Fido – o mascote (Fido), 2006. Canadá. De Andrew Currie.
Enquanto os intelectuosos ficam a discutir se Tropa de Elite é a reinvenção do fascismo ou a profissionalização das baboseiras nacionais, o verdadeiro cinema passa despercebido pelas salas de exibição do circuito belorizontino.
Entretanto, cabe acrescentar, que para chegar ao cinema – que fica no Buritis, a favela rica de B.H – tive que pegar um ônibus, metrô, outro ônibus, e para voltar foram necessários um táxi, metrô e finalmente um último ônibus. E olha que o filme terminou às nove horas... Ou seja, o verdadeiro e pululante cinema está escondido nas medíocres salas dos bairros classe média.
Mas, não nos alonguemos nessas divagações. Porque eu assisti Fido, e tudo está bem.
O filme é ambientado nos anos cinqüenta, abordando o American Way of Life: waffles no café da manhã, família nuclear reduzida, mamãe com um inocente vestidinho (pero, muy sexy), papai que chega cansado do trabalho e... zumbis.
Essa produção, praticamente desconhecida, aborda uma temática pouco usual, o Dark American Way of life, com um enfoque que, senão brilhante, ao menos é muito eficiente.
O filme parte de premissas conhecidas sobre o gênero dos zumbis. As referências mais evidentes são aos trabalhos de George Romero, sobretudo O dia dos mortos (1985) e Terra dos Mortos (2005), outro título que também perfaz o diálogo é Shaun of the dead (2004), além, claro, de Plano nove do espaço sideral (1959).
Uma poeira cósmica (yes!) cobre a terra, animando os cadáveres, é quando ocorre a Zoombie War, que cronologicamente, eu presumo, estaria no lugar da Segunda Guerra Mundial. Nesse conflito entre vivos e quase vivos, os primeiros levam a melhor, conseguindo fortificar suas cidades e criar uma coleira que, quando colocadas nos zumbis, os domesticam. Entre as cidades fortificadas existiriam zonas livres, habitadas pelos mortos selvagens.
No interior das cidades, os zumbis se tornaram escravos, executando tarefas de jardineiros, entregadores de jornais, leiteiros, etc. Porém, quando as pessoas morrem (indendente da causa mortis), são reanimadas automaticamente como zumbis;já em outras situações os prisioneiros conseguem se libertar, ocasionando novo ciclo de mortes. É nesse momento que entra em ação a Zomcom, uma empresa voltada para a segurança contra os mortos vivos.
É dentro desse painel complexo e fascinante que conhecemos a família dos Robinsons, encabeçada por um pai que tem pavor de zumbis. Ele sofre uma dupla pressão, por viver no American Way of Life e também por está à mercê dos canibais. O personagem mais interessante do filme, seu olhar é angustiado, mal consegue saudar seu filho, pois ele não quer se apegar a ninguém, pois qualquer um pode se transformar em um zoombie. Seu maior divertimento é ir ao funeral, para ver as cabeças dos mortos serem enterradas. Tal personagem é obcecado pela morte, ele anseia deixar de existir definitivamente, seu maior receio é a morte em vida.
A esposa adaptou-se àquele desumano mundo, ela almeja os valores de uma sociedade consumista e exibicionista (ter muitos escravos é sinal de status), muito embora ressinta o fato do seu marido viver afastado, por temer tanto a vida quanto a morte. Essa senhora, uma excelente releitura de algumas heroínas da cinematografia clássica (vide suas frases inspiradas ao longo da projeção), comprou um zumbi (chamado de Fido) para lhe auxiliar nas tarefas do lar.
Não nos esqueçamos do protagonista, Timmy, o filho do casal. Um isolado, que, se não teme aos mortos vivos, também não aprecia o mundo em que vive. É esse jovem americano – abençoado por Deus – que irá travar amizades com Fido e colocar toda a cidade a beira do holocausto zoombie.
O filme desenvolve muito bem a premissa de uma sociedade sádica construída sobre a exploração dos mortos – que pode ser entendida como uma metáfora da opressão sobre os pobres, os trabalhadores, os imigrantes etc. Em um universo como esse, a morte recebe outro redimensionamento, há várias cenas em que pessoas são assassinadas, afetando muito pouco as sensibilidades dos personagens. Outro ponto de destaque é a insinuação do potencial necrófilo daqueles que optaram por controlar seus mortos – afetos para com os zumbis são menos incomuns do que se pensam.
