Mostrando postagens com marcador prostituição. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador prostituição. Mostrar todas as postagens

sábado, 14 de junho de 2008

O céu de Suely



O céu de Suely, 2006. Brasil. De Karim Aïnouz

Novamente somos levados ao interior do nordeste para presenciarmos uma história universal. Claro está que é nessa estrutura que reside o problema principal de O céu de Suely. O filme não consegue se decidir entre um viés etnográfico e uma perspectiva mais intimista.

O filme enfoca a personagem Hermila, que deixou seu marido em São Paulo para regressar à terra natal. Ela volta para a cidadezinha de Iguatu trazendo seu filho. Embora satisfeita com o retorno, Hermila desiste de suas perspectivas otimistas ao perceber que seu marido a abandonou. O sentimento de perda e a precariedade material de sua vida a conduz a um estado de depressão e um vazio muito grande.

Embora o filme consiga desenvolver essa premissa inicial, a direção muito rebuscada acabou por submergir os méritos dessa produção. A começar pela própria direção musical e efeitos sonoros.

No afã de criar um registro etnográfico do interior cearense, o filme captou todo o som ambiente; as personagens conversam e, ao fundo, escutamos o barulho da moto, dos vendedores, do rádio de música evangélica. Porém esse recurso acaba se revelando redundante, é uma persistência documental, que não contribui com o desenvolvimento do enredo. Parece que nesse momento o filme esquece de se colocar como ficção, tornando-se relato de um viajante – no caso o diretor Karim Aïnouz.

Se os efeitos sonoros acompanham o ambiente, a trilha musical já está mais próxima dos sentimentos de Hermila. Há inclusive uma música eletrônica tocada no filme que registra seu ritmo interno. Aliás, o mesmo pode ser dito sobre a direção de arte, que compôs interiores com tantos detalhes que serviram menos a trama e mais a essa tentação documentalista.

Regional ou universal? É um registro da vida no nordeste ou uma discussão sobre os conflitantes sentimentos de uma mulher? Algum espertinho pode argumentar que são as duas coisas, que essas opções não são excludentes e que exigir da produção uma opção como essa é simplesmente non sense. Mas se fosse assim – ao menos nesse caso – o filme seria mais consistente, com um enredo menos desinteressante para o expectador.

Hermila decide mais uma vez abandonar Iguatu, querendo ir para o lugar mais longe possível – um reflexo do seu distanciamento para com seu próprio mundo. Naquela realidade social representada no filme não há nenhum elemento que explicaria essa decisão, por isso o recurso aos “recônditos do coração” da personagem. A única maneira dela conseguir essa fuga é através de uma forma mais branda da prostituição. Ela decide rifar seu corpo, o vencedor teria “uma noite no paraíso” – aqui vemos uma caracterização regionalista de uma cidade pobre, sem muitas possibilidades de trabalho. Justamente o conectivo entre essas duas situações – o documentário e a ficção – que não é convincente.

Hermila, que em sua rifa adota o nome de Suely, passa a abordar os homens tentando vender seus bilhetes. No mais, o filme percorre itinerários com certa previsibilidade, as discussões com a avó, a vivência com a amiga e o conflito com o novo namorado.

Porém há momentos em que o filme sintetiza muito bem essas duas tendências (regional e universal). Como no momento em que ela percorre um estacionamento de caminhoneiro, a fugacidade da vida daqueles homens reflete seus sentimentos, momento no qual se inicia também sua exibição.

A personagem, em si, é interessante, uma deslocada que aplaca suas tristezas na fuga, sua esperança é encontrar um lugar vazio – sem referências do passado e expectativas para o futuro. Por isso em suas vestimentas sempre há algo em azul, a chuchuquinha do cabelo, o anel, o brinco, a blusa, o brinquedo do bebê. Azul por que remete ao celeste e, nas seqüências finais do filme, quando vemos o céu, compreendemos finalmente o que ele significa para a personagem. Em plano geral a vegetação típica local, um quase nada se comparado ao azul que se estende logo acima das mirradas árvores e vai ao infinito.

Assim novamente o universal e o regional se encontram, a conclusão se revela satisfatória e coerente, porém não consegue redimir o todo. Assim, O céu de Suely pode ser colocado em uma estante bem ao lado de Eu, tu, eles, na frente de Abril despedaçado, mas bem atrás de Central do Brasil, bem atrás.

Cotação: regular