terça-feira, 29 de julho de 2008

Batman – o cavaleiro das trevas


Batman – o cavaleiro das trevas (The Dark Knight), 2008. EUA. Warner Bros. Pictures / Legendary Pictures / DC Comics / Syncopy. De Christopher Nolan

Homem de preto, qual é sua missão? Encher a sala do cinema, arrecadar mais de milhão!”

Um filme bruto, parece ter sido roteirizado, dirigido e produzido por uma cúpula militar, não há qualquer sutileza, inteligência ou meias palavras. Tudo tem que ser explícito. A mais pura pirotecnia.

Documento importantíssimo para entendermos o pensamento reacionário contemporâneo, pois Batman nada mais é do que o Capitão Nascimento com um cartão de crédito ilimitado. Um genuíno cidadão americano (típico, diria), isso com certeza. Como todo os mocinhos deste filme, o homem morcego se acha no direito de quebrar as leis, seja buscando criminosos em outros países, torturando suspeitos ou disseminando escutas telefônicas.


[Imagens acima: O sagrado direito de tortura. Em Gothan, o insano agride o insano | Em Abughribnv o terrorista tortura o “terrorista”]

Alguns espertinhos ainda podem tentar justificar através do argumento de que Batman representa o “lado negro da América”. Mentira, representa só o lado patético, autoritário e medíocre. Não há qualquer dimensão humana no filme, os dois principais personagens – o menino de capa preta e o menino de maquiagem – não são humanos, mas simplesmente máquinas de destruição, a diferença é que um acredita na lei e na ordem (pela segurança tudo vale a pena!) e outro ama o caos (esse pelo menos resvala em certa sinceridade do militarismo americano).

Uma cidade que precisa de um justiceiro com roupas de estilo duvidoso não merece ser levada a sério – convenhamos Sr. Bruce Wayne, nos anos 80 o modelito preto era cool, agora só cai bem se você tiver 16 anos e uma tendência suicida. A armadura que esconde o milionário é quase alegórica, pois ela cria uma nova estética, que protege e defende, mas desumaniza e elimina a flexibilidade e capacidade de interagir com o mundo. Conserta-se a sociedade com repressão extrema a criminalidade e é só – o fato dos trânsfugas serem estrangeiros auxilia muito, diga-se de passagem...

A república romana nos legou o direito e a convicção de que não se é sensato torturar um prisioneiro. Mas parece que a nova (que na verdade é bem velha) geração de Rambos não foi informada sobre esses protocolos legalistas. O discurso gira em torno das balelas usuais, o bem coletivo se sobrepõe aos individuais, e quem decide isso é um mega-magnata que nas horas livres brinca de consertar o mundo através de sopapos.

A estética do filme tende para um realismo doentio, um esforço para nos persuadir de que a ficção e a realidade se equiparam. Nesse sentido a fotografia é eficiente, as explosões, as feridas no rosto do promotor (aliás, nosso Cícero contemporâneo) são convincentes e geram uma tensão permanente no público.


[Imagens acima: Qual imagem é real? Qual é ficcional? O nascimento do Duas Caras e a vitima dos Batmen contemporâneos]

Infelizmente Heath Ledger será lembrado por sua última atuação como o Coringa, e por causa da sua morte alguns querem ver genialidade em sua atuação. Que os mortos descansem em paz, mas histrionismo não é razão para destaque notório, e da representação pura da maldade o cinema americano está cheio. Aliás, o Coringa de Ledger é bem menos elegante que o de Jack Nicholson, pois este último ainda tinha uns arroubos poéticos.

Mas entre Tim Burton e Christopher Nolan há um mundo de diferenças. Enquanto um tende para o film o outro tende para o movie – embora, em última instância, ambos tenham sido bem acolhidos nos cinemas da América e do restante do mundo.

Enquanto Batman (des) protege Gothan, incentivando o aparecimento de uma variada fauna de insanos, o restante do globo ressente o excesso de justiceiros, que estão por aí a solta, levando uma ordem bem sui generis para rincões do mundo não branco...

Pois que Capitão Nascimento pode subir a favela e matar os crioulos.

Pois que Batman pode flanar pelos ares em busca dos chinas criminosos.

