domingo, 28 de maio de 2017

War Machine




War Machine, 2017. EUA. De David Michôd.

Conforme dito no texto inaugural da temporada de críticas 2017, há algumas recorrências que pretendo discutir nesse blog.

Um elemento a ser problematizado é o progressivo enfraquecimento da comédia como elogio ao absurdo. O rareamento dos talentos cômicos faz parte de um processo mais amplo que vê na comédia cinematográfica a mera sequência de situações triviais ao estilo de esquetes bem comportadas. Ao deixar de tematizar o absurdo da vida moderna, o humor explosivo e audacioso do gênero desmanchou-se em road movies alusivos à harmonia familiar ou ao encontro com o “eu” interior.

Nesse sentido, cabem méritos ao War Machine, produção Netflix, capaz de tematizar o absurdo da guerra moderna em suas diversas dimensões, inclusive a midiática. O general Glen (Brad Pitt) com sua obtusidade é a representação perfeita dos Estados Unidos da América: incontestável, mas ao mesmo tempo, patético, belicista e narcisista. O garoto entusiasmado com o falo.

Glen se presta ao controle das forças militares no Afeganistão, tentando levar democracia e outras benesses ocidentais. Porém, em função da xenofobia ianque, os afegãos sempre aparecem como insurgentes e inimigos, impossibilitando as tropas e o alto comando de fornecer alguma ajuda efetiva. O general tem a percepção desse problema, mas ele não se furta à possibilidade da glória militar, incluindo a participação nos meios de comunicação.

Glen é o novo Patton, porém menos trágico e complexo. Trata-se de um filme com um personagem só; a interpretação de Brad Pitt segura a produção ao criar uma caricatura arrogante, determinada e cheias de boas intenções (mas sem efeitos práticos). Ao fim e ao cabo, Glen é mais um generaleco interessado em arrancar 15 minutos de fama.

Bem Kinsgley, fazendo o papel de um líder títere do Afeganistão, também é uma boa escalação. Presidente Karzai sabe o exato significado da “proteção” (invasão!) americana...

A crítica é contundente, mas falta humor. Com uma proposta semelhante, Queime depois de ler (2008) dos irmãos Cohen elaborou um cotidiano da CIA no qual o viés absurdo e paranoico estava bem impresso na narrativa, tratando-se, portanto, de uma comédia mais eficiente. De qualquer forma, War Machine é uma chamada à reflexão, uma lembrança de que o exército americano não é uma equipe de super-heróis com a missão de patrulhar o mundo. Mesmo que eles pensem o contrário.

Cotação: Bom.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Alien Covenant


Alien Covenant, 2017. EUA. De Ridley Scott

Conforme dito no texto inaugural da temporada de críticas 2017 há algumas recorrências que pretendo discutir nesse blog.

Um dos aspectos a serem tematizados é o “empoderamento feminino” transformado em paradigma de Hollywood. Trata-se do corolário político (derrotado) de Hillary Clinton como uma boa pedida. Significa, por outro lado, uma castração do elemento masculino, pois os personagens do sexo neo-frágil são fracos e desinteressantes.

De fato, há uma galeria de homens incapazes de agir racionalmente. O novo capitão da nave, “homem dotado de fé”, é o melhor exemplo... Quantas saudades de um Kirk ou mesmo um Picard. Vários personagens descartáveis, incluindo as femininas, povoam a narrativa esperando o momento certo de cair nas garras dos bichões espaciais (outrora considerados inspirações de imagens fálicas). O destaque fica para a ativa cientista Daniels (interpretada por Katherine Waterston) e os “sintéticos” (androides) David e Walter interpretados por Michael Fassbender.

Os aliens são um mero pretexto para que possamos acompanhar as desventuras de uma nave por esse sertão galáctico e o verdadeiro antagonista esconde-se no masculino arrogante com as suas criações artificiais. No entanto, é difícil compreender como exploradores espaciais podem ser tão amadores, dando-se ao luxo de agir pela fé, pela raiva e pelo impulso. Assim, cabe ao logos feminino a premência de contornar um amontoado de disparates.

