sábado, 1 de março de 2008

Patton

Patton – rebelde ou herói? (Patton), 1970. EUA. De Franklin James Schaffner.

África, Segunda Guerra Mundial.

A cena é desoladora. As marcas de um combate recém travado são evidentes. Os veículos estão destruídos, há restos de incêndios, crateras causadas pelas explosões, armas espalhadas e retorcidas. Porém, o mais angustiante são os corpos, alguns estão semi-cabronizados, outros, deitados em suas próprias poças de sangues, em alguns faltam membros. Oficiais e soldados jazem junto ao chão. Não há mais vida.

General Patton (George Scott), ao se deparar com essas imagens, com os restos de seus próprios homens, respira fundo e, com muita convicção, afirma que ele ama aquele cenário, que ele nasceu para vivenciar aquela experiência.

Sim. Patton é um homem antigo, é um guerreiro nato. Ele ama a guerra assim como os demais amam a paz. Ele não se encaixa naquele paradigma do militar patriota que luta pelo seu país. Sem dúvida ele combate pela bandeira dos Estados Unidos, mas, acima de sua nação, está sua honra de guerreiro, sua vontade de glórias. Patton é o Aquiles do século XX.

Como a narrativa do filme faz questão de evidenciar, ele é anacrônico, quer manter a ética de guerreiro em meio a uma era tecnológica. Como comandante ele é assustador, inflige ânimo aos soldados e oficiais, mas é intransigente com as titubeações. No hospital, expulsa um soldado com neurose de guerra, pois para ele isso era apenas covardia. Porém, Patton se comove ao ver seus soldados que tombaram em combate, trata os sobreviventes de forma paternal.

Para mostrar-se superior ao general alemão Romel, seu inimigo, e também ao general inglês Montgomery, seu aliado, põe em risco todo o seu exército. Ele não se incomoda em enviar seus homens em direção ao ataque frontal, mesmo sabendo que não voltarão vivos.

Patton é militarista e militaresco. Ele preza a pompa militar, as homenagens que recebe, as medalhas, as glórias. Ele é vontade de potência, quer mostrar ao mundo seu instinto.

É aí que reside o elemento trágico, que novamente o aproxima dos heróis clássicos. A falta de discernimento político do general é a responsável pelas imprudências que ele diz ao público. Coisas que embaraçam os políticos (como o pouco caso que ele faz da Rússia), ao escancarar o que deveria permanecer velado. Por isso, Patton sempre ficou de fora dos maiores combates, pois os políticos e diplomatas o julgam perigoso demais para as delicadas relações entre os países aliados.

O maior combatente é sempre deixado de fora dos maiores combates. De longe, general Patton contempla o lugar onde gostaria de estar. Ele se esforça, em vão, para ser posto na linha de frente. Quer está em um lugar no qual muitos gostariam de fugir.

Um bom guerreiro, mas um péssimo homem. Como nas tragédias gregas, ele se sente de mãos atadas para cumprir uma tarefa a que se julga predestinado. Sua sina é sabotar a si próprio e se impedir de cumprir a grandiosa missão que os deuses o atribuíram: conduzir homens para a guerra, guiar os soldados a um local onde deverão matar e serem mortos.

Cotação: Ótimo

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Editorial - Contra a Pirataria

Contra a pirataria ou A família de Seu Chico

São uma família. Pai, mãe, irmão e irmã. A mãe é dona de casa, o pai recebe uns 500 reais por mês e as crianças não trabalham.

Final de semana. Todos querem ver um filme. Para chegar ao cinema, localizado em uma área central, essa família despenderá mais de 10 reais em transporte público (idêntico valor será gasto na volta). Em um Shopping (aonde mais iriam?), 28 reais será gasto na entrada dos adultos e 14 nas meio-entradas dos pequenos. Registre-se os dez reais costumeiros da pipoca e refrigerante.

Vamos por os cálculos no papel: 20 + 28 + 14 + 10 = 62 reais. O que equivale a 12% do salário do Seu Chico. Se quiserem ir ao cinema 2 vezes por mês, será 24% da renda familiar comprometida.

Ou seja, nunca vão ao cinema, o que, em tese, significaria que eles nunca teriam acesso aos filmes. Como Seu Chico (um cônscio chefe de família) faz para garantir a sétima arte aos queridos entes?

Ao sair do serviço, ele passa no camelô e compra um dvd pirata por 5 reais (ou 3 por 10), passa na padaria e compra 2 litros de refrigerante por 2 reais e, por 1 real, compra o saco de milho de pipoca.

De modo que seus gastos são os seguintes: 5 + 2 + 1 = 8 reais. O que representa cerca de 1,6% do seu salário.

A pergunta que deve ser feita é como Seu Chico tem coragem de comprar um dvd pirata? Agindo desta forma ele prejudica a dinamicidade da economia, colocando em perigo a estabilidade de toda uma rede macroeconômica. Com esse pensamento egoísta e mesquinho, ele poderá infringir um prejuízo ao cinema, por conseguinte às distribuidoras. Se todos comprassem dvds piratas, seria a própria indústria cinematográfica que entraria em colapso (como George Lucas fez questão de afirmar recentemente).

Qual é o problema com Seu Chico? Por que ele se recusa a gastar os 62 reais? Por que essa insistência em lucrar em demasia?

Nesse sentido eu só posso congratular as campanhas contra a pirataria que têm cumprido uma importante ação de esclarecimento do público. Destaque para aquele informe que nos conscientiza de que o dinheiro que circula no tráfico e terrorismo é o mesmo que roda na pirataria dos dvds.

