quarta-feira, 16 de julho de 2008
Kung Fu Panda
Kung Fu Panda, 2008. EUA. DreamWorks Animation / Pacific Data Images. De Mark Osborne e John Stevenson
Dizia-se, antigamente, das normalistas de 16 anos que, quando introduzidas na arte da culinária, faziam uma comida bem feitinha, mas sem sal, sem sabor. Faltava a elas o segredo daquelas cozinheiras que passaram a vida toda no fogão.
Isso é o que pode ser dito sobre Kung Fu Panda, filme tecnicamente bem feitinho, mas sem sabor. Tudo nele parecer ser resultado de técnicas computacionais, não só as imagens, mas também o roteiro e a direção. Talvez já haja um software capaz criar um filme, do argumento ao produto final, você digita as palavras chaves, tais como:
urso | kung fu | aceitação social | superar desafios | derrotar vilão
E o resultado seria Kung Fu Panda...
O urso gordo que sonha ser um grande lutador, por um acaso ele é selecionado para um rigoroso treinamento, sendo recusado por todos e tido como alvo preferencial de deboches. Porém ele acaba por descobrir seu valor e suas supostas fraquezas se revelam o grande trunfo, o único capaz de derrotar o vilão arrogante em busca do poder supremo, mas desabilitado a perceber as pequenas belezas e sutilezas da vida.
No decorrer do filme todos nós aprendemos uma lição, tal como “seja você mesmo” ou “não desista dos seus sonhos”. Porém, tal qual o urso do filme eu sou preguiçoso e sempre esqueço esses brilhantes ensinamentos; aliás, por isso mesmo eu retorno às salas de projeção para assistir essas animações.
Uma historinha engraçada, mas sem ousadia, as próprias cenas de combate são reduzidas, isso porque a censura tem que ser livre. Quanto aos personagens, o destaque fica para a tartaruga, guerreiro supremo e detentor de segredos milenares, mas que, como em todo filme de kung fu que se preze, por alguma razão não toma partido na luta final.
Assim como no filme há um ensinamento secreto para se tornar um grande mestre ou o ingrediente secreto para se tornar o grande cozinheiro, talvez haja o macete secreto para se fazer um grande filme. Aliás, não é nem tão secreto assim, todas aquelas animações insanas dos anos 30 e 40 o conheciam.
É só não acreditar que o software resolve tudo, que a animação 3D é a resposta infalível. A subjetividade e a inteligência ainda têm um papel no cinema, pequenino, mas existente. As cozinheiras velhas sabem disso.
Cotação: fraco
As Damas de Ferro
As Damas de Ferro (Satree lek), 2000. Tailândia. Tai Entertainment. De Youngyooth Thongkonthun
Definitivamente torcemos pelos mais fracos, pelas minorias. Por isso Jerry sempre ganha, enquanto Tom leva a breca. Frajola coitado, já cansou de perder para Piu-piu e Ligeirinho. Assim por diante...
Por isso um filme que fala sobre jogadores de vôlei talentosos que não podem entrar em times pelo fato de serem homossexuais tem tudo para conquistar nossa simpatia. Falo do filme tailandês As Damas de Ferro, que inclusive é baseado em "fatos reais".
A história narra a trajetória de um time de homossexuais e travestis no campeonato nacional da Tailândia. Possuem vários personagens interessantes, como "búfalo gay", um integrante do exército e Pia, uma belíssima drag queen, que consegue chamar atenção até mesmo dos homens. Porém o destaque são para os personagens Mong e Jung, dois talentosos jogadores. Também há a treinadora Bee (lésbica) e um único jogador hetero do time, que se por um lado tenta aceitar os outros integrantes, sente-se incomodado com as suas futilidades (como o excesso de maquiagem nos jogos).
O filme até que é engraçadinho, sem falar que, em termos éticos, é um filme sobre tolerância. Em outras palavras, até que gostei, embora haja uma série de problemas. O que eu vou falar agora dói... mas esse é um filme que deveria ser produzido por Hollywood (como sou vendido!).
