terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Denominador comum: é o hábito que faz as monjas.

 

Nunsploitation ✝💋

A freira (The Num), 2018. De Corin Hard.

Benedetta, 2021. De Paul Verhoeven

As freiras alguma vez já convenceram alguém? O convento feminino é um lugar muito instigante para se estar. Várias mulheres encalacradas, sexualmente reprimidas e sem muita coisa para fazer além dos regalos domésticos e litúrgicos.

Umas freirinhas bem sisudas, dirão alguns ingênuos. Garotas da pesada, insinuarão os cínicos de plantão. Boccacio já menciona essas meninas em pavorosa para dormir com um jardineiro em Decameron (séc. XIV).

A tensão constituída entre os diversos imaginários acerca da mulher (Eva é Evil) é alimentada pelo mistério concernente às clausuras. Assim, ao longo da história, não é incomum encontrar poemas eróticos atribuídos a alguma soror. Uma importante referência da literatura libertina é o livro Tereza Filósofa (1748) que trata de uma religiosa em (de)formação.



(livrinhos sobre freirinhas)

“Freiras gradeiras” era uma expressão dos séculos XVII e XVIII acerca do hábito das religiosas em empoleirar nas grades dos conventos para conseguir um intercurso sexual com um audaz amante. A arquitetura monástica objetivava criar barreiras para preservar o questionável decoro dessas esposinhas de Xristós.

O subgênero cinematográfico nunsploitation veio a serviço de alimentar a imaginação acerca da vida secreta das freiras. Filmes apelativos, porém eficazes para explicitar os não ditos que as produções “sérias” raramente abordavam. Tiveram seu auge na década de 1970, mas podemos encontrar um exemplar mais refinado em Maus hábitos (1983) de Almodóvar.

Por isso, um filme como A Freira (Corin Hardy, 2018) peca pelo convencionalismo: irmãs religiosas em luta contra mais um assecla do diabo no pós-Segunda Guerra. O maligno se manifesta em um ambiente isolado, colocando as irmãs na obrigação de tentarem represar o capetão. No filme ele se manifesta como uma figura freirática que aterroriza com uma expressão cadavérica. Não há muito lugar para a sedução. É a luta do bem contra o mal no qual o bem leva uma surra.

Uma noviça com visões de Maria é a engrenagem necessária para fechar a passagem para o inferno. E esse processo se dá justamente pela repressão da sexualidade e individualidade. É muito trabalho para achincalhar a vida das freiras.

Já em Benedetta (Paul Verhoeven, 2021) temos a história de uma irmã do convento Teatino que é tocada por imagens de Jesus enquanto se envolve de forma carnal com uma outra noviça. Aqui temos a inspiração do velho Diabão (não Lúcifer ou seus asseclas, mas o Dr. Freud) nos brindando com os lugares comum de repressão sexual e loucura.

O desenvolvimento da narrativa nos leva a entender que a personagem que dá nome ao filme é uma mulher torturada pela potência do desejo e pela mística do divino. O canal para sua sexualidade são as visões religiosas e é com o sexo que ele obtém a transcendência.

A Freira é um filme que se fragiliza muito em função da monotonia dos personagens. A própria criatura a ser derrotada não parece muito convincente. Um diabo que se transformou em freira e que fica de um ponto ao procurando uma rota de saída para o mundo profano.

Benedetta, por sua vez, não consegue trazer o dilema das freiras para um plano histórico real. Sem querer enumerar os anacronismos, tudo fica dependente da pulsão sexual não realizada. A jovem religiosa fica perdida entre o engodo e o autoengano. Suas estripulias, de fato, são mais mortais do que as travessuras do diabo vestido de diabinha, digo de freirinha.

Em ambas as películas fica a dúvida: qual é a força dessas meninas para prover resistência ao pecado? Esboçam uma certa relutância ao mal, e na cena seguinte já se entregam aos prazeres da perdição. De fato, não há como conferir horror ou tragédia a mocinhas que caem tão rápido.

É até melancólico ver como as “noivas de Xristós” aparecem como sujeitos definidos exclusivamente pela relação com a ordem religiosa – explicitado no colocar e retirar a vestimenta. Por fim, o que temos é a sugestão de que o horizonte de heresia é somente o recalque ao sexo. Nem é preciso enunciar alguma visão do mundo realmente contestadora, pois no fim a ordem deve prevalecer.

Assim, seria preciso ir ao encontro do nunsploitation para verificar qual é o limiar anárquico desse projeto que tem tudo para ser apenas mais uma tirada fetichista.

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

THe Steketon Dance - Hell's Bells - The Haunted House

📺 História da animação


The Skeleton Dance (1929). De Walt Disney.

Hell’s Bells (1929). De Ub Iwerks.

The Haunted Dance (1929). De Walt Disney.

Walter Benjamin já escreveu sobre Mickey Mouse aludindo à dimensão surrealista das primeiras animações. O experimentalismo e a ausência de códigos de censura explícitos possibilitaram projeções com extrema criatividade, na qual utilizavam-se os meios técnicos ao limite de modo a testar todas as possibilidades.