De fato isso era algo que eu não sabia. Não podemos permitir que o dinheiro do seu Chico caia nas mãos de criminosos, ele deveria ser canalizado para empreendimentos idôneos. Ao exemplo do Shopping Cidade de Belo Horizonte, cuja amostragem de visão empresarial é colocar roletas nas portas do banheiro e cobrar 30 centavos por sua passagem.

Enquanto as autoridades públicas não tomarem as devidas ações, mais famílias como a de Seu Chico continuarão a abandonar as salas de cinema, em proveito das salas de sua própria residência. Tirando o fato de que nessas últimas o banheiro é de graça, não podemos acrescentar nenhuma outra vantagem.

Eu sou totalmente contra a pirataria. Esses piratas lucram, lucram, lucram e mais lucram. Eles pegam o cinema e o transforma em um mero produto (uai... e não é?).

Isso tem que parar, tem que parar agora. Se a pirataria de dvds for completamente erradicada (tal como o tráfico de drogas será um dia) as salas de cinema voltarão a ficar cheias.

Pelo fim dos piratas e pela hegemonia dos corsários. Qual a diferença? A diferença é que, esses últimos, supostamente, estão na legalidade.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Os Pássaros

Os Pássaros (The Bird), 1963. EUA. De Alfred Hitchcock

Desculpem-me a obviedade, mas faz algum tempo que não escrevo nesse blog e opto por recomeçar por um caminho mais fácil, isto é, por um excelente filme.

Essa semana, enquanto eu pedalava pelas paragens betinenses (usufruindo da nossa subestimada ciclovia) fui atacado por um pássaro. Ao bem da verdade, não foi um ataque, está mais para um encontrão. De qualquer forma havia um bando de aves sobrevoando e uma delas resvalou no meu capacete, quase me derrubando.

No entanto, a nuvem de pássaros, o céu nublado e o barulho do córrego me remeteram a essa obra prima de Hitchcock. Voltei para casa, assisti ao filme e decido por escrever uma ou duas palavras sobre essa produção.

Trata-se de um filme perfeito, no qual cada componente da produção cinematográfica se encaixa, revelando a diferença entre um cineasta qualquer e um grande diretor.

Como já sugeriu Antonio Moniz Vianna, o filme se inicia como uma comédia – romântica, eu acrescentaria – pois a infantil e impetuosa Melaine Daniels decide viajar 90 km para descontar uma peça da qual foi vítima, executada por Mitch Brenner, um advogado de São Francisco.

Ela chega a uma pequena cidade, chamada de Bodega Bay, uma vila marítima que provavelmente subsiste por intermédio da pesca. Inicialmente, somos apresentados a um triângulo amoroso e a uma sogra ciumenta, configurando uma situação inicial que por si só já daria um filme (mesmo que desinteressante).

Entretanto, a graciosa Melaine Daniels decidiu visitar o vilarejo no pior final de semana possível. Não há como negar que tudo parece corriqueiro, o comércio local funciona, os barcos estão no mar, e o céu se encontra em seu habitual tom cinza, revelando a beleza das cidades que dão vistas para o pacífico.

No entanto, os pássaros estão inquietos, gerando uma série de incidentes isolados, que não despertam maiores preocupações. Mas tal qual nos filmes de George Romero, o terror gradualmente ganha forma e, em pouco tempo, todo o povoado presenciará a rebelião dos pássaros, muito mais destrutiva e terrificante do que os incautos poderiam pensar.

Além do excelente do roteiro, marcado pelas suas já famosas sutilezas – seria redundante lembrar a cena em que Melaine presencia uma ave pousar atrás de si, em um brinquedo da escola? – o que mais vem à tona nesse filme é sua exatidão.

A começar pelo céu e cidade, destoando dos cenários de estúdios também utilizados nessa produção. Bodega Bay parece ter vida e seus moradores possuem os traços típicos dos interioranos: tudo é pequeno e todos conhecem todos. Destaque também para o acompanhamento musical, inexistindo música, mas só o barulho agourento das aves.

Tippi Hedren (Melaine) tem uma feição que serve ao desenvolvimento da narrativa – sua maquiagem e penteado são belíssimos (bem anos sessenta) e diferem dos rostos simples dos habitantes locais. Seu traje saiu da mente criativa de Edith Head, peça interessante: um vestido para o dia, mas facilmente adaptado para um evento noturno. Entretanto, o crítico Antonio Muniz parece não ter apreciado o trabalho da atriz ao dizer que ela seria “... ostensivamente estreante e gracekelliana por procuração discutível...”.

Tal afirmação que é discutível, pois Hedren protagoniza a personagem com a qual mais nos identificamos. Sua indisposição à inconseqüência a arrastou ao centro da insurgência dos passarídeos e devemos torcer para que ela retorne a São Francisco. Além disso, a maneira como a jovem facilmente se irrita, se infantiliza e assume a posição de mulher séria (tudo conforme a situação) dão o tom da história, oscilando entre a aparente comédia e o terror decidido.

A genialidade do filme também se sobressalta em seu desfecho, substituindo um término tradicional pela interrupção da narrativa no momento de maior suspense. Não dá nem para dizer se o final é otimista ou pessimista, mas somente que o clima de terror tenderia a aumentar.

Enfim, Os Pássaros é um genuíno exemplar hitchcockiano, criando ótima composição a partir de um tema aparentemente banal. Ninguém vê as aves como animais perigosos ou as consideram capazes de uma insurreição, mas, se você estiver distraído, elas bem que podem derrubá-lo de uma bicicleta. No entanto, isso já não é matéria para uma análise fílmica.

Observação: o livro de Antonio Moniz Vianna Citado é “Um filme por dia”, publicado pela Companhia das Letras.

P.S: e o blog continua...

Cotação: Ótimo