Faltou um roteiro e uma trilha musical hollywoodiana para uma maior empatia com os personagens. Pois esse é o principal problema do filme, é espontâneo demais. Vejam bem, há um momento, mais do que previsível, que um dos dirigentes do campeonato nacional - um machista homófobo que folheia revistas com fotos de mulheres nuas - tenta impedir o time de jogar. Sua afirmação de que o time era composto de doentes é ouvido pela platéia inteira (na qual se encontravam presentes vários homossexuais e drag queens). O público incomodado com a declaração começa a gritar o nome do time. Se fosse um filme americano ouviríamos uma música lacrimejante, enquanto a câmera focalizaria o rosto enternecido dos jogadores e o apoio incondicional do público. Não resistiríamos e diríamos: "deixem as garotas em paz, elas só querem jogar".
Mas nada disso acontece... que pena...
O roteiro é muito simples, assim como a trilha sonora e a fotografia. Há algumas referências ao cinema americano mais do que gratuitas.
Cinema é manipulação. Ao assistir um filme nossos sentimentos devem ser manipulados (vide a última produção de Michael Moore), devemos ser conduzidos ao choro ou ao riso. Isso As Damas de Ferro não consegue. Naturalmente resultado de uma cinematografia incipiente, porém promissora.
Sem cotação
Observação: com esse texto começo a republicar as minhas mais antigas críticas, na medida do possível assistirei novamente aos filmes para ver se minha opinião mudou.
domingo, 13 de julho de 2008
Hancock
Hancock (Hancock), 2008. EUA. De Peter Berg.
Sexta-feira, região metropolitana de Belo Horizonte, estou em um Grande Shopping, na fila eu e mais uns tantos gatos pingados.
- Esqueci minha carterinha de estudante dona, digo temerosamente.
- Não tem problema, entra aí...
De fato, pensa a funcionária, antes meia-entrada do que nada... parece que o risco de falência flexibilizou critérios antes severamente cobrados. Há até uma poesia em um cinema que passa cópias dubladas de Hancock e cujas cadeiras são ocupadas por pequenos grupinhos de adolescentes em burburinhos que, no ápice dramático da projeção, pronunciam emocionadamente: “Pô véi, ele tá pedindo disculpa na humildade”...
Sim, John Hancock, interpretado por Will Smith, é alguém para os six-teen years se identificarem. Um herói bêbado que ameaça seus antagonistas com a frase: “Vou enfiar sua cabeça na bunda dele”; para o delírio do público, é claro.
Hancock é o Casablanca dos tempos atuais. Imaginem se Humprhey Bogart, ao invés de possuir um bar, tivesse poderes e saísse pela França desocupada executando ações mal-direcionadas de heroísmo. Durão, mas no fundo um sentimental. Novamente um triângulo amoroso mal resolvido e no qual a mulher – não importando a sua intrepidez – deixa as derradeiras decisões nas mãos dos homens.
Em suma, filme indeciso quanto ao seu gênero, pois, na primeira metade se apresenta como uma comédia, e nesse propósito até que é eficiente, mas nos atos finais passa a se levar a sério ressaltando algumas nuances dramáticas na pretensão de reviver as trajetórias dos heróis gregos. Falhas de roteiro a parte, a dificuldade de optar pela fábula ou pelo realismo fantástico se revela como o grande empecilho para a efetivação da proposta inicial (seja lá qual for!). O trabalho até que tem bons momentos, com atuação satisfatória de Smith que consegue transitar entre o burlesco e o trágico.
[Imagem acima: Humprhey Bogart e Ingrid Bergman, Will Smith e Charlize Theron - amores impossíveis. Caberá à figura masculina a decisão correta, pautada por uma ética sui generis]
Com desfecho conformista e chauvinista – viva a decisão masculina, a contenção das paixões, e o modelo convencional de família – os momentos finais eliminam toda e qualquer analogia com o drama ou a tragédia. O que resta é um otimismo meio bobo.
Mas para um filme dublado em um Shopping vazio e repleto de adolescentes, Hancock cumpre sua função: provoca as risadas, umedece as pálpebras e desperta nas novas gerações o reconhecimento da supremacia masculina e as benesses da fidelidade conjugal. Will Smith ensina que os brutos também amam.
Pedagogia cristã, a preços módicos e ao alcance de todos.
Cotação: Fraco
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