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domingo, 24 de fevereiro de 2008

Os Pássaros

Os Pássaros (The Bird), 1963. EUA. De Alfred Hitchcock

Desculpem-me a obviedade, mas faz algum tempo que não escrevo nesse blog e opto por recomeçar por um caminho mais fácil, isto é, por um excelente filme.

Essa semana, enquanto eu pedalava pelas paragens betinenses (usufruindo da nossa subestimada ciclovia) fui atacado por um pássaro. Ao bem da verdade, não foi um ataque, está mais para um encontrão. De qualquer forma havia um bando de aves sobrevoando e uma delas resvalou no meu capacete, quase me derrubando.

No entanto, a nuvem de pássaros, o céu nublado e o barulho do córrego me remeteram a essa obra prima de Hitchcock. Voltei para casa, assisti ao filme e decido por escrever uma ou duas palavras sobre essa produção.

Trata-se de um filme perfeito, no qual cada componente da produção cinematográfica se encaixa, revelando a diferença entre um cineasta qualquer e um grande diretor.

Como já sugeriu Antonio Moniz Vianna, o filme se inicia como uma comédia – romântica, eu acrescentaria – pois a infantil e impetuosa Melaine Daniels decide viajar 90 km para descontar uma peça da qual foi vítima, executada por Mitch Brenner, um advogado de São Francisco.

Ela chega a uma pequena cidade, chamada de Bodega Bay, uma vila marítima que provavelmente subsiste por intermédio da pesca. Inicialmente, somos apresentados a um triângulo amoroso e a uma sogra ciumenta, configurando uma situação inicial que por si só já daria um filme (mesmo que desinteressante).

Entretanto, a graciosa Melaine Daniels decidiu visitar o vilarejo no pior final de semana possível. Não há como negar que tudo parece corriqueiro, o comércio local funciona, os barcos estão no mar, e o céu se encontra em seu habitual tom cinza, revelando a beleza das cidades que dão vistas para o pacífico.

No entanto, os pássaros estão inquietos, gerando uma série de incidentes isolados, que não despertam maiores preocupações. Mas tal qual nos filmes de George Romero, o terror gradualmente ganha forma e, em pouco tempo, todo o povoado presenciará a rebelião dos pássaros, muito mais destrutiva e terrificante do que os incautos poderiam pensar.

Além do excelente do roteiro, marcado pelas suas já famosas sutilezas – seria redundante lembrar a cena em que Melaine presencia uma ave pousar atrás de si, em um brinquedo da escola? – o que mais vem à tona nesse filme é sua exatidão.

A começar pelo céu e cidade, destoando dos cenários de estúdios também utilizados nessa produção. Bodega Bay parece ter vida e seus moradores possuem os traços típicos dos interioranos: tudo é pequeno e todos conhecem todos. Destaque também para o acompanhamento musical, inexistindo música, mas só o barulho agourento das aves.

Tippi Hedren (Melaine) tem uma feição que serve ao desenvolvimento da narrativa – sua maquiagem e penteado são belíssimos (bem anos sessenta) e diferem dos rostos simples dos habitantes locais. Seu traje saiu da mente criativa de Edith Head, peça interessante: um vestido para o dia, mas facilmente adaptado para um evento noturno. Entretanto, o crítico Antonio Muniz parece não ter apreciado o trabalho da atriz ao dizer que ela seria “... ostensivamente estreante e gracekelliana por procuração discutível...”.

Tal afirmação que é discutível, pois Hedren protagoniza a personagem com a qual mais nos identificamos. Sua indisposição à inconseqüência a arrastou ao centro da insurgência dos passarídeos e devemos torcer para que ela retorne a São Francisco. Além disso, a maneira como a jovem facilmente se irrita, se infantiliza e assume a posição de mulher séria (tudo conforme a situação) dão o tom da história, oscilando entre a aparente comédia e o terror decidido.

A genialidade do filme também se sobressalta em seu desfecho, substituindo um término tradicional pela interrupção da narrativa no momento de maior suspense. Não dá nem para dizer se o final é otimista ou pessimista, mas somente que o clima de terror tenderia a aumentar.

Enfim, Os Pássaros é um genuíno exemplar hitchcockiano, criando ótima composição a partir de um tema aparentemente banal. Ninguém vê as aves como animais perigosos ou as consideram capazes de uma insurreição, mas, se você estiver distraído, elas bem que podem derrubá-lo de uma bicicleta. No entanto, isso já não é matéria para uma análise fílmica.

Observação: o livro de Antonio Moniz Vianna Citado é “Um filme por dia”, publicado pela Companhia das Letras.

P.S: e o blog continua...

Cotação: Ótimo