As temáticas trabalhadas seriam consideradas inapropriadas para a atual sensibilidade bem comportada, moralista e politicamente correta. As alusões à figura da morte e aos demônios incomodariam a audiência cristã, da mesma forma que os estereótipos raciais seriam tomados como de mal gosto. Mutatis mutandis, hoje precisamos ter cuidado com qualquer abordagem autoral – a polícia da polarização ideológica não dá descanso...

Em Skeleton Dance e Hell’s Bells a sincronia entre som e imagem reforça a prevalência da música instrumental como um referencial compreendido pela audiência geral. As notas musicais escapam da tessitura da música a fim de simbolizar acontecimentos específicos: quedas, quebras etc. O encadeamento entre música e imagem contorna as limitações técnicas e preenche as animações com uma vivacidade na qual a todo som corresponde uma ação.

A temática é dark e remete à sensibilidade norte-americana do Halloween. Os esqueletos despertam em um cemitério para dança, seus ossos se desfazem e se reintegram em estruturas e colunas. Gatos, corujas e morcegos são os vizinhos daquela cidadela na qual o pós-morte parece ser divertido. A referência mais previsível é a Dança Macabra de Saint-Saëns. A história é simples, os esqueletos passam a noite brincando até a chegada do sol.

Já Hell’s Bell acompanha uma diversão de demônios no inferno. Criaturas espectrais (leia-se demoníacas) fazem seus folguedos com chamas. Nesta animação há uma narrativa mais estruturada já que o Diabo mor persegue um demoniozinho para dar-lhe de comida ao Cérbero. A técnica é a mesma que a animação anterior, a temática, no entanto, é um pouco mais obscura. Não imagino o atual público padrão dos produtos Disney assistindo confortavelmente essa inofensiva animação. Uff, o século XXI está pesado...

Hell’s Bell e The Skeleton Dance fazem parte da coleção Silly Symphonies, já The Hauted House tem como personagem o Mickey, constituindo a face principal do universo de Walt Disney. Mas tudo se repete, inclusive o aproveitamento de sequências das bandas anteriores, como a movimentação dos esqueletos e o voo dos morcegos, por exemplo. Em Haunted House a narrativa se impõe ao experimentalismo – o rato fugindo da tempestade entra em uma casa habitada por caveiras e outros sustos. Tudo muito repetitivo, mas fazia sentido no contexto geral da época – o intuito era explorar o fantástico.

A parceira Walt Disney e Ub Iwerks

De fato, o maior mérito dessas primeiras animações, conforme já havia notado o filósofo alemão, é a poética construída em torno do absurdo. O universo cultural das assombrações e das monstruosidades era conhecido pelas crianças – não eram poupadas de sentir medo. Os norte-americanos são, afinal, bastante supersticiosos e gostam dos arrepios. Por isso, o terror era parte de uma organização mental que embaralhava as fronteiras entre o racional e o maravilhoso.

É justamente essa poética que foi perdida em fins do século XX, a fricção entre o abstrato e o narrativo rasgam a recepção e absorção fáceis que hoje se espera das animações comerciais. Walt Disney e Ub Werks, sempre afinados, compõem poemas visuais e orquestrais que vieram a se tornar um dos pilares da indústria da animação e um testemunho do inconsciente coletivo do século XX.

domingo, 15 de outubro de 2023

30 dias de noite

Crítica a jato✈


30 dias de noite (30 Days of Night), 2007. De David Slade

Antes de Eclipse (2010) David Slade nos brindou com essa história vampirosa de sanguessugas...

Vampiros que tendo a vantagem de atacar por 30 dias seguidos conseguem, ainda, deixar uma pá de humaninhos escaparem...

E vejam, não estou aqui sendo o chato de garrocha ao falar que NEM todo mundo morre no final. Só estou ressaltando o absurdo de que em uma cidade no Alasca no qual o inverno resulta em 30 dias sem a luz do sol os vampiros não dão conta de fazer o dever de casa. E não estamos falando de caçadores como aqueles cowboys do asfalto de John Carpenter, tampouco de um Blade da vida.

Não meus caros, os humanos que se safam são uns patetões que correm a esmo pela cidade, trombam uns nos outros, gritam quando é para fazer silêncio, fogem se prendendo em lugares apertados e se mostram incapazes de qualquer comunicação minimamente inteligente. É claro que esses humanos devem ter lá seus superpoderes para enxergar normalmente no escuro polar, mesmo com toda iluminação natural e artificial suprimida. Mas não vamos pedir coerência de um filme no qual os personagens são rasos, as sequências de ação absolutamente artificiais e o carisma dos heróis e vilões inexistente.

Se vocês querem relembrar aquela boa época que íamos às locadoras e voltávamos com uma batata quente na sacola está aí uma ótima oportunidade de revival.

Filme que caiu no esquecimento, mas que vez ou outra é bom dar uma revisada só para não perdemos o costume da crítica mal humorada.

Cotação:☕