O Mensageiro Trapalhão (The Bellboy), 1960. De Jerry Lewis
Se fosse feito um remake de O Mensageiro Trapalhão, ninguém seria mais perfeito para o papel do que Rowan Atkinson. Sim, porque os trejeitos de Mr. Bean não deixam de remeter ao personagem Stanley, interpretado por Jerry Lewis. Na verdade o silêncio desses dois personagens – e a opção por um humor calcado em gags físicas – é um legado do próprio cinema mudo.
The Bellboy foi a primeira direção de Jerry Lewis, um trabalho despretensioso, mas com uma visão acertada do que é a comédia, dos diferentes recursos para produzir o humor. O diálogo com o cinema mudo está mais do que presente nesse trabalho, tanto que algumas referências são tão óbvias que é melhor deixar o prazer de destacá-las para o leitor.
Lewis cria uma série de quadros, divertidas situações, encabeçadas por um personagem atrapalhado, ingênuo e simpático. Um tipo de figura que é recorrente em certo modo de fazer comédia e sempre encontrou a empatia e o riso do telespectador – Roberto Gomes Bolaños, inserido em um contexto bem diferenciado, seria outro exemplo que nos é próximo.
Talvez, de todos os gêneros cinematográficos, seja a comédia a que tem maior facilidade de conviver com o absurdo. E Lewis (comediante nato) sabe disso muito mais do que nós: o non sense, o imprevisto e, por vezes, o previsível são ferramentas essenciais para convencer o público da hilaridade da piada.
Esse filme foi muito bem reinterpretado em Grande Hotel (Four Roons, 1995), dirigido por oito mãos – incluindo Quentin Tarantino e Robert Rodriguez– é uma homenagem e uma interação direta com O Mensageiro Trapalhão. O protagonista, interpretado por Tin Roth, também vive um “bellboy”, com trejeitos a la Jerry Lewis.
Em Grande Hotel, Tarantino – que além da direção tem uma ponta – diz que a figura de um mensageiro era um claro evocativo ao personagem Stanley. Como cinéfilo que ele é, estava evidenciando o papel de Lewis na construção e recuperação de um humor inteligente – entre o ingênuo e o provocativo – capaz de despertar uma simpatia e uma cumplicidade no telespectador.
Enfim, O Mensageiro Trapalhão é mais um dos exemplos de que os recursos do cinema clássico estão longe de serem datados e ultrapassados. A inteligência do roteiro (ou do anti-roteiro, como é o caso) explicita que a comédia é um grande gênero do cinema. A mediocridade dos exemplares contemporâneos só revela que a maneira antiga de se fazer humor foi perdida, em proveito de escatologias, piadas politicamente incorretas ou o mais puro e desclassificado besteirol.
A solução para Hollywood está na própria Hollywood. É só olhar para o passado e aprender com os mestres. E, no que toca a comédia, Jerry Lewis é um desses professores absolutos.
Cotação: Ótimo
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Denominador comum: o medo nos extremos
O chamado (The Ring), 2002. De Gore Verbinski
Madrugada dos mortos (Dawn of the Dead), 2004. De Zack Snyder
Os meus imaginários leitores devem estar pensando no quanto eu estou desatualizado. Um filme de 2002 e outro de 2004. O que eu posso argumentar é que nesses últimos anos esses dois foram os melhores filmes de terror/horror e suspense que eu assisti.
Mas, são dois filmes completamente diferentes. O Chamado é suspense e terror. É a história sobre uma fita de vídeo que trará, em sete dias, a morte àquele que assisti-la. As vítimas só percebem o que ocorrem no momento em que se confrontam com, o até então, desconhecido. Nesse meio termo as pessoas recebem indícios, mas para a maior parte delas essas pistas são insuficientes para se salvarem.
O assustador desse filme é a solidão da morte e o absurdo da situação. O mundo continua o mesmo, mas a pessoa que viu o filme começa a ter contato com uma misteriosa garota chamada Samara. Em uma cena, vemos a personagem principal, protagonizada por Naomi Watts, debruçada em seu apartamento ela olha o prédio ao lado. Ela está assustada, mas as pessoas nas outras residências vivem normalmente, sem saber que sua vizinha receberá a sinistra visita da garotinha que nunca dorme. Assustador porque absurdo. É o medo da multidão, porque nela você é anônimo, portanto seu sofrimento passa despercebido.
Em Madrugada dos mortos a situação é inversa, o medo não é anônimo, é coletivo. O dia amanhece e algumas pessoas simplesmente se tornaram zumbis. A civilização desmorona, as pessoas correm para se salvar, uns matam os outros, acabou-se a família, os vizinhos. Mais assustador, acabou-se o Estado. As forças policiais nada mais podem fazer, os exércitos são inúteis. Escolas, ruas, igrejas, bairros, tudo abandonado. O que resta é se esconder dos canibais.