A própria esposa dedicada, não deixa de trocar uns olhares (e que olhares) com o bom Fido – o zumbi quase bonzinho do filme. Uma relação quase adúltera, Beleza Americana, mas com defuntos...
Nos filmes clássicos de zumbis, o sentimento que impera é o do caos e do retorno a um estado de barbárie. Nessa produção, os humanos conseguem por ordem ao apocalipse, transformando os inimigos em, digamos, aparelhos celulares: dão problemas, mas, ainda sim, não ficamos sem eles. É o reflexo do cinismo atual, da crença de que as mega-corporações são indestrutíveis, suas mentiras são convertidas, por meio de manipulação de informações, em verdades.
O desfecho é um happy-end, se não nos importarmos com o individualismo em voga. Esse filme, tão modesto em suas intenções, é uma sutil alfinetada nessa vidinha da class media. E quando eu penso no Buritis, nos cinemas nos shoppings, nas linda famílias endinheiradas nas praças de alimentação, eu me convenço, cada vez mais, que há muita carne a disposição dos mortos vivos.
Fido, pega!
Cotação: Bom
domingo, 21 de outubro de 2007
Mares Violentos
Mares Violentos (The sea chase) 1955. EUA. De John Farrow
Através de um traveling vemos o navio cargueiro e seu capitão (John Wayne). No início do filme já é anunciado que ambos são um só. Força, resistência, coragem, homem e nave compartilham a mesma existência, o desfecho do filme, é uma conclusão coerente dessa premissa.
O enredo se centra na história do capitão alemão de um cargueiro chamado Ergenstrasse, ancorado em Sidney justamente no momento em que a Segunda Guerra foi declarada. Mesmo não sendo simpatizante do regime nazista, ele pretende conduzir seus homens e navio até à terra natal.
Como um exemplar do cinema clássico, o protagonista é um homem perfeito, sem qualquer falha moral. Suas ações são claras, ele sabe o que almeja e, para isso, traça um caminho legítimo até seu objetivo. Seus subordinados o respeitam e seus adversários o temem.
A marinha inglesa é sua antagonista, mas ela tem um motivo legítimo para persegui-lo, uma suposta chacina que ele cometeu em um porto para acolher náufragos. Inicia-se uma perseguição ao Ergenstrasse e, esse incidente isolado, acaba sendo motivo para propaganda de guerra tanto dos ingleses quanto dos alemães. Porém Capital Karl está pouco interessado na política – embora afirme seu não alinhamento com o regime nazista – sua pretensão é manter firme seus valores, mesmo que sejam incompatíveis em um mundo onde predomina a mentira e o ardil.
Ele é um herói clássico, incapaz de mentir ou se envolver em qualquer ação ambígua. Quando ele é confrontado, a câmera o mostra de perfil, para que possamos visualizar sua postura ereta perante seus oponentes. Quando ele discursa aos seus marinheiros, o vemos de frente, com rosto iluminado, pois ele é sincero e isso temos que perceber em suas próprias feições.
Talvez seu único erro seja ser alemão e ter que confrontar os ingleses, que também agem com justiça e destreza. Pois mesmo não sendo adepto dos nazistas, em momento algum pensa em trair seu país. A solução para esse impasse é resolvida de uma maneira bem hollywoodiana, heróica e trágica, mas nem por isso pessimista.
Estamos falando do cinema nos anos cinqüenta, a questão de fundo não é a política mas sim os valores. Nem Inglaterra e nem Alemanha ganham, a vitória cabe a um homem, que soube ser íntegro, mesmo em tempos de guerra, quando o próprio sentimento de humanidade é negligenciado.
Cinema clássico. A solução dos problemas não está no coletivo ou no público, pois é uma questão privada e íntima. Um herói fará a coisa certa, não importa sua origem ou a quem ele está submetido. Pois o que o herói aspira é a imortalidade, não da alma, mas de ter seus feitos relembrados por outros homens.
Navio e homem podem deixar de existir materialmente, mas a grandeza de seus feitos nunca será esquecida, pois sempre haverá homens de valor (os heróis de amanhã) dispostos a perpetuar essas lembranças.
Cotação: Regular
Através de um traveling vemos o navio cargueiro e seu capitão (John Wayne). No início do filme já é anunciado que ambos são um só. Força, resistência, coragem, homem e nave compartilham a mesma existência, o desfecho do filme, é uma conclusão coerente dessa premissa.