Pois que the american civilization white pode capturar o Coringa Hussein ou sair às caças do Duas Caras Laden.

Há uma coerência... cabe decidir se ela é implícita ou tácita.


Observação: imagens de torturas a prisioneiros retiradas de http://antidireitaportuguesa.blogspot.com/

Cotação: péssimo

10


10 (Ten), 2002. Irã/França. Abbas Kiarostami Productions. De Abbas Kiarostami

1ª Observação

Um dia, os americanos descobrirão o cinema iraniano. Esse será um bom dia para nós ocidentais, que teremos um novo fluxo de originalidade no cinema comercial. Claro que será uma adaptação, algo similar com o que vem ocorrendo com o cinema japonês. Mas indubitavelmente as produções iranianas possuem uma vitalidade que nos fazem falta.

2ª Observação

Ver filmes de países pouco conhecidos por nós, é uma oportunidade para confrontar nossos preconceitos e estereótipos com as auto-representações contidas nessas produções.

Em 10, percebemos que o cotidiano da sociedade iraniana não é muita diferente da nossa. Claro que eu não estou considerando esse filme como a revelação de uma verdade até então desconhecida. Mas não deixa de ser surpreendente vemos uma mulher iraniana falando de adultério, direito das mulheres, vida afetiva e problemas com os filhos.

A questão não é se estamos tendo acesso a uma verdade, mas sim que esse filme permite reconhecer em povos – que julgamos distantes – vidas e cotidianos muito próximos ao nosso. O cinema criando identidades culturais que transcende ao local.

3ª Observação

O filme se passa dentro de um carro, acompanhamos uma motorista que, ao longo da projeção, dá carona para várias pessoas. A partir do diálogo entabulado entre elas, vamos conhecendo algumas práticas e aspectos da sociedade iraniana.

Essa estrutura, embora original e bem trabalhada, é cansativa e acaba dispersando a atenção do espectador. A ausência de uma trama definida impede que o “efeito de realidade” seja maior, isto é, não embarcamos completamente na história.

Um filme dirigido não para a emoção ou o alheamento da realidade, mas sim para a reflexão e a ponderação.

Sem cotação

Um toque de rosa


Um toque de rosa, (Touch of Pink), 2004. Canadá. Sienna Films Inc. / Martin Pope Productions. De Ian Iqbal Rachid

Filme inteligente, embora resvale nos lugares comuns de filmes sobre homossexuais e casamentos “arranjados”.

Nesse filme temos a história do indiano Alim, um homossexual que tem como amigo imaginário ninguém menos que o espírito de Cary Crant. Alim, embora criado no Canadá, vive na Inglaterra, com seu namorado, Giles

A mãe de Alim, interpretada pela bela Suleka Mathew, sem saber da opção sexual do filho, quer que ele se case a qualquer custo. É dentro desse contexto para lá de batido que a história se desenvolve. Lembrei inclusive de Banquete de Casamento, dirigido por Ang Lee, que tem uma temática similar.

Um toque de rosa não é uma produção americana, mas sim canadense e inglesa, o que talvez tenha contribuído para umas cenas mais ousadas (se usarmos como parâmetros as produções hollywoodianas).

Os clichês estão presentes. Alguns estereótipos (não ofensivos, é importante frisar) sobre os gays, porém o que chega a ser incômodo é o lugar comum de contrapor culturas tradicionalistas (no caso os indianos) versus mundo moderno (ocidente, Inglaterra etc). A família de Alim se preocupa muito com as tradições, esquecendo o que seus membros realmente desejam. Solidariedade orgânica? Talvez.

Mas o filme é agradável, pouco humor, interpretações simples mais comedidas. Noru, mãe de Alim, é sem dúvida o segundo maior atrativo do filme.

O primeiro atrativo fica, sem pestanejar, para o fantasma de Cary Grant (interpretado por Kyle MacLachlan), vaidoso, convencido, levemente arrogante, seguro de si. Na verdade Alim projeta tudo o que deseja ser em seu amigo imaginário.

Alim é inseguro, sendo inclusive um pouco chato com suas indecisões. Falta a ele o arrojo de seu mentor imaginário, que vai a uma festa indiana vestido de Livingstone.

Sem cotação