quinta-feira, 3 de abril de 2008
Língua Assassina
Língua Assassina (Killer Tongue), 1997. E.U.A./Espanha (?). De Alberto Sciamma
Alguns filmes são tão ruins, mas tão ruins, que eles conseguem se tornar bons. Claro, a maior parte dos filmes mal feitos, mal dirigidos e mal produzidos são resultados da falta de habilidade ou capacidade de alguns dos envolvidos. De um modo geral, o problema começa no roteiro e se centra, sobretudo, na atuação do diretor.
Pois então, Língua Assassina não pode ter uma “ruindade” acidental, todo o ridículo e absurdo do filme deve ter sido cuidadosamente planejado. Vejamos.
O namorado de Candy vai sair da prisão, ela, junto com seus poodles vai ao seu encontro. No caminho Candy e seus cachorros sofrem mutação, os caninos se transformam em espalhafatosas drags queens e a língua da garota ganha vida.
A língua da garota ganha vida. Entenderam o alcance disso? A língua dela se torna um ser consciente e independente de sua vontade. Assim, a língua começa a matar pessoas, a proteger sua dona (!) e a fazer sexo com ela.
[Candy é seduzida pela sua própria língua! Candy passa a ter um relacionamento com sua própria língua – tem que repetir várias vezes, senão nem quem assistiu ao filme acredita!]
Isso é tudo? Claro que não? Os diálogos são para lá de inspirados.
Candy fala para o seu poodle que não está mais conseguindo resistir ao controle da língua, e a drag dog responde: “Não há nada errado com isso, você é só uma garota que não sabe dizer não”. Outras frases primorosas são ditas pela língua, que também é falante: “Eu sou seu único, eu sou seu máximo”. Para completar o show, há alguns planos subjetivos da língua, vemos suas vítimas do ponto de vista da boca de Candy.
Isso é tudo? Quem nos dera...
Eu nem falei da freira muda que, no decorrer do filme, começa a ficar cada vez com menos roupa e a ter ataque de êxtases sensuais. Mas sem sombra de dúvida o destaque – além da língua, claro – fica para Robert Englund (o Fredie da Hora do Pesadelo) que interpreta um policial mais surreal do que a própria língua. Ele ama seus detentos, ele odeia seus detentos, ele quer matá-los, mas, ao mesmo tempo, dá uma arma para eles se protegerem.
Confesso que não consegui compreender o filme completamente – qual é a da Candy? Qual é a do namorado dela? Qual é a da freira? Mas uma coisa é certa, se Alberto Sciamma tentou fazer um filme maravilhosamente ruim, ele conseguiu.
Troféu Ed Wood para ele.
Cotação: péssimo
sábado, 29 de março de 2008
Na natureza Selvagem
Na natureza selvagem (Into the wild), 2007. EUA. De Sean Penn
Por trás desse filme há um homem que quase morreu no Everest.
Portanto essa história tem uma poesia que nem todos podem compreender. Na natureza selvagem se baseia no livro homônimo do aventureiro Jon Krakauer que também é autor de No ar rarefeito (no qual ele relata sua escalada ao Everest em uma das expedições mais trágicas da história do alpinismo daquela montanha).
Já o filme, tem direção e roteiro de Sean Penn e, de forma bem eficiente, consegue transmitir o fascínio que os lugares inóspitos exercem sobre algumas pessoas. O enredo, a propósito, é muito mais do que isso, uma vez que relata a trajetória de um rapaz que, ao sair da universidade, decide se tornar um viajante, tendo como objetivo acampar no Alasca.
Trata-se de uma viagem pelos Estados Unidos, bem ao estilo de Jack Kerourac, que mais parece se assimilar a um percurso introspectivo. Nessa caminhada o jovem Christopher McCandless se torna Alex Supertranp, o andarilho. O que vemos, na verdade, é a recusa ao padrão de vida materialista americano.
Em cada parada, em cada quilômetro andado, Alex conhece novas pessoas, que, assim como ele, aspiram escapar desse sonho consumista ocidental. O jovem rapaz se mostra resoluto em sua disposição de cruzar a fronteira e encontrar o wilderness. Como Supertranp insinua, seu interesse é a fuga da civilização e opressão, representadas no hipócrita e destrutivo modo de vida dos seus pais.
