma inexplicável surra dos mutantes assassinos do mau das trevas.

Inexplicável em termos, pois quando conhecemos os integrantes tudo fica claro... O pseudo protagonista é um soldado magricela que é pacifista, há um baixinho latino esquentadinho, um negro bom de briga meio sinistro, uma loira gostosa que não sei o que está fazendo nas Forças Armadas e uma latina idiota que no meio do território inimigo vai sozinha atrás da pedra fazer um xixizinho toda despreocupada.

Ah me poupa, se eu chamar os moleques da minha rua organizo um pelotão melhor.

O único que tinha um pouco de habilidade era o sargento, mas que, na primeira oportunidade, foi fuzilado acidentalmente por um dos seus próprios soldados – maneira preguiçosa e chinfrim que o roteirista achou de deixar a situação mais cabeluda para os pobres recrutas. No mais o filme é a representação da deformidade como mal, o elogio do branco americano e demonstração da incrível incapacidade dos militares americanos.

Território inimigo, desconhecido, cheio de crateras, montanhas, relevo acidentado. Os soldados decidem se dividir em pequenos grupos (de certo para facilitar a ação dos seus captores), param, conversam, colocam as armas ao lado, discutem uns com os outros, enfiam as cabeças nos buracos. Seria mais previdente brincarem de roleta russa.

Um soldado branco, uma soldada loira, um subsoldado latino, um subsoldado negro. Acontece um incidente e se forma uma dupla e um casal... quem fica com quem?
Quem morre: o casal ou a dupla? Quem sofre na mão dos algozes, a linda moça loira ou a moça latina? Viram, é disso que estou falando...

Dá preguiça.

Cotação: Péssimo.


domingo, 28 de maio de 2017

War Machine




War Machine, 2017. EUA. De David Michôd.

Conforme dito no texto inaugural da temporada de críticas 2017, há algumas recorrências que pretendo discutir nesse blog.

Um elemento a ser problematizado é o progressivo enfraquecimento da comédia como elogio ao absurdo. O rareamento dos talentos cômicos faz parte de um processo mais amplo que vê na comédia cinematográfica a mera sequência de situações triviais ao estilo de esquetes bem comportadas. Ao deixar de tematizar o absurdo da vida moderna, o humor explosivo e audacioso do gênero desmanchou-se em road movies alusivos à harmonia familiar ou ao encontro com o “eu” interior.

Nesse sentido, cabem méritos ao War Machine, produção Netflix, capaz de tematizar o absurdo da guerra moderna em suas diversas dimensões, inclusive a midiática. O general Glen (Brad Pitt) com sua obtusidade é a representação perfeita dos Estados Unidos da América: incontestável, mas ao mesmo tempo, patético, belicista e narcisista. O garoto entusiasmado com o falo.

Glen se presta ao controle das forças militares no Afeganistão, tentando levar democracia e outras benesses ocidentais. Porém, em função da xenofobia ianque, os afegãos sempre aparecem como insurgentes e inimigos, impossibilitando as tropas e o alto comando de fornecer alguma ajuda efetiva. O general tem a percepção desse problema, mas ele não se furta à possibilidade da glória militar, incluindo a participação nos meios de comunicação.

Glen é o novo Patton, porém menos trágico e complexo. Trata-se de um filme com um personagem só; a interpretação de Brad Pitt segura a produção ao criar uma caricatura arrogante, determinada e cheias de boas intenções (mas sem efeitos práticos). Ao fim e ao cabo, Glen é mais um generaleco interessado em arrancar 15 minutos de fama.

Bem Kinsgley, fazendo o papel de um líder títere do Afeganistão, também é uma boa escalação. Presidente Karzai sabe o exato significado da “proteção” (invasão!) americana...

A crítica é contundente, mas falta humor. Com uma proposta semelhante, Queime depois de ler (2008) dos irmãos Cohen elaborou um cotidiano da CIA no qual o viés absurdo e paranoico estava bem impresso na narrativa, tratando-se, portanto, de uma comédia mais eficiente. De qualquer forma, War Machine é uma chamada à reflexão, uma lembrança de que o exército americano não é uma equipe de super-heróis com a missão de patrulhar o mundo. Mesmo que eles pensem o contrário.

Cotação: Bom.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Alien Covenant


Alien Covenant, 2017. EUA. De Ridley Scott

Conforme dito no texto inaugural da temporada de críticas 2017 há algumas recorrências que pretendo discutir nesse blog.

Um dos aspectos a serem tematizados é o “empoderamento feminino” transformado em paradigma de Hollywood. Trata-se do corolário político (derrotado) de Hillary Clinton como uma boa pedida. Significa, por outro lado, uma castração do elemento masculino, pois os personagens do sexo neo-frágil são fracos e desinteressantes.

De fato, há uma galeria de homens incapazes de agir racionalmente. O novo capitão da nave, “homem dotado de fé”, é o melhor exemplo... Quantas saudades de um Kirk ou mesmo um Picard. Vários personagens descartáveis, incluindo as femininas, povoam a narrativa esperando o momento certo de cair nas garras dos bichões espaciais (outrora considerados inspirações de imagens fálicas). O destaque fica para a ativa cientista Daniels (interpretada por Katherine Waterston) e os “sintéticos” (androides) David e Walter interpretados por Michael Fassbender.

Os aliens são um mero pretexto para que possamos acompanhar as desventuras de uma nave por esse sertão galáctico e o verdadeiro antagonista esconde-se no masculino arrogante com as suas criações artificiais. No entanto, é difícil compreender como exploradores espaciais podem ser tão amadores, dando-se ao luxo de agir pela fé, pela raiva e pelo impulso. Assim, cabe ao logos feminino a premência de contornar um amontoado de disparates.

Daniels é vítima da vez, não obstante seu protagonismo. As criaturas alienígenas são brutais, mas apenas isso. Nessa “franquia” há pouco espaço para o otimismo e não deixa de ser curioso que em ambiente vasto (um planeta) prevaleça o ângulo claustrofóbico.

Mesmo assim, o terror não se firma e a heroína percorre sua trajetória com um vigor desperdiçado.

Cotação: ☕☕