Daniels é vítima da vez, não obstante seu protagonismo. As criaturas alienígenas são brutais, mas apenas isso. Nessa “franquia” há pouco espaço para o otimismo e não deixa de ser curioso que em ambiente vasto (um planeta) prevaleça o ângulo claustrofóbico.

Mesmo assim, o terror não se firma e a heroína percorre sua trajetória com um vigor desperdiçado.

Cotação: ☕☕

Darkman


Darkman, 1990. EUA. De Sam Raimi

Conforme dito no texto inaugural da temporada de críticas 2017 há algumas recorrências que pretendo discutir nesse blog.

Um dos aspectos a serem discutidos é o apego aos heróis como os únicos agentes sociais possíveis. Trata-se de um hiper-realismo no qual toda a ação encontra-se dependente do desprendimento, altruísmo e nacionalismo de seleto grupo de super-seres. Os elementos podem ser cambiados e há até espaço para os anti-heróis, mas o sentido básico permanece: a atuação está restrita aos escolhidos, usem ou não cueca vermelha sobre a calça.

Nesse sentido a necessidade de retornar ao filme de 1990 de Sam Raimi, no qual havia espaço para exageros gráficos que muito destoam do hiper-realismo atual. Além disso, há algo de trash no filme, como os agressivos travelings e os efeitos visuais irregulares (fracos para os padrões atuais). Além disso, Darkman, o homem sem face, parece mais com o coringa de Jack Nicholson, com uma risada grotesca perante a desfiguração do seu rosto. A deformidade e o desespero psicológico do herói o aproximam das figuras freaks do circo americano.

O roteiro e o desenvolvimento da narrativa são elementares, prevalecendo as motivações absurdas e os vilões estereotipados. Envolvido em uma trama de gangsteres e especuladores imobiliários que não faz muito sentido, Peyton Westlake (Liam Neeson) acaba transmutado em Darkman, do médico ao monstro. Mas isso não importa, pois conforme quero destacar, é um filme que não se leva a sério ao percorrer por variações temáticas já presentes em The Evil Dead (1981) ou Evil Dead II (1987). Mais tarde seriam retomadas em Army of Darkness (1992).

É necessário Destacar que Sam Raimi conhecia muito bem os atrativos do cinema trash, aquele tipo de entretenimento que agradava os adolescentes de então. Contraditoriamente ele é um dos pioneiros na nobilitação do subgênero de super-herói com Homem-aranha (2002).

Portanto, compete apontar que o atual hiper-realismo dos filmes de super-heróis têm origens no trash juvenil dos anos oitenta. Façam as conexões! Vejamos sobre quais bases estéticas repousam a atual sensibilidade cinematográfica.

Cotação: não se aplica

sábado, 6 de maio de 2017

Robocop






Robocop, 2014. EUA. De José Padilha

Robocop é um excelente filme sobre as relações entre Estado e corporações privadas, além disso, consegue tematizar com muita propriedade a “condição ciborgue” do mundo em que vivemos. Superior ao original de 1987, essa versão apresenta um roteiro mais sólido e menos apressado. A construção da personalidade do Robocop (a tensão máquina-homem) é detalhada na primeira parte do filme.

O mundo revelado em Robocop sugere as relações estreitas entre a mídia, o conservadorismo e o interesse da indústria bélica. Há também uma contraposição entre a sociedade americana (se sustentando, ainda, como uma democracia) e o resto do mundo, um quintal aberto aos interesses imperialistas dos Estados Unidos. Aliás, arrisco dizer que o preâmbulo – quando as máquinas de guerras americanas entram em operação no estrangeiro – é o melhor momento da narrativa.

Os vilões também merecem destaque ao se afastarem dos desgastados esquadros maniqueístas. O cientista Gary Oldman, por exemplo, revela uma preocupação com seu paciente (Detive Murphy/Robocop), priorizando, no entanto, sua própria reputação de pesquisador. Já Michael Keaton se transforma em um inescrupuloso executivo, disposto a tudo para alcançar seus objetivos, mas também capaz de fornecer uma segunda chance aos inimigos, propondo os caminhos mais favoráveis para a rendição.