Um grupo de pessoas tenta sobreviver em um Shopping Center, sob a ameaça constante da invasão zumbi. Além desses náufragos da civilização nada mais vive (em sua conotação antiga). Esse é um filme de horror, mais do que medo, o que ele causa é desolação, não há mais conforto em lugar algum. O assustador do filme é justamente a coletividade do caos, todos compartilham do mesmo pânico. É o medo da multidão, porque nela você é visto por todos, portanto você é vulnerável, qualquer um pode te ferir.
O que nos assusta mais? Uma morte anônima em frente a sua televisão ou morrer junto com a civilização? O fantasma da garotinha te machuca individualmente, mas a horda de zumbis ataca todos ao seu redor. Pior, as vezes as pessoas que você mais ama se tornam um deles.
Dois extremos, mas uma certeza permanece, em ambas as situações o medo te consumirá. Morre-se o indivíduo ou morre-se o coletivo, mas o padecimento é só seu. Em um determinado momento qualquer preocupação com o outro desaparece, você pensa em salvar só sua própria vida. Não importa qual das duas situações, mas, a morte nos isola, nos arrebata na segurança ou na incerteza, da individualidade ou do coletivo.
Cotação:
Chamado: Bom
Madrugada dos Mortos: Ótimo
Madrugada dos mortos (Dawn of the Dead), 2004. De Zack Snyder
Os meus imaginários leitores devem estar pensando no quanto eu estou desatualizado. Um filme de 2002 e outro de 2004. O que eu posso argumentar é que nesses últimos anos esses dois foram os melhores filmes de terror/horror e suspense que eu assisti.
Mas, são dois filmes completamente diferentes. O Chamado é suspense e terror. É a história sobre uma fita de vídeo que trará, em sete dias, a morte àquele que assisti-la. As vítimas só percebem o que ocorrem no momento em que se confrontam com, o até então, desconhecido. Nesse meio termo as pessoas recebem indícios, mas para a maior parte delas essas pistas são insuficientes para se salvarem.
O assustador desse filme é a solidão da morte e o absurdo da situação. O mundo continua o mesmo, mas a pessoa que viu o filme começa a ter contato com uma misteriosa garota chamada Samara. Em uma cena, vemos a personagem principal, protagonizada por Naomi Watts, debruçada em seu apartamento ela olha o prédio ao lado. Ela está assustada, mas as pessoas nas outras residências vivem normalmente, sem saber que sua vizinha receberá a sinistra visita da garotinha que nunca dorme. Assustador porque absurdo. É o medo da multidão, porque nela você é anônimo, portanto seu sofrimento passa despercebido.
Em Madrugada dos mortos a situação é inversa, o medo não é anônimo, é coletivo. O dia amanhece e algumas pessoas simplesmente se tornaram zumbis. A civilização desmorona, as pessoas correm para se salvar, uns matam os outros, acabou-se a família, os vizinhos. Mais assustador, acabou-se o Estado. As forças policiais nada mais podem fazer, os exércitos são inúteis. Escolas, ruas, igrejas, bairros, tudo abandonado. O que resta é se esconder dos canibais.
Um grupo de pessoas tenta sobreviver em um Shopping Center, sob a ameaça constante da invasão zumbi. Além desses náufragos da civilização nada mais vive (em sua conotação antiga). Esse é um filme de horror, mais do que medo, o que ele causa é desolação, não há mais conforto em lugar algum. O assustador do filme é justamente a coletividade do caos, todos compartilham do mesmo pânico. É o medo da multidão, porque nela você é visto por todos, portanto você é vulnerável, qualquer um pode te ferir.
O que nos assusta mais? Uma morte anônima em frente a sua televisão ou morrer junto com a civilização? O fantasma da garotinha te machuca individualmente, mas a horda de zumbis ataca todos ao seu redor. Pior, as vezes as pessoas que você mais ama se tornam um deles.
Dois extremos, mas uma certeza permanece, em ambas as situações o medo te consumirá. Morre-se o indivíduo ou morre-se o coletivo, mas o padecimento é só seu. Em um determinado momento qualquer preocupação com o outro desaparece, você pensa em salvar só sua própria vida. Não importa qual das duas situações, mas, a morte nos isola, nos arrebata na segurança ou na incerteza, da individualidade ou do coletivo.
Cotação:
Chamado: Bom
Madrugada dos Mortos: Ótimo
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Bobby
Bobby (Bobby), 2006. De Emilio Estevez.
Enfim um filme que é tanto um posicionamento político quanto uma irrefutável obra cinematográfica. Uma produção que conseguiu reunir nomes importantes do estrelato hollywoodiano, porém mantendo um compromisso com o ideário progressista e democrático.
