sábado, 14 de junho de 2008
Fim dos Tempos
Fim dos Tempos (The happening), 2008. EUA. De Nigth Shyamalan
Shyamalan decidiu mostrar que ele não é Steven Spielberg e que seu cinema passa muito longe da assepsia inaugurada pelos “filmes famílias”. Em seus atos iniciais Fim dos Tempos causa incômodo ao expectador, mostrando cenas de violência de um modo que o público médio está desacostumado. Em determinado momento um personagem liga um cortador de grama e deita ao chão, esperando ser dilacerado, achamos que a cena será subentendida, mas o cineasta faz questão de mostrar o trucido.
O enredo discorre sobre ondas de suicídio que estão varrendo as grandes e pequenas cidades do leste americano. Sem explicações aparentes, as pessoas assumem um estado de transe e passam a buscar formas violentas de se matarem. Em meio ao caos provocado por esses impulsos auto-destrutivos da sociedade, uma família genuinamente americana busca a segurança nas áreas não afetadas. Um itinerário batido, que em alguns momentos chega a nos lembrar o decepcionante Guerra dos Mundos (2005) ao revelar a impotência dos personagens em um contexto que lhes é hostil.
O pano de fundo aborda a questão da preservação do ambiente, os próprios protagonistas percebem as possíveis correlações entre a ação humana e a resposta da natureza. Raciocínio simplista e mecanicista, típico de um professor de ciências de uma High School, aliás, personagem principal do filme, interpretado por Mark Wahlberg. De qualquer forma cumpre o objetivo de fornecer uma pseudo explicação para o evento.
A principal debilidade do filme reside nas limitações das premissas, pois a narrativa se resigna a mostrar a fuga das multidões, focando em um grupo específico e, providencialmente, eliminando aqueles pobres personagens que só entraram na história para receberem uma morte violenta...
No ato final, surge uma nova personagem, acrescentando uma sub-trama completamente desnecessária que, inclusive, assemelha-se ao lunático de Guerra dos Mundos, interpretado por Tim Robbins. Trata-se da senhora Jones, uma eremita que dá abrigo aos fugitivos, relevando um comportamento imprevisível e ameaçador – aliás, por um momento receei que ela pudesse ser um fantasma (vide Sexto Sentido) ou então uma super-vilã (vide Corpo Fechado)... mas ela só aparece na história para dar uns sustos extras no público (a essa altura, já maçado pela ausência de novos happenings).
O desfecho tem o sabor de um anticlímax, sem apresentar um desafio final interessante e com uma resposta muito absurda para os problemas levantados ao longo da projeção. Depois de 70 minutos focados em um único grupo, parece coerente (para o expectador) aceitar que, se eles se safarem, o final pode ser considerado feliz, isto é, cai o pano sem maiores preocupações. A macro questão insinuada durante toda a narrativa – o alerta de Gaia contra o homem – se perde em meio a notícia final de uma gravidez. Temos um filme para a família e sobre a família, importa a preservação de alguns, o resto é desculpa, contextualização básica para as desventuras americanas.
Guerra dos Mundos, mas com um pitadinha de Shyamalan. Nada de mais, nada de menos.
Cotação: regular
O céu de Suely
O céu de Suely, 2006. Brasil. De Karim Aïnouz
Novamente somos levados ao interior do nordeste para presenciarmos uma história universal. Claro está que é nessa estrutura que reside o problema principal de O céu de Suely. O filme não consegue se decidir entre um viés etnográfico e uma perspectiva mais intimista.
O filme enfoca a personagem Hermila, que deixou seu marido em São Paulo para regressar à terra natal. Ela volta para a cidadezinha de Iguatu trazendo seu filho. Embora satisfeita com o retorno, Hermila desiste de suas perspectivas otimistas ao perceber que seu marido a abandonou. O sentimento de perda e a precariedade material de sua vida a conduz a um estado de depressão e um vazio muito grande.
Embora o filme consiga desenvolver essa premissa inicial, a direção muito rebuscada acabou por submergir os méritos dessa produção. A começar pela própria direção musical e efeitos sonoros.
No afã de criar um registro etnográfico do interior cearense, o filme captou todo o som ambiente; as personagens conversam e, ao fundo, escutamos o barulho da moto, dos vendedores, do rádio de música evangélica. Porém esse recurso acaba se revelando redundante, é uma persistência documental, que não contribui com o desenvolvimento do enredo. Parece que nesse momento o filme esquece de se colocar como ficção, tornando-se relato de um viajante – no caso o diretor Karim Aïnouz.
Se os efeitos sonoros acompanham o ambiente, a trilha musical já está mais próxima dos sentimentos de Hermila. Há inclusive uma música eletrônica tocada no filme que registra seu ritmo interno. Aliás, o mesmo pode ser dito sobre a direção de arte, que compôs interiores com tantos detalhes que serviram menos a trama e mais a essa tentação documentalista.