O desfecho do filme traz a ostentação do nacionalismo americano sob um prisma negativo. É testemunho da coragem de José Padilha em atacar um ponto nevrálgico do imaginário estadunidense: a percepção de que seriam eles os protetores do mundo.

Mas é uma pena que o enredo principal gire em torno de uma perseguição aos criminosos que atentaram contra o detetive Murphy (depois transformado em Robocop). Com efeito, as histórias de vingança continuam em alta! O que não deixa de ser uma contradição, pois se a “mensagem” do filme é a sanha militarista americana, a noção de vingança como um ato legítimo não é questionada em momento algum.

Nesse sentido, as falas do jornalista Patrick Novak (Samuel L Jackson) defendendo a agressão a todos os que ameacem a América continuam fazendo sentido. Pois ao fim e ao cabo o imaginário da "guerra justa" continua intocável, persistindo a fantasia do ciborgue vingador.

Hollywood não pode escapar de seus compromissos políticos, ainda que eventualmente flerte com um esquerdismo antimilitarista.

Cotação: bom.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Morris from America





Morris from America, 2016. Alemanha, EUA. De Chad Hartigan 
             
Morris from America é um filme despretensioso, mas muito eficiente na construção de uma narrativa acerca do estranhamento. Trata-se da história de Morris, um afro-americano de 13 anos quemorando com o pai em Heidelberg, vivencia a dificuldade de adaptação, a experimentação de drogas e o despertar sexual.

Deparando-se com a alteridade, o garoto refugia-se em sua identidade étnica e cultural, uma estratégia de ressignificação do cotidiano. Insistindo em colocar-se como um “gangster”, ele é um ouvinte de rap em meio ao público da música eletrônica. Sua condição de estrangeiro não poderia ser maior, já que a música parece ser um dos principais eixos de ligação entre os jovens.

Gentry, o pai de Morris, é um técnico de futebol que tenta educar o garoto a partir de valores específicos e, naquele contexto, deslocados: trata-se da cultura urbana negra dos norte-americanos. Portanto, Gentry é um personagem contraditório, pois exige a obediência do filho ao mesmo tempo em que instiga a irreverência. Para isso ele expõe a própria trajetória de rapper juvenil e aventureiro.

Aliás, há uma passagem problemática (talvez a única), quando Gentry se recusa a ouvir as alegações de Inka, a dedicada e inteligente professora de alemão, quanto aos textos misóginos escritos por Morris. Desenha-se nitidamente a arrogância americana ao rechaçar as censuras feitas por Inka. O subtexto é óbvio: a misoginia precisa ser aceita no cenário rap.

Morris encontra-se perdido na bela cidade de Heidelberg, depara-se com o bullying dos alemãezinhos e a má vontade dos adultos. Mas é na paixonite do garoto pela nativa Katrin que está a chave para a imersão no mundo jovem alemão. Uma forma eficaz de revelar as diferenças culturais entre as adolescências americana e europeia.

Com um roteiro livre dos clichês, Morris from America expressa o lado poético e melancólico da juventude. Além disso, graças às personagens bem construídos, a adaptação e a alteridade aparecem como dimensões contraditórias: excitantes e amedrontadoras.

A compreensão quanto à globalidade da cultura afro-americana referencia a já aludida arrogância americana, mas não deixa de ser engraçado a postura de Morris com relação a Alemanha. Sua má vontade fica evidente no semblante carregado e no mau humor de um pré-adolecente. Enfim, um "gangster" com uma pistolinha de água. Eis o Novo Mundo ameaçando o Velho...

Cotação: Bom

domingo, 16 de abril de 2017

Sandy Waxler





Sandy Waxler, 2017. EUA. De Steven Brill.

Vez ou outra aparece o entendimento de que a indústria do entretenimento vai bem, pois nunca se investiu e se lucrou tanto quanto nos tempos presentes. Por essa perspectiva, os serviços de streaming exemplificariam a democratização da cultura e do lazer, pois haveria todo um acervo de experiências válidas e legalizadas acessíveis a partir de um clique.

Tal entendimento, no entanto, está longe de ser verdade e as evidências contra isso falam por si só! É o caso do irregular Sandy Wexler (2017), protagonizado pelo Adam Sandler e produzido e lançado diretamente no Netflix. O filme se passa nos anos 90 – o novo filão a ser explorado pelos nostálgicos – na cidade de Los Angeles, onde um empresário tenta projetar a carreira de clientes pouco talentosos.

