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domingo, 9 de março de 2008

Sicko SOS Saúde


Sicko – S0S Saúde (Sicko), 2007. De Michael Moore

Protozoários.

Queria ver Michael Moore fazer um filme sobre protozoários. Já não há como fechar os olhos para suas limitações técnicas e artísticas. Ele insiste sempre nos mesmos argumentos, não conseguir ir além de uma crítica muito rasteira à administração Bush e seus percussores republicanos.

Sua nova abordagem se refere à corrupção e falência dos planos de saúde norte-americanos, como também à ausência de um sistema médico público. Nos Estados Unidos somente aqueles que detêm recursos financeiros podem ter acesso aos hospitais. No país sede do capitalismo o direito à vida também é uma mercadoria. As revelações de Moore são capazes de impactar até os brasileiros insatisfeitos com os sistemas públicos ou privados.

Arrisco dizer que nossos problemas na área médica nem de perto se comparam à situação caótica e lastimável vivenciada pelos Estados Unidos. Vemos, na prática, que iniciativa privada e baixa intervenção do governo trazem um resultado bem diferente daquele prometido pelo discurso dito neoliberal. Curiosidade à parte é observarmos a tal conhecida estupidez do americano médio, aprendendo, desde pequeno, a acreditar que sistema de saúde público é uma prática socialista.

Certo elogio deve ser feito ao filme de Moore, seu interesse em desvelar as mazelas do país e questionar a suposta liderança americana – que ao julgar pelas revelações do filme se restringem ao campo bélico. No entanto, as ferramentas com as quais o cineasta trabalha são limitadas, seus recursos são melodramáticos, apelativos, sensacionalistas. Sua câmera é impertinente e deselegante, não há privacidade a ser respeitada, prevalece certo sadismo na coleta dos sofrimentos individuais, que supostamente se justificariam em proveito de uma causa pública.

A própria estrutura do filme é desinteressante, restringe-se a comparar os Estados Unidos com o Canadá, a Inglaterra e a França, em um modo de argumentação que não respeita as diferenças e seleciona arbitraria (e inescrupulosamente) os aspectos que lhe interessa. Uma das suas atitudes é mostrar que o padrão de consumo dos médicos europeus é tão alto quanto o americano. Em certo momento ele pergunta a uma família francesa de classe média alta se ela é feliz. A resposta é mais ou menos a seguinte: “Tenho uma casa cara, um carro caro, recursos e uma esposa branca, como não seria feliz?”. Em momento algum a sociedade de consumo é posta em xeque, erro fatal na argumentação.

O momento mais constrangedor é quando Moore tenta conduzir bombeiros e voluntários que adoeceram durante os trabalhos de resgate do 11 de setembro à prisão de Guantánamo. A argumentação do cineasta é que os prisioneiros (leia-se perigosos terroristas...) estavam recebendo tratamento médico melhor que o oferecido aos “heróis americanos”. Ele chega a essa conclusão ao ouvir vídeos dos altos militares afirmando a qualidade das instalações do presídio. Aqui, Moore se aproxima em excesso do stupid white man que ele tanto critica. Será que ele não percebeu o caráter propagandístico daquelas declarações? Ou ele simplesmente desconhece as barbaridades que ocorrem naquela prisão?

Alguém deveria ter avisado a Michael Moore que seria contraproducente um centro de tortura não ter uma instalação médica adequada. Em certo momento ele diz que sua intenção era que os heróis do 11 de setembro recebessem o mesmo tratamento aplicado aos detentos. Pobre americano ingênuo!

Nem a seqüência seguinte consegue minimizar o mal estar causado por essa falha insuperável. Ao não obter resultados em Guantánamo, Moore conduz seus acompanhantes até a ilha infernal, no intuito de mostrar a superioridade do sistema médico cubano. Divertido, capaz de agradar os anti-americanistas de plantão.

Tapa na cara. Do Bush.

Remédios que custam mais de cem dólares na terra da livre iniciativa podem ser adquiridos por centavos em qualquer farmácia de Havana. Uma das doentes que acompanham Moore não resiste a essa informação e cai em prantos – compreensível, tal discrepância é demais para qualquer ser humano. É ela quem diz a melhor frase do filme, sintetizando muito bem a argumentação da exposição:

Vou levar uma maleta cheia para casa”.

Contudo, a armação de Michael Moore novamente vem à tona. Ele organiza (é claro que foi ele!) uma confraternização com os bombeiros cubanos, na qual fica evidente o artificialismo da situação. Os soldados, em uma formação muito descuidada, com uma expressão de total desentendimento. Constrangimento visível dos bombeiros americanos em cumprimentar os cubanos. Afinal, tudo bem que receberam tratamento gratuito, mas um inimigo ainda é um inimigo.

Não importa. O que vale é provar que George W. Bush e os republicanos são incompetentes. Mas o filme poderia ser muito mais; um desconcertante questionamento sobre os embates entre Estado de Direito e corporações transnacionais.

Michael Moore contempla o busto de Marx, mas não está pronto para um dialogo. Afinal, um liberal radical ainda é um liberal. É possível que esse polemista se torne um grande documentarista. Mas enquanto isso seria aconselhável abordar temas menos polarizadores. Protozoários, minha sugestão são os protozoários.

Cotação: Fraco