A direção de Sean Penn se revela bem sucedida ao criar composições que metaforizam o entendimento do jovem aventureiro. As paisagens naturais aparecem como um plano geral e os embates com a natureza assumem a alegoria de obstáculos que esse jovem coloca a si mesmo.
Entre outros autores, Christopher McCandless é leitor de Tolstoi, o que explicaria sua ânsia por uma vivência simples na natureza que se contrapõe aos vícios da cidade. Em uma cena bem emblemática, o rapaz percorre por uma cidade, enquanto se questiona se deve buscar, ao menos por algum tempo, um pouso mais fixo. Contudo as mazelas da cidade, as desigualdades e a sociedade das aparências o empurram novamente em direção àquela estrada que vai para o Alasca.
Mas ninguém pode negar suas origens de todo. Supertramp nunca deixará de ser McCandless – conforme várias vezes será lembrado em sua trajetória. Ele não é um caçador, ele não é um nativo do Alasca, ele é simplesmente o belo e jovem branco de classe média alta. Cabe questionar sua prontidão para um desafio dessa envergadura proposta. Até onde ela é verdadeira? Mesmo Tolstoi teve que retornar à civilização; por que seria diferente com Supertramp?
Mas não nos esqueçamos que por trás desse filme (contribuindo com o roteiro de Sean Penn) está Jon Krakauer, alguém que quase morreu nas montanhas. Estamos falando de homens para os quais a vida ou a morte se coloca como questão secundária: superar o obstáculo, sentir a fragilidade da vida em seus ínfimos é o que importa.
Aventureiros, simplesmente isso.
Cotação: Bom
A Rainha
A Rainha (The Queen), 2006. Inglaterra/França/Itália. De Stephen Frears.
Trata-se de um forte diálogo com a cinematografia clássica, ao enfocar a biografia de um personagem de forma pouco ambígua (optando por uma coerência quase impossível à natureza humana), pois A Rainha é um filme de um personagem só, a monarca inglesa.
Mesmo que não concordemos com todas as ações dessa personagem, imediatamente simpatizamos com ela, com aquela inteligência aristocrática e soberba não excessiva.
A rainha da Inglaterra é uma mulher clássica que tem de enfrentar a voracidade da mídia e da cultura de massa. Valores como elegância, contenção, descrição se chocam com a necessidade de exposição, com a exigência de uma relação quase umbilical com os meios de comunicação.
Diana entendia isso, mas Elizabeth II não. Esse é o grande valor do filme, mostrar descompassos entre comportamentos diferentes, mas se focando em uma única personagem. Ela é chave para entendermos os paradoxos da monarquia inglesa.
A monarca vem de uma época onde a ostentação é motivo de censura, basta ver que não há nenhum luxo excessivo ao seu redor, até mesmo o televisor, em um dos aposentos, não é dos mais recentes. Claro, a rainha da Inglaterra veio de uma época ainda marcada pela carestia instaurada com a Segunda Guerra Mundial.
Os personagens que a rodeiam são um contraponto interessante, como o primeiro Ministro Tony Blair, que gradualmente vai se simpatizando com as posições da rainha – na verdade há uma certa insinuação, muito deliciosa, de que Blair é um capacho.
Outra insinuação divertida é quando percebemos que príncipe Charles é um covarde, com receio de ser atingido pela onda de insatisfação popular contra a monarquia, quanto a sua recusa de lamentar publicamente a perda da princesa Diana.
Um desafiador filme sobre o contemporâneo, sua propostas é a de ser analítico, sem levantar bandeiras para algum dos lados. Essa suposta isenção contribui para a narrativa, o que evita as prováveis pieguices de uma história muito centrada em uma única personagem.
Não há nada apelativo, nenhuma cena, nenhum acompanhamento musical. Nossa adesão a rainha é mais racional do que emotiva, sentimos certa empatia para com essa dama que lastima o azar de não ter o direito ao voto.
A única ressalva fica para aquela cena em que Tony Blair dá um chilique danado ao ouvir uma crítica à rainha, gordurinha totalmente desnecessária.
Filme de boas interpretações, filme de boa direção, bem incrustado na filmografia clássica. Não inova, mas convence.
Cotação: Bom
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