Bobby toma como ponto de partida – e eixo condutor de toda narrativa – a presença de Robert Kennedy no Hotel Ambassador, em meio às prévias para a disputa presidencial. A trama abarca distintas pessoas que tiveram alguma relação com o hotel no dia do assassinato desse político.
A história é feita de possibilidades, e o que essa produção tenta nos convencer é que “Bobby” representava a possibilidade de uns Estados Unidos não militarista, não segregacionista, preocupado com os interesses dos próprios cidadãos, intencionado na busca e ampliação dos direitos civis e sociais.
O contraponto é óbvio: uma América possível (Utópica) e uma América Realmente Existente. O desaparecimento precoce de Robert Kennedy implicou em um era belicosa vivenciada pelos Estados Unidos, que se estende até o presente, representada por um líder que muito se distancia dos pressupostos do liberalismo americano clássico. Com efeito, ao menos no nível imaginário, o atual presidente norte-americano seria o oposto do amigável “Bobby”.
A narrativa faz questão em mostrar a presença do candidato nas diferentes camadas sociais, abarcando os negros, os imigrantes em geral e até mesmo uma representante de um regime socialista. Esse filme segue a contramão da xenofobia e do patriotismo provinciano e chauvinista. A intenção é rememorar uma era quase mítica, na qual havia uns Estados Unidos que não discriminava as pessoas por sua origem racial, condição econômica ou crença política.
Contudo, para além desse imaginário democrata que impregna toda a tessitura do filme, há também de convir que estamos lidando com cinema. Um trabalho forte, sucinto – com alguns exageros dramáticos é verdade (um excesso descartável) –, mas ainda assim um filme bem dirigido e bem decidido.
O individual se liga ao público. O ato final, no qual presenciamos o desfecho da história de Robert Kennedy, percebemos como as historietas se ligam – diversos personagens cujas trajetórias se cruzam ao final. Uma das melhores cenas do filme é aquela em que a euforia da vitória é rapidamente substituída pelo pânico da notícia do atentado a vida de “Bobby”.
Bobby é um réquiem para uma América que não foi, mas que poderia ser. Aquele sonho um tanto ingênuo e pueril dos anos sessenta, mas que, se comparado com o cinismo da realpolitk contemporânea, parece coerente e consistente e, antes de tudo, desejável.
Cotação: Bom
Enfim um filme que é tanto um posicionamento político quanto uma irrefutável obra cinematográfica. Uma produção que conseguiu reunir nomes importantes do estrelato hollywoodiano, porém mantendo um compromisso com o ideário progressista e democrático.
Bobby toma como ponto de partida – e eixo condutor de toda narrativa – a presença de Robert Kennedy no Hotel Ambassador, em meio às prévias para a disputa presidencial. A trama abarca distintas pessoas que tiveram alguma relação com o hotel no dia do assassinato desse político.
A história é feita de possibilidades, e o que essa produção tenta nos convencer é que “Bobby” representava a possibilidade de uns Estados Unidos não militarista, não segregacionista, preocupado com os interesses dos próprios cidadãos, intencionado na busca e ampliação dos direitos civis e sociais.
O contraponto é óbvio: uma América possível (Utópica) e uma América Realmente Existente. O desaparecimento precoce de Robert Kennedy implicou em um era belicosa vivenciada pelos Estados Unidos, que se estende até o presente, representada por um líder que muito se distancia dos pressupostos do liberalismo americano clássico. Com efeito, ao menos no nível imaginário, o atual presidente norte-americano seria o oposto do amigável “Bobby”.
A narrativa faz questão em mostrar a presença do candidato nas diferentes camadas sociais, abarcando os negros, os imigrantes em geral e até mesmo uma representante de um regime socialista. Esse filme segue a contramão da xenofobia e do patriotismo provinciano e chauvinista. A intenção é rememorar uma era quase mítica, na qual havia uns Estados Unidos que não discriminava as pessoas por sua origem racial, condição econômica ou crença política.
Contudo, para além desse imaginário democrata que impregna toda a tessitura do filme, há também de convir que estamos lidando com cinema. Um trabalho forte, sucinto – com alguns exageros dramáticos é verdade (um excesso descartável) –, mas ainda assim um filme bem dirigido e bem decidido.
O individual se liga ao público. O ato final, no qual presenciamos o desfecho da história de Robert Kennedy, percebemos como as historietas se ligam – diversos personagens cujas trajetórias se cruzam ao final. Uma das melhores cenas do filme é aquela em que a euforia da vitória é rapidamente substituída pelo pânico da notícia do atentado a vida de “Bobby”.
Bobby é um réquiem para uma América que não foi, mas que poderia ser. Aquele sonho um tanto ingênuo e pueril dos anos sessenta, mas que, se comparado com o cinismo da realpolitk contemporânea, parece coerente e consistente e, antes de tudo, desejável.
Cotação: Bom
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