Regional ou universal? É um registro da vida no nordeste ou uma discussão sobre os conflitantes sentimentos de uma mulher? Algum espertinho pode argumentar que são as duas coisas, que essas opções não são excludentes e que exigir da produção uma opção como essa é simplesmente non sense. Mas se fosse assim – ao menos nesse caso – o filme seria mais consistente, com um enredo menos desinteressante para o expectador.
Hermila decide mais uma vez abandonar Iguatu, querendo ir para o lugar mais longe possível – um reflexo do seu distanciamento para com seu próprio mundo. Naquela realidade social representada no filme não há nenhum elemento que explicaria essa decisão, por isso o recurso aos “recônditos do coração” da personagem. A única maneira dela conseguir essa fuga é através de uma forma mais branda da prostituição. Ela decide rifar seu corpo, o vencedor teria “uma noite no paraíso” – aqui vemos uma caracterização regionalista de uma cidade pobre, sem muitas possibilidades de trabalho. Justamente o conectivo entre essas duas situações – o documentário e a ficção – que não é convincente.
Hermila, que em sua rifa adota o nome de Suely, passa a abordar os homens tentando vender seus bilhetes. No mais, o filme percorre itinerários com certa previsibilidade, as discussões com a avó, a vivência com a amiga e o conflito com o novo namorado.
Porém há momentos em que o filme sintetiza muito bem essas duas tendências (regional e universal). Como no momento em que ela percorre um estacionamento de caminhoneiro, a fugacidade da vida daqueles homens reflete seus sentimentos, momento no qual se inicia também sua exibição.
A personagem, em si, é interessante, uma deslocada que aplaca suas tristezas na fuga, sua esperança é encontrar um lugar vazio – sem referências do passado e expectativas para o futuro. Por isso em suas vestimentas sempre há algo em azul, a chuchuquinha do cabelo, o anel, o brinco, a blusa, o brinquedo do bebê. Azul por que remete ao celeste e, nas seqüências finais do filme, quando vemos o céu, compreendemos finalmente o que ele significa para a personagem. Em plano geral a vegetação típica local, um quase nada se comparado ao azul que se estende logo acima das mirradas árvores e vai ao infinito.
Assim novamente o universal e o regional se encontram, a conclusão se revela satisfatória e coerente, porém não consegue redimir o todo. Assim, O céu de Suely pode ser colocado em uma estante bem ao lado de Eu, tu, eles, na frente de Abril despedaçado, mas bem atrás de Central do Brasil, bem atrás.
Cotação: regular
terça-feira, 10 de junho de 2008
O diabo feito mulher
O diabo feito mulher (Rancho Notorious), 1952. EUA. De Fritz Lang
O diretor austríaco nos trás um filme original, bem ao gosto dos anos de ouro de Hollywood. Trata-se de um western amargo, com alguns momentos de humor e um ar de tragédia anunciada desde o primeiro momento.
Poucos dias antes de seu casamento, o honesto vaqueiro Verns Heskel recebe a notícia de que sua noiva foi assassinada por um bandido ao resistir aos seus assédios. Após perceber o desinteresse das autoridades pelo caso ele parte em busca da vingança, tendo como única pista a informação de que seu inimigo poderia estar em algum lugar chamado “Chuck-a-Luck”. Após meses de procura ele vem a saber que o local era uma fazenda destinada ao abrigo de foras da lei, comandada por Altar Keane (Marlene Dietrich).
O filme se envolve em um enredo marcado por um triângulo amoroso (entre Vern, Keane e o galante French), dissimulações, intrigas e muito rancor. As falas de Keane são as mais cruéis, embora o olhar frio e vingativo de Verns Heskel denuncie sua decisão inabalável em eliminar o assassino de sua amada, afastando-o da composição “ideal” do mocinho. Em alguns momentos é um western com pretensões a um drama shakespeareano, onde um mal entendido pode conduzir um inocente à morte. Aliás, nem tanto, já que todos os hóspedes da fazenda Chuk-a-Luck são criminosos notáveis.
Interessante que não há uma dicotomia clara entre os homens da lei e os vilões, tanto que o espectador pode se identificar com esses últimos. De qualquer forma o mundo da ordem ainda é a referência e na medida em que vemos Vern se afastar de sua antiga vida de fazendeiro, tornando-se um pistoleiro, percebemos que uma triste trajetória está a se concluir.
A personagem mais interessante, sem dúvida, é Altar Keane, uma mulher austera e vaidosa, ciente do seu declínio e decadência de sua beleza, mas mantendo sua feição orgulhosa. Não há lugar no western para as mulheres e, se ela sobrevive em tal meio, o preço a se pagar é alto. Antes uma dançarina de boate, agora uma fora da lei. Em sua face se percebe a tristeza, a resignação, mas a capacidade de resistir aos tempos, não importam quão difíceis sejam.
Um filme simples, mas inteligente, que surpreende pela ambigüidade moral dos personagens – os vilões possuem uma ética de grupo enquanto o herói usa de todos os meios para atingir seus objetivos. Contribuição de Fritz Lang ao gênero, conseguindo extrair do western uma narrativa mais melancólica do que o usual.
Cotação: bom
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