domingo, 30 de dezembro de 2007

Happy Feet

Happy Feet – o Pingüim (Happy Feet), 2006. EUA. De George Miller

Um filme sobre os pingüins imperadores, exímios cantadores. Para o acasalamento, eles formam seus pares a partir de cantos. Porém, um deles, chamado Mano, tem uma peculiaridade: é incapaz de cantar, ele só consegue expressar seus sentimentos através da dança.

Essa sua habilidade o indispôs perante seu grupo, sobretudo os mais velhos. Mano é um desolado, inapto a seguir os antigos rituais de corte e acasalamento da espécie. A impressão inicial é estarmos diante de mais uma das tantas atualizações do patinho feio. Um novo exemplar das fábulas de aceitação social, bem ao gosto da Disney ou da DreanWork. O exemplo mais recente que me vem a mente é sobre um ogro que se diz misantropo, mas cujo anseio mais íntimo é justamente a inclusão nos padrões da maioria.

Na verdade, um dos paradoxos das sociedades ocidentais contemporâneas é o culto ao individualismo ser complementar às medidas de massificação e homogeneização dos gostos e sensibilidades. O cinema americano tem uma predileção por aquele modelo de herói que se diz diferente, mas que, ao final, mesmo que implementando alguma mudança, acabará por aceitar uma reordenação conservadora do sistema (lembrem-se do desfecho de FormiguinhaZ). Aula de sociologia funcionalista no mais elementar grau... Sem dúvida que esses problemas perpassam Happy Feet do início ao fim, e durante os primeiros atos eu tinha a convicção de que estava a desperdiçar uns 90 minutos do meu tempo.

Contudo, na metade da projeção o enredo adquire uma nova conotação, a meta do personagem (de conquistar a amada e ser aceito pelo seu bando) é substituída por uma nova missão, a de compreender a razão do desaparecimento dos peixes. Esta atípica ave decide realizar uma jornada em direção a seres desconhecidos (os ETs) que, supostamente seriam responsáveis pela carestia dos víveres.

Com esse incremento, a narrativa acaba por tomar um fôlego, trazendo um sutil pensamento ecológico que é até inofensivo, mas, ao menos, não se resvalando na pieguice.

O jovem Mano descobre nos ETs criaturas indiferentes, incapazes de perceber o sofrimento dos demais. Gigantescos e poderosos, eles eliminam todas as formas de vida, dos peixes às baleias, não há criatura capaz de fazer frente à voracidade desses insaciáveis alienígenas. Caberá ao pingüim encontrar meios para se comunicar com tais seres, dissuadindo-os da predação irracional dos peixes.

No Pólo Sul há muitos animais que ameaçam a vida dos pingüins, como as gaivotas, os leões marinhos e as baleias. Porém, no desenvolvimento do filme, evidencia-se que o maior perigo reside nas inexplicáveis ações daqueles estranhos alíens que, por onde passam, deixam um rastro de destruição e sujeira. Sem dúvida, o perigo vem do espaço.

Cotação: Bom

Pantera Cor-de-Rosa

Pantera Cor-de-Rosa (The Pink Panther). Eua. DE Sawn Levy, 2006.

Para de pressioná-la, não vê que ela é sexy!"

Assino embaixo essa frase pronunciada pelo inspetor Jacques Clouseau, interpretado por Steve Martin, ao se referir a cantora Xania (Beyoncé Knowles).

Começo esse texto por um caminho pouco usual ao destacar a beleza de Beyoncé, certamente uma das mulheres mais bonitas dos Estados Unidos, representante da pop e world music. A presença da figura da “mulher fatal” é indispensável para o desenvolvimento dessas histórias detetivescas. Basta lembrar o cinema noir e suas paródias, das quais a franquia Pantera Cor-de-Rosa é um exemplo indireto.

A beleza singular de Konwles é uma estratégia para nos levarmos a um esquema de cinema glamour onde a aparência do ator é um elemento essencial da trama. Assim Beyoncé é a mulher misteriosa e sedutora, Jean Reno é a objetividade, humildade e força e Steve Martin é a própria incompetência não admitida e encarnada em forma de homem.

Steve Martin é um ator competente, pois conseguiu substituir satisfatoriamente Peter Sellers, embora o Clouseau deste último fosse bem mais blasé. Faltou um pouco de alheamento na interpretação de Martin, não podemos nos esquecer que o inspetor francês é quase um altista, com uma percepção mínima da realidade ao seu redor.

Há algumas vulgaridades no filme, plenamente dispensáveis, um indício da queda da comédia cinematográfica contemporânea, que, cada vez mais, tende a ser escatológica. De qualquer forma as piadas básicas e as situações cômicas típicas permanecem, mas não trata-se simplesmente de um remake.

Há várias reinvenções, pois temos um Clouseau que convive com celular, viagra, internet e e-mail, todas as cenas que envolvem essas tecnologias são hilárias. A referência aos filmes de James Bond é legítima na medida em que ela tem uma funcionalidade na trama, não soando gratuita.

O desfecho é a parte mais insatisfatória do filme. A forma como se deu a “redenção” de Clouseau foi forçada, ele é um policial altamente incompetente, não há uma razão para tentar nos convencer do contrário.

Cotação: Regular

O homem que não estava lá

O homem que não estava lá (The Man Who Wasn’T There), 2001. EUA. De Joel Coen

Está claro que o diálogo é com o cinema Noir. A fumaça, os cigarros e a fotografia em preto e branco nos sugerem o universo ao qual os irmãos Coen pretende nos conduzir.

Porém, o cinema feito em 2001 nunca será o cinema dos anos trinta ou quarenta. O amoralismo do movimento Noir não pode ser recriado com tanta facilidade, e embora o personagem principal, Ed Crane (interpretado por Billy Bob Thorton), não tenha remorso por suas ações, ele está condenado, de alguma forma, a pagar por seus crimes. Assim, uma referência plausível é Crime e Castigo, pois cabe ao desajustado purgar pelo seus erros.

Entretanto o roteiro é bem construído e, embora a trama esteja em constante mudança, não nos deixa de surpreender que, em um filme sobre assassinatos, haja momentos em que discos voadores, de uma forma um tanto inusitada, entrem na história.

O filme é sobre um homem que, embora com uma vida insípida, não deixa de experimentar arroubos de otimismos, justamente o que o conduz a situações catastróficas. Dentro do universo dos irmãos Coen, ele seria uma outra versão daquele incompetente vendedor de carros, que trama o seqüestro da própria esposa em Fargo.

A narrativa é um tanto “esticada”, o que acaba por provocar uma impaciência, principalmente no ato final, quando o remate se torna previsível. Assim como em Fargo a situação inicial é simples, mas aos poucos as complicações aparecem, com amplitudes imprevisíveis.

Eu um momento do filme, alguém fala que Ed Crane é um homem moderno: solitário, sem um lugar definido no mundo, um tipo comum e inofensivo. Dificilmente ele poderia ser tomado como um homem comum, pois seu estoicismo é admirável, não o vemos sorrindo ou chorando, sua feição é sempre a mesma.

Em O homem que não estava lá não existe espaço para o livre arbítrio, pois uma ação longínqua pode o afetar sem que você perceba. A possibilidade de felicidade está vedada. Um carro na contramão, uma nave alienígena, a lavagem a seco, tudo está interligado, denunciando o absurdo da vida e a confirmação do Princípio de Incerteza: quanto mais se procura menos se acha.

Assim, a mentira é preferível, pois ela simplifica a realidade, assim, a morte é preferível, pois ela simplifica a vida.

Cotação: Bom