Adam Sandler é Sandy Wexler, um caricato e carismático empresário. Ele se assume como “bobão” de fala arrastada, visual brega (mesmo para os anos 90) e comportamento antissocial. Mas fica a dúvida se Wexler é de fato um incompetente; a insistência em mostra-lo como desajustado não harmoniza com a sua facilidade de circulação nos círculos dos famosos, sempre encontrando colegas ou amigos que alcançaram o sucesso no show business.
 
É este o ponto que pretendo destacar, a autocongratulação de Sandy Wexler ao streaming. Há um conjunto recorrente de alusões e piadas que contrapõe os anos 90 aos “dias de hoje”. Possivelmente a intenção é vangloriar a possibilidade de sucesso para qualquer um que tenha talento – no plano de fundo encontra-se o autoelogio às plataformas do Netflix e do Youtube.

Sandy Wexler se propõe a fazer o que as redes sociais, os blogs, e os canais de vídeos hoje o fazem: tirar as pessoas do anonimato e dar-lhes o tão cobiçado reconhecimento.

Tanto que o ponto forte do filme baseia-se nas ironias contra aquele mundo anterior à universalização da internet. Waxler elogia a Blockbuster, desconhece o correio eletrônico e faz pouco caso da Pixar. Ou seja, como um genuíno homem dos anos 90, ele supõe que é no tête à tête e na articulação de contatos que se encontram as portas para o show business. A internet seria, naquele contexto, uma brincadeira de nerds.

Mas tendo em vista que a maior parte dos clientes de Waxler são nulidades (ventríloquo, malabarista, lutador de Westler) do mesmo naipe de muitas subcelebridades que hoje não abrem mão dos seus 15 minutos de fama, cabe o questionar se, afinal de contas, tal democratização da cultura seria a própria universalização do mal gosto e do apego aos pastiches.

Pois se o que a indústria cultural tem a oferecer (como algo original e feito diretamente para o streaming) é Sandy Waxler, fica desculpada a tendência de rememorar a década de 90.

Cotação: Regular

domingo, 9 de abril de 2017

Muppets 2





Muppets 2: Procurados e Amados, 2014. EUA. De James Bobi

A composição cênica resultante do uso de fantoches no “mundo real” assinala a tensão insolúvel dos Muppets. Trata-se de um universo ficcional no qual os humanos coexistem com fantoches de animais antropomórficos sem que tal irracionalidade seja percebida. Desse modo, a narrativa encontra-se tensionada pelo absurdo, até mesmo porque os recursos metalinguísticos exploram a natureza cômica de tais contrassensos.

O enredo não traz nada de novo: amontoados de clichês articulados de forma pretensamente divertida. Enquanto os Muppets encontram-se em uma turnê mundial (leia-se europeia), um audacioso roubo é planejado. O sapo bom, Kermit, é preso na Sibéria e substituído pelo sapo mau, Constantine, a fim de que a trama maligna seja colocada em movimento.

As temáticas banais e lacrimejantes sobre a amizade, a família e o amor verdadeiro são utilizadas mais uma vez. Tudo adoçado com poucos momentos cômico e números musicais irregulares – revelação de que os Muppets se tornaram um pastiche de si mesmos. Nem mesmo Ricky Gervais, interpretando um dos vilões, consegue se apropriar do potencial humor non sense da narrativa.

Na verdade, o valor do filme se baseia no tipo de subtexto construído a partir da irracionalidade já apontada. Isso nos leva a questionar nas causas da insistência em uma comédia de fantoches para adultos (ou pelo menos para “todas as idades”). A poética infatilóide de Muppets 2 denuncia as dificuldades de coexistência entre o saudosismo e o burlesco. O resultado é o enfraquecimento da comédia e o apelo à lembrança de que já houve um dia no qual todos podiam sorrir dar tiradas inteligentes de um sapo de pano.

Firma-se mais um monumento da crise da comédia hollywoodiana contemporânea.

Cotação: Fraco