O enredo se centra na história do capitão alemão de um cargueiro chamado Ergenstrasse, ancorado em Sidney justamente no momento em que a Segunda Guerra foi declarada. Mesmo não sendo simpatizante do regime nazista, ele pretende conduzir seus homens e navio até à terra natal.
Como um exemplar do cinema clássico, o protagonista é um homem perfeito, sem qualquer falha moral. Suas ações são claras, ele sabe o que almeja e, para isso, traça um caminho legítimo até seu objetivo. Seus subordinados o respeitam e seus adversários o temem.
A marinha inglesa é sua antagonista, mas ela tem um motivo legítimo para persegui-lo, uma suposta chacina que ele cometeu em um porto para acolher náufragos. Inicia-se uma perseguição ao Ergenstrasse e, esse incidente isolado, acaba sendo motivo para propaganda de guerra tanto dos ingleses quanto dos alemães. Porém Capital Karl está pouco interessado na política – embora afirme seu não alinhamento com o regime nazista – sua pretensão é manter firme seus valores, mesmo que sejam incompatíveis em um mundo onde predomina a mentira e o ardil.
Ele é um herói clássico, incapaz de mentir ou se envolver em qualquer ação ambígua. Quando ele é confrontado, a câmera o mostra de perfil, para que possamos visualizar sua postura ereta perante seus oponentes. Quando ele discursa aos seus marinheiros, o vemos de frente, com rosto iluminado, pois ele é sincero e isso temos que perceber em suas próprias feições.
Talvez seu único erro seja ser alemão e ter que confrontar os ingleses, que também agem com justiça e destreza. Pois mesmo não sendo adepto dos nazistas, em momento algum pensa em trair seu país. A solução para esse impasse é resolvida de uma maneira bem hollywoodiana, heróica e trágica, mas nem por isso pessimista.
Estamos falando do cinema nos anos cinqüenta, a questão de fundo não é a política mas sim os valores. Nem Inglaterra e nem Alemanha ganham, a vitória cabe a um homem, que soube ser íntegro, mesmo em tempos de guerra, quando o próprio sentimento de humanidade é negligenciado.
Cinema clássico. A solução dos problemas não está no coletivo ou no público, pois é uma questão privada e íntima. Um herói fará a coisa certa, não importa sua origem ou a quem ele está submetido. Pois o que o herói aspira é a imortalidade, não da alma, mas de ter seus feitos relembrados por outros homens.
Navio e homem podem deixar de existir materialmente, mas a grandeza de seus feitos nunca será esquecida, pois sempre haverá homens de valor (os heróis de amanhã) dispostos a perpetuar essas lembranças.
Cotação: Regular
Seres Rastejantes
Seres Rastejantes (Slither), 2006. EUA. De James Gunn
Para assistir esse filme, em uma noite de domingo, tive que passar por vários percalços como enfrentar a parada gay de Contagem-MG (com homossexuais e evangélicos se provocando), suportar um mega engarrafamento, aturar uma inoportuna garoinha de inverno e voltar em um ônibus cujo sinuoso percurso era quase um quadro de Kandinsky.
A pergunta é: valeu a pena?
Em parte sim, Seres Rastejantes escrito e dirigido por James Gunn é algo entre a ficção científica e o horror, no estilo de filmes como A coisa, A bolha assassina e Criaturas. O esquemão é o mesmo: algo vem do espaço e passa a se expandir; desta vez, trata-se de uma “lesma alienígena” que chega à Terra dominando a mente das pessoas e transformando-as em zumbis telepaticamente conectados.
Não há muitas surpresas, tudo é previsível, em parte por isso mesmo a história é curta, 95 minutos. Uma opção interessante para quem quer reviver o “cinema B”.
Acho que James Gunn fez um trabalho satisfatório. Ele é conhecido como escritor de ficções científicas, autor de Os vendedores de felicidade, uma interessante história sobre uma sociedade condenada a ser feliz. Também é de sua autoria a adaptação do roteiro de Madrugada dos Mortos. Suas colaborações no cinema são freqüentes e, de um modo geral, adequadas.
Não sei se os “sustinhos” que tive compensaram minha Via Crucis para chegar ao cinema, mas de qualquer forma quando as luzes se ascenderam saí com aquela agradável sensação de final feliz.
Escapismo? Por que não?
Cotação: Regular
Assinar:
Postagens (Atom)